Temos ouvido amplos relatos da fragilidade do novo governo da AD que se focam na instabilidade crónica de um governo minoritário. Não me parece que esta narrativa corresponda à realidade. O Partido Socialista e o Chega estão numa posição que poderá ser ainda mais difícil: terão a cada momento de escolher entre derrubar um governo popular ou sofrer as consequências do seu gradual aumento de popularidade. Se a AD não cometer erros e formar um governo respeitado que resolva os problemas dos portugueses sem tabus, com a base orçamental favorável de que dispõe, crescerá facilmente junto do eleitorado dos dois maiores partidos da oposição.

Recapitulemos algumas das principais bandeiras do programa eleitoral da AD: Baixar os impostos (em especial sobre os jovens), implementar o vale-saúde para reduzir tempos de espera, criminalizar o enriquecimento ilícito, repor o tempo de serviço dos professores e subir o CSI para 820€. A isto poderá acrescentar-se a revisão da remuneração dos polícias. Será muito difícil ao PS e ao Chega oporem-se a estas medidas, ainda para mais fazê-lo os dois simultaneamente. A popularidade das propostas significa que uma coligação negativa para as derrubar seria um fenómeno de suicídio político coletivo improvável, tornando viável para a AD cumprir grande parte do seu programa eleitoral. Ao fazê-lo, eleitores traumatizados com o governo da era da ‘troika’, compreenderão que a página da austeridade está verdadeiramente fechada para o centro-direita português.

Para que esta abordagem funcione e para que o governo consiga demonstrar o máximo possível de atividade e trabalho realizado, é necessário que adote uma postura clara de diálogo com todos os partidos do hemiciclo, sem com isso contradizer o ‘não é não’ quanto a acordos de governação com a extrema-direita. Garantir que se mantém a porta aberta para procurar a aprovação de cada medida tanto junto do Partido Socialista como do Chega garantirá que nenhum partido possa usar a desculpa de se sentir ‘humilhado’ para se vitimizar, desculpando assim a rejeição de medidas populares que de outro modo lhes custaria votos.

Mais especificamente, nos 18% do Chega reside grande parte da chave eleitoral para uma futura maioria absoluta da AD (ou AD+IL). Muitas das frustrações destes eleitores serão atenuadas com uma governação competente e proativa, a começar pelo cumprimento do programa eleitoral da AD já referido. No entanto, será também importante não recear temas que causem desconforto na bolha politíco-mediática lisboeta, como a política de imigração. Nisto, a abordagem de figuras como Moedas por cá ou Macron em França são modelos úteis. O centro-direita tem de mostrar compreender os problemas sociais que a população muitas vezes enfrenta, especialmente no Alentejo e no Algarve, e liderar sem medos uma estratégia moderada que reformule uma política de imigração muito liberal (que cria tensões até com a Comissão Europeia), criando um controlo mais sistematizado que reconheça também a real necessidade económica de integrar a mão-de-obra imigrante. Os eleitores não gostam de políticos que ignorem os seus problemas nem que vivam numa realidade paralela.

Para cumprir tudo isto de maneira competente e ampliar a sua base de apoio para além da estreita vitória que obteve, Montenegro precisa de criar um governo forte com personalidades de destaque da sociedade civil e que se afaste claramente da mentalidade ‘jobs for the boys’ que leva a muito voto de protesto. Também aqui, não acredito que a tarefa se afigure tão complicada quanto muitos vaticinam. A oportunidade de participar no primeiro governo reformista em largas décadas que dispõe de uma situação fiscal estável será por si só atrativa para muitas personalidades independentes respeitadas. Para além do mais, o claro potencial de a este governo se seguir outro com um apoio parlamentar mais robusto, em que muitos ministros se manterão, é a cereja no topo do bolo para potenciais convites. Incluindo ou não a IL, acredito que Montenegro tem uma excelente oportunidade de construir um governo repleto de personalidades respeitadas e competentes, que fomentem a confiança dos portugueses, contrastando com o seu antecessor.

A neura catastrofista de grande parte do comentariado quanto a este governo não se justifica. Com capacidade de diálogo, um executivo competente alicerçado na sociedade civil e pragmatismo face a temas sensíveis, o centro-direita tem a primeira oportunidade em décadas de ganhar a confiança dos portugueses, implementando medidas populares e eficazes, difíceis de derrubar mesmo em minoria. Se o fizer, não só o governo será de muito maior duração do que se prevê, como a AD se tornará na líder em crescendo de um novo ciclo político em Portugal, marcado pela moderação, pelo pragmatismo e pela competência.

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