Agora que o Entrudo e os Carnavais foram enterrados, depois da folia e da catarse colectiva em que muitos se entretiveram, guardam-se as máscaras (pelo menos as literais) e regressa-se ao quotidiano. Para os Católicos, inicia-se a Quaresma, expressão originária do latim, quadragesima dies (quadragésimo dia) que separa o período até que celebram a Páscoa e que remonta, como habitualmente, a tradições oriundas de ritos pré-Cristãos do pousio do Inverno e do posterior renascimento da terra na Primavera (atenção, apenas válido para os que habitam a Norte da linha do Equador!).

É, então, um período de preparação integrado num ciclo que antecede celebração e prolongamento. Mas, estendendo agora a metáfora para todos e não somente os que se identificam com a religião Católica, e que portanto não terão um tempo formalmente designado e destinado a “preparação” (leia-se pré-acção), se o dia-a-dia “engole” o comum dos mortais, que na espuma dos dias deixa esmorecer a atenção, a consciência e a escolha, como pode este sonhar e almejar ou sequer reparar-se dos efeitos de tantos quotidianos impostos?

E como fazemos para recuperar por forma a mantermo-nos na “roda” se esse ritmo acelerado em que vivemos não nos deixa abrandar a não ser que algo nos pare? E podem ser tantas as coisas que nos obrigam a tal… AVC, enfarte, dor crónica, ataque de pânico, depressão, burnout,… a existência de problema de saúde grave de um familiar, a ocorrência de problemas conjugais, dificuldades financeiras e contracção de empréstimo significativo, a vivência de factores laborais de stresse… São tantas e tantas as pessoas que vivem neste limiar sem se aperceberem do abismo em que caminham, dos riscos que correm por estarem sempre a “correr”!…

A tal “preparação” pode revestir-se para todos nós de auto-cuidado, porque existem outras respostas para além das farmacológicas que tão erradamente proliferam e dominam no nosso país (no consumo de ansiolíticos e antidepressivos estamos quase no dobro da média europeia). Para que possamos suspender momentaneamente a “roda” ao invés de cair dela, até porque não podemos estar permanentemente focados na activação (quer para fazer e alcançar, quer para detectar ameaças) há-que desenvolver ações deliberadas, realizadas por cada um de nós, de cuidado, preservação e melhoria do nosso bem-estar e da nossa saúde física, mental e emocional.

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Um foco em acções orientadas para a acalmia, contentamento e afiliação social foram desenvolvidas na nossa espécie há milhares e milhares de anos e dele resultam respostas emocionais de bem-estar, pertença e segurança. Porque há momentos em que as sensações de calma e paz são necessárias para facilitar um estado de descanso e aquiescência.

O Alberto [nome fictício], tinha 50 anos e era director-geral de uma empresa quando foi surpreendido por um problema de saúde sério ao mesmo tempo que viu ruir a sua vida familiar. Percebeu, com a minha ajuda profissional enquanto Psicóloga, que muito das perdas que enfrentava eram consequência do estilo de vida que levava, do sempre na “roda”, do não privilegiar momentos intencionais de descontracção e lazer, fosse sozinho, com familiares ou com amigos, de não dormir as 7 ou 8 horas recomendadas para um adulto, de não manter um hobbie, de não praticar actividade física, de não gozar dias de férias suficientes, de não colocar fronteiras à sua vida profissional que inundava toda a sua existência, de não conseguir estar, assim simplesmente…

Depois de tomar consciência dos seus comportamentos, do seu funcionamento, das suas emoções, começou a aprender a tomar conta de si. Sim, porque se temos de aprender tantas coisas na vida porque razão é que julgaríamos que o instinto da sobrevivência trataria automaticamente de nós para “o resto”? Já saímos das grutas há algum tempo, os nossos desafios já não são fugir aos predadores ou o abrigar dos raios e dos trovões…

Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira