Na década de 70 do século XX, o mundo ocidental sentiu um abalo profundo em consequência do conhecidíssimo caso Watergate, envolvendo o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, que obteve uma vitória avassaladora nas eleições que o reconduziram ao cargo. Quem conhece o caso, lembrar-se-á certamente do escândalo político gerado por toda esta situação, recordando seguramente o chorrilho de mentiras, manipulações que lhe vieram associadas, assim como das versões contraditórias da mesma história que foram contadas, mantidas e sustentadas mesmo perante a evidência de que a verdade não era a que estava a ser divulgada.

Ora, sem querer comparar os contextos e os casos concretos, porque são diferentes, não podemos deixar de estabelecer um paralelismo óbvio no modus operandi entre o caso Watergate e o chamado Galambagate, cerca de cinquenta anos mais tarde. Procuremos fazer este exercício mental de colocar lado a lado um e outro e verificar as suas semelhanças: ambos os casos surgem na sequência de vitórias esmagadoras em eleições; em ambos os casos houve, claramente, práticas muito questionáveis do ponto de vista político e moral; em ambos os casos houve o envolvimento dos serviços de inteligência; ambos os casos registaram enganos e logros que contribuem visivelmente para a decadência das instituições políticas e sociais; em ambos os casos a motivação parece a mesma: ludibriar a opinião pública para que seja possível agarrar-se a uma réstia de esperança de continuar a ostentar o poder político.

Naturalmente que Portugal, por tradição ou teimosia, tende sempre a importar os maus exemplos dos Estados Unidos (e do resto do mundo em geral). E um mal, por norma, nunca vem só, tendo igualmente introduzido, inspirando-se Hillary Clinton nos seus tempos enquanto secretária de estado, a governação por email ou, na sua versão mais recente, por WhatsApp; ou, então, a péssima organização de documentos classificados e confidenciais que circulam por computadores indevidos (ou estão apenas num único computador), sem qualquer registo num arquivo que deveria ser oficial e seguro, seguindo claramente o exemplo de uma gestão trapalhona como foi a de Donald Trump neste aspeto.

As consequências são claras: a descredibilização do poder político tende a perpassar às instituições sociais e à forma como elas são vistas em Portugal e no estrangeiro, instala-se um clima de desconfiança face à própria democracia, na medida em que a vontade do povo tem sido relegada para segundo plano, ou mesmo para último plano dentro do amplo espetro de interesses e jogos políticos, e as palavras de honra que foram utilizadas para encobrir os acontecimentos e propagar a mentira foram reduzidas a palavreado oco e sem dignidade alguma. Esperemos é que, à semelhança do que aconteceu com a administração de Bill Clinton, não se estejam também a passar coisas debaixo da mesa que apenas conheceremos mais tarde.

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