Cerca de dois terços da despesa do Estado são com pessoal e prestações sociais. Mas enquanto as despesas com o pessoal estão controladas, o mesmo não se passa com as prestações sociais. Basta lembrar que, desde o início do milénio, enquanto o peso dos vencimentos dos funcionários públicos caiu, o peso das prestações sociais no PIB aumentou cerca de 50%. E, como se sabe, o grosso desta despesa é com pensões. A grave crise demográfica que Portugal está a viver, com uma população cada vez mais envelhecida, garante que o problema está para durar e que exige uma resposta estrutural séria. Mesmo que hoje nos começássemos a reproduzir que nem coelhos, só daqui a 25 anos é que se faria sentir na população activa. Quando nem os refugiados fazem questão de vir para Portugal, abrir as portas à imigração não parece grande solução.

Assim, o debate sobre a reforma da Segurança Social é dos debates mais importantes que podemos ter. Fez bem Pedro Passos Coelho em trazer novamente para a ordem do dia a reforma da Segurança Social. Mas não gostei dos termos em que o fez. Ao mesmo tempo que fala em “alterar estruturalmente o modelo”, também refere dois princípios: (1) “não haverá corte de pensões a pagamento e (2) o sistema de repartição é para manter, ou seja “que a Segurança Social se deverá manter assente no princípio de que são os activos de hoje que asseguram o pagamento das pensões de hoje”.

A ideia de não se tocar nas actuais pensões é iníqua para com as actuais gerações no activo. De acordo com as regras presentes, que têm em conta toda a carreira contributiva e a longevidade média, os actuais trabalhadores já vão ter pensões de reforma muito menos generosas que os actuais reformados. E, como é óbvio, qualquer reforma séria vai reduzir ainda mais essas futuras pensões. Mas a iniquidade não pára aqui. Para manter o (actual) nível de pensões, os actuais trabalhadores terão de pagar impostos e contribuições cada vez mais elevados. Não lhes chamarão aumentos de impostos, mas sim diversificação das receitas da Segurança Social, o que porém se vai traduzir necessariamente em mais encargos sobre a actual população activa. Ou seja, os trabalhadores no activo sofrem uma tripla penalização: (1) o método corrente de cálculo das pensões já é muito menos generoso do que aquele que foi aplicado para as pensões a pagamento; (2) mudanças futuras vão torná-lo ainda pior; e (3) para manter as actuais pensões serão cobrados impostos e contribuições cada vez mais elevados. Ou seja, agrava-se a desigualdade intergeracional em que as pensões actuais são asseguradas com contribuições cada vez maiores de quem vai ter pensões cada vez menores.

Esta proposta de negociações de Passos Coelho é também incompreensível por vir do líder de um governo que, por diversas vezes, tentou cortar as pensões a eito e que, por isso mesmo, viu esses cortes serem chumbados no Tribunal Constitucional. Lendo os acórdãos, percebe-se que aqueles cortes foram chumbados por não se fundamentarem quaisquer critérios razoáveis. Por exemplo, não tinham em conta o passado contributivo de cada pensionista e não estavam inseridos numa reforma séria da Segurança Social. Eram, simplesmente, cortes cegos. Uma reforma estrutural facilmente poderia satisfazer estes requisitos do tribunal.

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De acordo com o segundo princípio, Passos Coelho aceita que o actual sistema de repartição é intocável. Ou seja, continuarão a ser as gerações no activo que pagarão as pensões dos reformados. O sistema que Passos Coelho tem em mente é um em que o valor total das pensões a pagar se ajusta automaticamente às receitas da Segurança Social. Esse sistema tem a virtude óbvia de evitar défices. Mas não é um sistema que promova a poupança.

Todos sabem que os défices externos (e a consequente dívida externa) são um dos principais problemas macroeconómicos de Portugal. O que nem todos saberão é que os défices externos são um reflexo das nossas baixas taxas de poupança. Se não nos agrada a ideia de sermos vendidos a capital estrangeiro (seja ele angolano, espanhol ou chinês), a forma de combater isso é aumentar a nossa poupança. Só assim reduziremos a nossa dependência do exterior. Um sistema de capitalização (em que cada geração desconta para a sua pensão futura) é um sistema que promove a poupança (explicarei esta ideia num futuro artigo).

Tenho perfeita consciência, todos temos, que as condições do país não permitem passar de um sistema de repartição para um de capitalização abruptamente. Deixaria de haver dinheiro para pagar as actuais pensões. É também um sistema que, por ser menos solidário, poderá causar alguns engulhos ideológicos. Mas se um sistema de capitalização puro é inexequível (e até indesejável), um sistema misto, em que muito lentamente vá dando maior peso à componente da capitalização, sê-lo-ia.

É pena que ainda antes de começar as negociações com o PS, Pedro Passos Coelho já tenha cedido em dois princípios essenciais.