Independentemente de nomenclaturas ou genealogias (podemos ler e estudar excelentes académicos que estudam a temática como José Guilherme Abreu, Lígia Ferro, Miguel Moore, Pedro Soares Neves ou Ricardo Campos), a Arte Urbana é hoje expressão artística e cultural com mérito e reconhecimento próprio e estes Artistas afirmam-se nacional e internacionalmente de forma relevante e notável, estando presentes nos maiores e mais importantes certames de arte mundiais, e figurando Lisboa como uma das capitais culturais mais reconhecidas desta expressão artística.

Desde a criação da GAU, em 2008, a Galeria de Arte Urbana (GAU), inserida no Departamento de Património Cultural da Direcção Municipal de Cultura, e a Estratégia de Arte Urbana desenhada e desenvolvida teve uma capacidade de implantação e afirmação artística que permitiu colocar a arte urbana num mesmo patamar de afirmação de património cultural e artístico da arquitectura, da azulejaria, da cantaria, da calçada portuguesa ou da estatuária, havendo hoje intervenções de dinâmicas artísticas cruzadas.

A estratégia tem vindo a sofrer transformações, fruto das alterações de prioridade e do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela GAU, na prossecução da sua missão, no âmbito dos objectivos desenhados para as Estratégias de Cultura da cidade de Lisboa. A missão mantém-se actual, “promoção do graffiti e street art em Lisboa, dentro de um quadro autorizado e segundo uma óptica de respeito pelos valores patrimoniais e paisagísticos, em oposição aos actos ilegais de vandalismo que agridem a cidade”.

À medida que os objetivos traçados vão sendo alcançados e que a evolução dos acontecimentos vai configurando novas realidades e desafios, torna-se necessário proceder a ajustamentos no modelo de gestão, tendo em vista a procura de novas funções e significados para a arte urbana e de outros possíveis contributos para a valorização dos espaços públicos e da oferta cultural.

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Em 2016, a primeira edição do Festival MURO LX_ deu corpo à necessidade de diversificação da oferta cultural em Lisboa, gerando núcleos descentralizados que distribuísse peças artísticas e gerasse galerias de arte pública em espaços desvalorizados e descentralizados da cidade de Lisboa, contribuindo igualmente para uma valorização do património habitacional municipal, gerido pela Gebalis, Empresa Municipal. Esta estratégia é alinhada enquanto ferramenta com a estratégia cultural da cidade, onde se alia a várias iniciativas ao longo do ano.

Falando só do MURO, as 4 edições realizadas (2016 | Carnide, 2017 | Marvila, 2019 | Lumiar e 2021 | Parque das Nações), tiveram a participação de 187 artistas, 141 peças de arte urbana (68 em edifícios municipais, o que representa 48%), a que acrescentamos 121 visitas guiadas durante o período do Festival (muitas mais ocorreram a posteriori), 67 oficinas realizadas durante o Festival. Podemos nomear Artistas como Add Fuel, AkaCorleone, Bordallo II, Borondo, D*Face, Kobra, Odeith, Pantone, Pantónio, Peeta ou Zurik (só para nomear alguns), que povoam estes territórios com grande qualidade artística e reconhecimento mundial, o que só valoriza estes bairros e territórios.

É impossível afirmar uma imposição, dado que nenhuma intervenção em edifício municipal é forçada, tendo de passar por assembleias, conversas e grupos comunitários, e consequente aprovação dos moradores, que podem recusar (o que aconteceu em Marvila), tal como qualquer proprietário privado. Promovemos visitas guiadas aos territórios com intervenções já realizadas para que os moradores possam compreender o que pode acontecer, de forma a decidirem informados, e estas intervenções são realizadas em bairros que terão os seus edifícios em requalificação.

No entanto, o MURO foi desenhado também para funcionar como ferramenta e alavanca de transformação sócio-comunitária, com iniciativas de requalificação e sustentabilidade que são importantes na transformação social e de espaço público que se pretende, como foi o caso da formação de Pares promovida para a Boutique da Cultura (Associação Cultural Local) realizar visitas guiadas no Bairro Padre Cruz (pós-Festival, e que decorriam todos os meses, com grande afluência), a requalificação do espaço público do Bairro das Salgadas e do Apeadeiro de Marvila, bem como a integração do artista local LS no circuito legal (hoje encontra-se a requalificar a Estação de Braço de Prata e a trabalhar para o Festival Rock in Rio), a requalificação de um terreno baldio entre Escola e transformação em espaço de usufruto público com equipamentos culturais e desportivos (Street Art Park Lumiar) ou a criação de campos de basquetebol no Parque Tejo, são todos exemplos da força transformadora que o Festival MURO carrega.

Para além destes números a força da arte urbana também se pode comprovar por programas específicos que desenvolvemos ao longo do ano, como é o caso do Programa de Arte Pública com a Underdogs, desenvolvido ao longo de 10 anos e que já teve a presença de 49 artistas (muitos de renome internacional), com 53 intervenções em 22 freguesias da cidade de Lisboa. Podemos também destacar a intervenção no Bairro 2 de Maio (Ajuda, 2021, Regg e Mariana Duarte Santos), onde a partir de quadros do acervo do Museu de Lisboa se discutiram e criaram murais com a população, em interpretações livres pelos Artistas escolhidos, que criaram 6 murais que representam estórias do Bairro. Ou o programa Incursões pela Arte (realizado em conjunto com o Departamento de Educação em Escolas de 1º e 2º ciclo), que já promoveu arte urbana em 8 freguesias, 18 escolas (39 turmas, 54 professores, 1207 alunos), que envolveu 10 artistas, promoveu 28 visitas guiadas

Lisboa, no seu todo, e não só nos bairros municipais é alvo e mapa da Estratégia de Arte Urbana desenvolvida, e deve ser vista e discutida com base em dados e factos, procurando o respeito pelos valores patrimoniais e paisagísticos, onde todas as expressões artísticas legais têm enquadramento.

Hoje a Arte Urbana é estratégia e catalisador, de valorização, de apropriação sócio-comunitária, geradora de sentimentos de orgulho e valorização do espaço público, identificada como Boa Prática (World Cities Cultural Forum, Rede Urbact | Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER, Agenda 21 para a Cultura | United Cities and Local Governments – UCLG), e com entradas relevantes em sites como o Lonely Planet, a Time Out, The Mayor.eu, Finantial Times, The Guardian, entre muitos outros. É também é um dos factores relevantes e distintos pelos quais muitos turistas visitam Lisboa (comprovando-o a enorme oferta de visitas guiadas promovidas).

A Cultura é um factor estratégico e estruturante tanto para a criação e preservação de identidades, como um catalisador para a mudança e progresso rumo ao futuro, num dimensão transversal e social, e a Arte Urbana é mais uma importante ferramenta para o atingir.