Foi no dia em que a Igreja católica celebra a natividade de Nossa Senhora, 8 de Setembro de 2019, que a Irmã Maria Antónia Guerra de Pinho nasceu para a eternidade. Nasceu?! Sim, porque o momento da morte é, para os cristãos, o dies natalis, ou seja, o dia do nascimento para a verdadeira vida, a eterna.

A sua morte não podia ter sido mais horrível, dadas as circunstâncias em que ocorreu: não só foi terrivelmente assassinada como, depois, nem sequer o seu corpo foi respeitado pelo seu monstruoso homicida. Manchando, com a sua ignomínia, aquele cadáver, não pôde, contudo, conspurcar a alma de quem, enriquecida pela graça do martírio, no Céu resplandece imaculada e, decerto, intercede agora pela sua conversão.

A vida de Maria Antónia Guerra de Pinho, mais conhecida por Irmã Tona, é uma história de amor humano e divino. Ao contrário do que certas hagiografias fazem crer, os santos são pessoas normais, embora extraordinárias na sua virtude.

Natural de São João da Madeira, que foi também o local da sua morte, na diocese do Porto, a Tona, como era familiarmente conhecida, nasceu numa família cristã, onde teve a sua primeira experiência de felicidade. Por isso, o seu primeiro sonho foi o de casar e ter sete filhos! Nem tudo foram sonhos na sua juventude porque, para ajudar a família, teve que trabalhar numa fábrica, o que a não impediu de, como qualquer rapariga do seu tempo e idade, ter alguns namoricos, ir a bailes e, por vezes até, chegar tarde a casa.

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Quando tinha dezoito anos, Deus trocou-lhe as voltas, não por via da negação desse projecto, mas pela sua sublimação no ideal de um amor maior, pois “não há maior amor do que dar a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). Depois de ter frequentado um Convívio Fraterno, Maria Antónia descobriu um novo horizonte: o da consagração religiosa, na congregação das Servas de Maria Ministras dos Enfermos. O carisma desta instituição religiosa é peculiar: o atendimento noturno dos doentes. Como disse a Irmã Inês Flores Vázquez, responsável por este instituto religioso no nosso país, “foram as primeiras religiosas a sair dos seus conventos de noite, para cuidar dos doentes nas suas casas”. Seus pais não se opuseram: “a porta por onde sais é a mesma por onde podes entrar, caso não te sintas bem”.

É verdade que pôs de lado a opção matrimonial, bem como a de gerar filhos próprios, mas não a de constituir uma família, com todos aqueles que, por virtude da sua entrega, se dispunha alegremente a servir. De certo modo, todas as mulheres estão vocacionadas para a maternidade: muitas, por via do casamento e da geração de filhos; outras, por via da consagração religiosa e do seu serviço a todos, sobretudo os mais necessitados.

Há uma característica em que são unânimes todos os que conheceram a Irmã Tona: a sua alegria. Não era uma mulher que tinha prescindido de nada, mas que tudo tinha alcançado no dom de si mesma. Aqueles que consideram a vida religiosa como renúncia e negação esquecem que é, sobretudo, afirmação gozosa de um grande amor. Daí a sua alegria, que não era momentânea, nem expressão efémera de algum contentamento passageiro, mas a atitude de quem está bem com a vida e consigo, porque está bem com Deus e, por isso, com os homens e com o mundo.

Porque assim o exigia a sua consagração, vestia sempre o seu hábito religioso, como expressão da sua dedicação a Deus. Mesmo na sua moto, em que se deslocava pela cidade, gostava de dar, com simplicidade, esse testemunho, que era de amor a Deus e de serviço ao próximo. Talvez não fossem as vestes mais cómodas e práticas para quem usava esse meio de locomoção, mas eram a manifestação da sua verdadeira identidade e, por isso, fazia questão em se apresentar sempre desse modo. É verdade que, como diz o ditado, não é o hábito que faz o monge, mas expressa a sua entrega e é um sinal de Deus para o mundo.

Irradiava alegria e, todos os que dela se aproximavam, tinham de facto a sensação de que, por seu intermédio, estavam também mais perto de Deus. “Era muito querida, muito alegre e estava sempre com um sorriso”, como recordou a sua superiora, a Irmã Inês Flores Vázquez. A Irmã Tona dedicou-se ao atendimento noturno dos doentes, como é próprio da sua congregação religiosa, não só em São João da Madeira, mas também no país vizinho, nomeadamente em Bilbau, Valência e Salamanca. Para esse efeito, tirou um curso de enfermagem, como aliás todas as religiosas desta instituição. Como explica a Irmã Inês, “não são os doentes que vão em busca de alguém. As irmãs são como a luz na noite do doente. Passam lá a noite e, de manhã, voltam ao seu convento, para recuperar forças e voltar à noite”.

Depois dessa formação no estrangeiro, regressou à sua terra natal, para cuidar dos seus pais, idosos e doentes. Mas a caridade da Irmã Tona não conhecia fronteiras e, por isso, também ajudava os sem-abrigo e os toxicodependentes. Porventura, terá sido esta sua disponibilidade que a terá levado a aceitar o convite do ex-presidiário, que conhecia não só por ter feito parte do grupo dos toxicodependentes que a religiosa atendia, mas também por ela acompanhar, na sua doença, a mãe dele. Valendo-se deste conhecimento, o assassino atraiu a religiosa que, primeiro tentou, em vão, violar e depois assassinou.

A mais veemente e corajosa reacção de repúdio pelo assassinato da Irmã Tona – impropriamente chamada ‘freira’, porque nem todas as religiosas são freiras, nem monjas –  foi a do Bispo do Porto, D. Manuel Linda, que presidiu ao seu funeral. Segundo o prelado portuense, a religiosa terá passado por “um martírio”, que “no mínimo, tem muito de paralelo com tantas mulheres, de todas as idades, que, na defesa da sua honra e dignidade, acabaram por pagar com a vida a resistência ao agressor depravado. Muitas foram mesmo declaradas beatas e santas”. Lamentou também não ter visto ainda “nenhum político, nenhum (e nenhuma…) deputado desses radicais, nenhum organismo que diz defender os direitos humanos, nenhuma feminista condenar o acto. Nenhum e nenhuma! Porquê? Porventura porque, para elas (e para eles…) as vidas perdem valor se se tratar de pessoas afectas à Igreja. Sumamente, se defenderem a sua honra.

Queira Deus que a Igreja católica não esqueça o testemunho de caridade heroica da Irmã Maria Antónia Guerra de Pinho, não só em vida como também na sua morte: mesmo que não tenha sido mártir da fé, certamente o foi da caridade, como São Maximiliano Kolbe, e da pureza, como Santa Maria Goretti. Talvez a Irmã Tona venha a ser, se Deus quiser, a primeira mulher mártir portuguesa. Santa súbito!