Prestes a celebrar os vinte anos de independência, Timor Leste elegeu o sei quinto presidente. Com transparência democrática acima de qualquer crítica. Um sucesso, portanto. E, afinal, ainda não há muito tempo, Timor ganhava a sua independência, após uma resistência heróica, apoiada, na medida do possível, pelo povo português.

Vinte de Maio de 2002. Ganhava enfim a independência um povo sofrido. Um povo que resistiu contra tudo e contra todos. Apoiado por um país europeu com relativamente pouco peso na cena internacional. Que também, contra toda a lógica, insistiu que era possível o que parecia impossível, e que só se é derrotado quando se desiste de lutar. Uma atitude quixotesca, talvez, mas que se revelou, para além de justa (que sempre o foi), exequível, contra todas as probabilidades. E a data de vinte de Maio viu-se inscrita a ouro na História. E já lá vão vinte anos.

Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Um governador militar, perante um ataque iminente, decide capitular. Afinal, o invasor mais não é que um peão manobrado por uma potência exterior. Lutar para quê?

Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Espera-se que, tal como sucedeu em situações anteriores, tudo volte a ser como antes quando uma verdadeira paz for assinada. O invasor sairá então.

Vinte de Maio de mil oitocentos e um. Olivença capitula, sem disparar um tiro. Esses  tinham terminado em 1795, quando um regimento de infantaria local terminara a sua participação numa desastrosa campanha do Rossilhão, no sul de França, em que não faltou uma traição infame (1793-1795).

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Em 1801, a população inquieta-se, mas confia. Com o tempo, tudo regressará ao normal. Afinal, muitos anos antes, em mil seiscentos e cinquenta e sete, ocorrera algo idêntico. Quase todos tinham fugido, para regressar onze anos depois. Tudo se
recompusera.

Não houve sangue em 1801. Uns poucos (os pessimistas!) atravessaram o Guadiana em Elvas, o invasor encontraria resistência, bem como em Campo Maior. Na primeira, conseguiu uns ramos de laranjeira. Na segunda, acabou por vencer, mas a que preço!!! E veio uma paz falsa e logo violada. E outras guerras. E uma paz verdadeira, em que se apagou o vinte de Maio de mil oitocentos e um. Para todos. Mas não para o invasor.

Vinte de Maio de dois mil e dois. Nasce uma nova nação. Gerada no sofrimento. Combatendo a indiferença. Com sangue, muito sangue. Vinte e sete anos depois do seu acto ilegítimo de ocupação (1975), a Indonésia viu surgir nas suas fronteiras um novo país ao qual, até então, quisera negar a liberdade, apoiada por um grande deste mundo, em nome da estabilidade do seu próprio regime. Como se se pudessem invadir vizinhos só porque o sistema político não agrada. Um princípio que recentes acontecimentos vieram recordar dolorosamene. Não há lei que tal contemple. As instâncias internacionais nunca aceitaram (mas estiveram próximo disso) a legalidade da ação.

Em vinte de Maio de dois mil e vinte e dois, recordemos esta lição. Portugal não pode esquecer o heroísmo de todo um povo, e pode orgulhar-se de o ter ajudado de forma decisiva. Portugal combateu uma situação de violação do Direito Internacional. Sem desfalecimento. Contra (quase) tudo e (quase) todos. Independentemente do peso dos adversários. Apenas porque acreditou que era justo fazê-lo. E independentemente das dificuldades que se lhe deparam, hoje, em dois mil e vinte e dois.

Vinte de Maio de dois mil e vinte e dois, em Olivença. Madrid mantém a posse da cidade. Ali, ao contrário de Timor, não houve duzentos mil mortos. Nem mil. Nem cem. Nesse aspecto, não pode haver comparações. Mas quase se matou uma cultura. Ou, pelo menos, ela ficou vazia, moribunda. Em duzentos e vinte e um  anos, muito se consegue. Recorrendo à repressão, quando necessário. Às claras, ou discretamente.

Olivença viu ser sangrada a sua cultura e a sua história. Viu gente sua dispersa, numa sangria dos seus filhos. Não morreu na carne. Morreu no espírito. O passado tornou-se um conjunto de sombras vagas, contraditórias, falsidades contra as quais quase não consegue reagir. Perdeu as referências.

Mas não todas!! A Cultura não morreu totalmente e parece ressurgir em vários aspetos. Por iniciativa de um grupo de seus naturais. Através de um grupo autóctone, o Além Guadiana, desde dois mil e oito. Que muitos órgãos de comunicação social preferem ignorar! Apesar de, desde 2014, já mais de mil oliventinos terem adquirido a nacionalidade portuguesa. Estranhos critérios.

Vinte de Maio. Uma data no calendário. Consoante o ano, o início de uma ocupação persistente, contínua, preocupada em apagar um passado de seiscentos anos, numa população que resistiu com fracos recursos e apoios. Ou o início da vida independente de um povo. Que sofreu, mas venceu. Que a diplomacia nunca abandonou. Corajosamente. Crente em princípios.

Mil oitocentos e um. Dois mil e dois.Dois mil e vinte e um, recordando. Dois vinte de Maio…