“Situação crítica ou desastrosa criada por uma convergência de fortes fatores”, é esta a definição de uma Tempestade Perfeita e que, curiosamente, pode ser também a perfeita definição daquela que é a sucessão de eventos desde 2016 quando o governo de António Costa reverteu a privatização da TAP.

Esta tempestade adensa-se em consonância com o desenvolvimento do escrutínio realizado na Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia da República, trazendo para a agenda mediática e até à população em geral a incompetência, inércia, impreparação e incapacidade de sucessivos titulares das pastas das Infraestruturas e Finanças, colocando a descoberto um governo em autogestão e que existe apenas e somente para servir os interesses dos hipotéticos futuros secretários-gerais do Partido Socialista e das suas hostes.

Ora vejamos, em 2016, pelas mãos do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, o Estado pagou 1.9 milhões de euros para ficar com 50% da companhia aérea, mas já na altura as incongruências começavam a existir. Exigiam metade dos lugares no conselho de administração da TAP mas diziam “A gestão da TAP tem sido de natureza privada e está bem entregue”. Ora se a gestão estava bem entregue aos privados porque quiseram recomprar ações e ficar com metade do Conselho de Administração? Esta compra era nitidamente um capricho para agradar aos camaradas do Partido Socialista e em especial à ala mais à esquerda do mesmo.

Em 2020, a reboque da pandemia da Covid-19 e do pedido de empréstimo de 1.2 mil milhões de euros realizado pela TAP ao Estado português, António Costa reforça a presença do Estado no capital da empresa, que passa a deter 72.5% por 55 milhões de euros. É nesta fase, já com Pedro Nuno Santos ao leme do ministério das Infraestruturas e Habitação, que nos chega a mítica alegoria às “caravelas portuguesas” e que o ministro das Finanças, João Leão, diz que o reforço de capital não vai pesar nas contas públicas. Já em 2021, e após a TAP receber a compensação pelas perdas associadas à pandemia aprovadas por Bruxelas, recebendo cerca de 462 milhões de euros, o estado português passou a deter 98% da Companhia. João Leão havia dito que não iria pesar nas contas públicas mas nesta altura já estávamos a ultrapassar os 2 mil milhões injetados na TAP e até 2024 estavam previstos 3.7 mil milhões de euros, sensivelmente mais de metade do valor gasto no setor da educação no ano de 2022.

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Entre os valores obscenos e os caprichos para agradar às claques, os serviços da TAP foram-se degradando ano após ano. Hoje em dia a região do Algarve, que em Abril possui uma média de 100 aterragens por dia, recebe apenas 4 voos da TAP, todos vindos de Lisboa e sem qualquer ligação direta aos principais mercados emissores (Reino Unido, Irlanda, França e Espanha). Sendo que muitos voos da TAP são operados por outras companhias aéreas, seja por falta de pessoal ou de aeronaves e o serviço prestado, que foi outrora um dos grandes fatores de diferenciação, é hoje, pior que qualquer lowcost europeia.

Capricho e deterioração dos serviços, mas esta tempestade ainda agora vai no início.

Com a nomeação de Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, Fernando Medina consegue o impensável. No seu primeiro ano enquanto governante tem um deslize de tal forma grave que consegue colocar a descoberto uma série de vícios, prepotências e faltas de ética, quer seja do próprio Governo como da TAP. Embora seja eticamente reprovável, mas muito possivelmente legal, a obscena indemnização de 500 mil euros numa empresa cujos trabalhadores têm salários cortados e regalias retiradas só vem agudizar a contestação e o descontentamento dos mesmos. Causando, mais uma vez, quebra de confiança entre a empresa e os trabalhadores. No entanto, é exatamente através deste processo que conseguimos também ter acesso à outra faceta da CEO da TAP, Christine Widener, entre as discordâncias desde a relocalização da sede à renovação da frota, Alexandra Reis mostrou-se ao país como uma pessoa sensata e equilibrada, respondendo aos deputados de forma serena e objetiva expondo ponto por ponto as suas divergências com a CEO. No entanto, e ao longo não só da sua inquirição, mas também da inquirição do Chairman da TAP, Manuel Beja, percebemos que o próprio Governo toma partido pela CEO da TAP, não atendendo telefonemas, não respondendo a emails, comunicando apenas e somente com ela, incluindo, para pedir favores, como é o caso do pedido de alteração de um voo para que o Presidente da República pudesse estar satisfeito com o serviço e mantivesse o Governo nas suas boas graças. Mas também não nomeando os administradores não executivos em falta, mantendo assim todo o poder concentrado nas mãos da CEO.

Capricho, deterioração de serviços, desrespeito pelos trabalhadores, desprezo pela coisa pública, parcialidade, concentração de poderes e o que mais esconde esta tempestade?

O PSD, tem dito muitas vezes que nunca teria revertido a privatização, e bem. A TAP, à semelhança de outras companhias na Europa durante a pandemia da Covid-19, precisava de apoio e de um plano de recuperação concertado com o Estado Português que lhe desse a capacidade para aguentar a pandemia e posteriormente relançar não só a companhia como um dos maiores setores económicos do nosso país, o Turismo. Esses apoios e o plano de recuperação podiam ter sido uma ferramenta fundamental para negociar com os acionistas um serviço amplo no território nacional e as principais ligações com os mercados emissores, potenciando assim não só a companhia como o próprio país. Este recomeço foi desperdiçado para agradar a claques e a sectarismos ideológicos.

O Partido Socialista quando está no poder confunde o Estado com o Largo do Rato, não sabendo quando termina o Estado e onde termina o seu partido, é por isso que, quando confrontado pela oposição e com a realidade dos factos, escuda-se dizendo que a oposição está a “suportar a direita” ou invoca a falta de “sentido de Estado”. Falta de sentido de Estado é reverter a privatização de uma empresa para, numa sucessão de eventos e em apenas sete anos, desvalorizar categoricamente a companhia, não apenas financeiramente como também na sua credibilidade.

Se isto é como se tratam as caravelas do século XXI, Vasco da Gama estará às voltas no seu sepulcro.