Ao longo da minha infância e nas etapas iniciais de uma juventude mais madura, acostumei-me a ouvir o meu Avô falar de política. Sempre com um tom sério, mas com uma ironia refinada, o meu Avô falava de política e de outros assuntos com a simplicidade de um camponês e com o rigor de um académico, conseguindo trocar por miúdos até os assuntos mais complexos e problematizar até os temas aparentemente mais singelos. E este era apenas um dos motivos que o levava à admiração dos seus conterrâneos que, como eu, também iam ao seu encontro para o escutar e absorver a sua sabedoria e experiência e, assim, crescer no entendimento da sua própria inteligência.

Particularizando um dos eventos em que as pessoas o interrogavam, recordo distintamente que, numa conversa acesa com um dos seus amigos, mas sem nunca se quebrarem as barreiras impostas pela cordialidade e o respeito, esse seu companheiro de debate pronunciar a seguinte frase: “Tenho vergonha de Portugal!”. E o meu Avô, sorrindo, retorquiu que vergonha de Portugal não teria certamente, porque a instituição portuguesa, com mais de oitocentos anos de uma história riquíssima, não seria, por si só, motivação suficiente para tamanho asco e repúdio, mas que partilhava, em certa medida, esse mesmo aviltamento perante esses governantes que transformaram a nação portuguesa num sítio de uma profunda baixeza moral.

Ora, este sentimento é, hoje, parece-me, cada vez mais generalizado. À falta de credibilidade moral e política que reconhecíamos já a muitos desses senhores do Tejo, atribuímos-lhes agora, sem qualquer dúvida, um caráter de severa indignidade, não só porque não servem o país como juraram, como também se servem dele para interesses próprios e negociatas obscuras. Mas falta ainda enunciar o mais grave: as instituições políticas portuguesas não têm agora qualquer credibilidade a nível internacional por causa de sucessivas polémicas com governantes eleitos e não eleitos e por uma incapacidade ou falta de vontade (para não dizer que o que falta realmente é coragem) para agir e corrigir erros que estão à vista de todos. Estamos no absoluto lodo, algo que é perfeitamente visível a olho nu e desde as maiores lonjuras que possamos conceber.

Talvez percebamos agora o motivo de o meu Avô chamar sítio a Portugal, ainda que não desse um nome a esse sítio. Mas eu designo esse sítio de circo (sem querer ofender, de modo algum, as artes circenses)! E chamo-lhe circo porque se faz malabarismo com dinheiros e empresas públicas; porque quando se cai dos trapézios há uma rede que impede verdadeiramente a queda; e porque há palhaços que acreditam de verdade nas suas palhaçadas. Só é pena que o povo não tenha vontade de rir e esses palhaços queiram ser levados a sério…

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