Os leitores mais sádicos reconhecerão no título do presente artigo a referência a uma famosa sátira do ensaísta irlandês Jonathan Swift (1667-1745). Apesar de também não ter pretensão de ser levado demasiado a sério neste escrito, prometo, contudo, que o que aqui me traz não são considerações sobre a fome e o canibalismo infantil, por muito que também me interesse o tema de Holodomor.

Do que se trata, então?

Inspirado pelo tão badalado episódio da “heroína” atleta americana que, recentemente e com legitimidade, decidiu desistir de uma das suas performances olímpicas por questões de saúde mental (e potencialmente motora), gostaria de trazer à consideração pública Uma Modesta Proposta:

Que seja implementado um programa nacional de saúde mental Covid-19 (para além das linhas de apoio já existentes e que têm experienciado aumentada afluência), conjuntamente com uma condigna “task force” para o efeito formada, assim se vá desmantelando a sua congénere vacinadora.

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O referido programa de saúde mental terá, em especial, duas preocupações: (1) proceder à averiguação, junto de crianças, adolescentes e demais estudantes, dos efeitos psicológicos da experiência pandémica em que foram obrigados a entrar, diagnosticando e acompanhando as situações que assim o necessitem ao longo do ano letivo que em breve se inicia; e (2) proceder ao estudo e levantamento, junto da população em geral, das sequelas da pandemia em termos de indícios de distúrbios psicológicos, em especial, para o que aqui me interessa, ao nível da hipocondria, da germofobia e da necrofobia. Estes indícios deverão ser quantificados para a população em geral, apresentando-se assim um quadro da saúde mental do país a este nível, com direito a manchetes do estilo “42% dos Portugueses revela, hoje em dia, manifestações de germofobia.”

Dada a evidente importância da saúde mental para o satisfatório desempenhar das funções e responsabilidades de um humano adulto, bem como para o desenvolvimento futuro das nossas crianças e adolescentes, parece-me evidente tratar-se de uma questão de saúde pública, após um ano de experiência pandémica e social sem precedentes, encararmos explicitamente os impactos traumáticos que certamente uma experiência como esta está a ter, e que admitamos que os impactos psicológicos da mesma poderão ser, nas presentes circunstâncias, e precisamente pelo facto de serem há tanto tempo menosprezados, tão ou mais gravosos que os que até agora têm merecido o protagonismo.

É deveras curioso como são gastos milhões de euros em rastreios Covid (ou melhor, rastreios SARS-CoV-2) de pessoas assintomáticas, mas ainda nenhum programa público foi implementado para diagnosticar os impactos psicológicos de toda esta experiência, que, até prova em contrário (evidence-based medicine?) e pelo que se sabe relativamente a outros traumas de infância, terá, nas crianças, um impacto muito mais duradouro do que o adamastor “long-Covid“.

Acredito que não tomar em consideração esta modesta proposta é mais grave que criticar ou menosprezar a referida atleta americana pela sua decisão. E que todos aqueles que viram nela um exemplo deverão também, certamente, estar dispostos a dar o seu apoio a um muito maior ênfase nos impactos psicológicos de curto, médio e longo prazo da experiência pandémica.

Admito que, num primeiro esboço desta modesta proposta, pensei incluir uma secção específica para dirigentes/decisores/especialistas envolvidos na gestão da pandemia (e talvez até também uma para jornalistas?). Achei que seria interessante perceber até que ponto os decisores/dirigentes/especialistas (e jornalistas?) revelam hoje em dia sintomas ou indícios de tais distúrbios, os quais poderiam ou deveriam ser tidos em conta na altura de perceber se tais pessoas estão em condições de se manter na sua atual posição de responsabilidade.

O problema, como em boa hora me alertaram, é que, se tal plano de saúde mental fosse implementado em relação a decisores/dirigentes/especialistas já em funções, os resultados da averiguação poderiam então potencialmente ser utilizados para desculpabilizar moral ou politicamente erros grosseiros de gestão ou aconselhamento, os quais na verdade podem ter sido cometidos na plenitude das capacidades individuais e devem ser merecedores de responsabilização. Acresce a esta razão o facto de, na minha cínica opinião, o problema da nossa classe dirigente até nem ser, provavelmente, o de hipocondria ou necrofobia, mas sim o de narcisismo, cobardia, desonestidade e soberba.

No fim do dia, em democracia e com políticos do calibre dos nossos, o que interessa é o temperamento e a clarividência do público em geral. Portanto, averiguando a saúde mental das massas, facilmente perceberemos a saúde mental das decisões.

Por fim, gostava de abordar brevemente a importância que tudo isto poderá ter para o tema da vacinação e das medidas e restrições obrigatórias, deixando claro que não me oponho a um programa de vacinação com vacinas em fase de “autorização condicional de introdução no mercado” ou “autorização para uso de emergência”, ainda que me oponha à sua obrigatoriedade quando já está vacinada a percentagem mais relevante da população de risco (se me oporia, por princípio, à obrigatoriedade, não é agora chamado para a conversa).

A questão é muito simples, colocando-a nos termos em que normalmente tem sido colocada a questão de se uma pessoa tem o direito de não se vacinar: será que um potencial (porque ainda não diagnosticado) hipocondríaco ou germofóbico tem o direito de me obrigar a ser vacinado ou a andar de máscara ou a passar gel nas mãos ou, basicamente, a deixar de viver a minha vida como anteriormente? Será que um potencial necrofóbico tem o direito de fechar idosos, sem visitas, num lar ou num hospital, só para que o inevitável não aconteça? Mais: se se realizar um programa generalizado de saúde mental e se verificar que grande parte dos Portugueses apresenta hoje indícios de hipocondria, germofobia ou necrofobia, que tipo de implicações tem isso para as políticas públicas? Vamos continuar a agir de acordo com o “consenso” político da população, quando grande parte da mesma se encontra efetivamente traumatizada com fobia a doenças, germes e morte?

Portanto, a menos que neguemos a importância da saúde mental e dos impactos da Covid na população ao nível do foro psicológico, ou que acreditemos que os nossos decisores são imunes às repercussões desses efeitos na formação da opinião pública, o rumo a tomar terá de ser o de um programa nacional de saúde mental, que diagnostique e avalie a prevalência de sintomas e distúrbios psicológicos na população, em especial ao nível de germofobia, necrofobia e hipocondria, e que ajude as crianças, adolescentes e demais estudantes, no início do novo ano letivo, a lidar com a nossa suposta tentativa de “voltar ao normal”.

A meu ver, quem achar que as razões de saúde pública lhe dão direito de exigir aos outros cidadãos que se testem, “desinfetem”, vacinem, então também não poderá opor-se a que esses cidadãos lhe exijam um diagnóstico psiquiátrico independente. Se testamos assintomáticos e vacinamos pessoas fora da idade de risco, também temos direito de exigir testes psiquiátricos a quem até hoje tem assumido uma tão impoluta superioridade moral. Negá-lo é negar a importância da saúde mental e dos impactos que o seu distúrbio pode ter na saúde pública.

O que me leva a Uma Modesta Previsão

Disse Voltaire (ou, pelo menos, dizem que disse) que “quem te consegue fazer acreditar em absurdos, consegue fazer-te cometer atrocidades”.

Por muita cantiga que me cantem sobre a vacinação não ser obrigatória e estarmos ainda num Estado de Direito democrático, continuo muito apreensivo e expectante quanto ao tratamento dos não-vacinados durante os meses que se avizinham, especialmente quando as mortes começarem a subir de novo (that’s what Winter means) e algum bode expiatório tiver de ser encontrado.

O processo de vacinação é o culminar glorioso de todo um rol de medidas implementadas sem consistência lógica ou contrafactual satisfatoriamente compreendida pelo público em geral. É o culminar de um show de absurdos, de rituais supersticiosos, que, ainda que em certa medida tenham sido justificáveis, certamente não foram compreendidos (nem impostos) com razoabilidade, bom senso e sentido crítico.

Mesmo assumindo que a doença é suficientemente grave para exigir a vacinação em massa da população, é óbvio que, numa situação em que a maioria das pessoas já se encontre vacinada, em especial as que têm maior risco de fatalidade, a população remanescente que escolheu não se vacinar é completamente inofensiva em termos dos danos incrementais que pode causar aos outros ou aos serviços de saúde. (Note-se que escrevi “incrementais”! O que temos de considerar é o que teria acontecido se os não-vacinados se vacinassem e não simplesmente assumir que, se toda a gente se vacinasse, deixaria de haver mortes e transmissões do vírus).

Ora, assim sendo, num mundo (minimamente) decente e racional, é óbvio que a minoria de não vacinados deveria, pelo menos a partir de certa percentagem de vacinações, ter acesso exatamente aos mesmos direitos que os vacinados. O problema é que… vivemos hoje num mundo de absurdos, e portanto, como avisou Voltaire, estamos a um passo de entrar num mundo de atrocidades.

Apesar da narrativa televisiva sobre os benefícios das vacinas, é óbvio que a maior parte das pessoas saudáveis vacinadas abaixo dos 40 não escolheu vacinar-se por questões de saúde ou por querer muito alcançar o orgasmo coletivo da imunidade de grupo. Vacinou-se porque quer ir de férias e aos restaurantes e aos bares sem chatices. Vacinou-se porque lhe disseram que a vacina é o preço da liberdade. E é desse absurdo que vão potencialmente nascer as atrocidades, especialmente se a sensível situação em que nos viemos meter não for compreendida.

Num Estado democrático com dirigentes e decisores de manifesta cobardia política e intelectual (até que provem agir de modo mais adequado, é esta a minha opinião) e com uma população há mais de um ano sujeita a terror psicológico e comportamental, é óbvio que o verdadeiro soberano é o temperamento das massas conformistas e medrosas, o temperamento do rebanho. E se o rebanho acha que foi vacinado para poder ter liberdade, nunca vai aceitar que as ovelhas negras não-vacinadas tenham os mesmos direitos sem passar pelo mesmo batismo covidista. E os grandes especialistas vão dizer que o aumento das mortes se deve a nem toda a gente ter tomado a vacina. E os grandes economistas vão gritar “free-riding!”, “moral hazard!” e dizer que é preciso manter as ovelhas negras de lado, porque senão, quando vier a próxima variante-papão, algumas das ovelhas hoje bonitas e branquinhas, puras, vão escolher não aparecer para a tosquia anual e juntar-se ao lado negro, por saberem que, no fim do dia, acabam por poder na mesma ir de férias e aos restaurantes e aos bares. E, portanto, é neste dilema que vamos entrar, por muito que me tentem assegurar que o rebanho é meigo e que os pastores são magnânimos.

Boa sorte às ovelhas negras, que bem precisamos.