A entrevista de Cristiano Ronaldo comentada só depois de a ter ouvido. Como deve ser.

Cristiano Ronaldo é um tipo de origens muito humildes, nascido numa ilha no meio do Atlântico, português, filho de pais de classe baixa e pouco instruída.

Tinha tudo para ter uma vida sofrida, sem brilho, perdida nas opções erradas que tantos e tantos fazem, e que conduzem a percursos banais, que não têm nada de mal, mas também nada de especial.

Mas Cristiano não quis que assim fosse e conseguiu alicerçar a sua vontade determinada na mãe que, como parece, sempre lhe deu todo o apoio e suportou o sacrífico maior de deixar um filho partir para longe e ser criado por outros, neste caso um clube de futebol e a sua academia de talentos.

Para que conste, porque tudo tem nome e em Portugal há quem goste de apagar certos factos, o Sporting Clube de Portugal.

Cristiano não terá sido, com certeza, um estudante exemplar, não terá, presume-se, biblioteca, e consta até que não percebe nada de finanças (apesar de ter tido a inteligência de se rodear das pessoas competentes para tratarem desse assunto por ele).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E não foi grande aluno, porque teve o sonho, a visão, a ambição e a vontade de se tornar no melhor do mundo naquilo que é a sua maior paixão e vocação: o futebol.

Foi ele, só ele, que sonhou isso, apesar de todo o apoio e ajuda que teve, do clube que o criou, da família que lhe consolou as lágrimas da distância e da solidão.

Cristiano Ronaldo sempre trabalhou mais que os seus pares. Quando os seus colegas da Academia Sporting já dormiam, CR7 esgueirava-se furtivamente para o ginásio, para “encher”, para ganhar a estrutura muscular que, miúdo lingrinhas que era, precisaria de obter, como factor potenciador do sucesso que projetava atingir.

Cedo deu nas vistas, o seu potencial despertou as atenções dum dos nomes maiores do futebol inglês, sir Alex Ferguson, que o arrebatou do ninho de Alvalade, ainda o “passarinho” começava a voar, e o levou para o Manchester United, e a partir daí a história começou a transformar-se na lenda que hoje é.

Conta o histórico manager do United que, quando acabava os treinos, tinha o hábito de ir para o seu gabinete e aí ficava, calma e lentamente, a beber um copo de vinho tinto (português, esclareceu). Entretanto, todos os jogadores recolhiam aos balneários, tomavam banho, entravam nos seus bólides e iam para suas casas.

Alex Ferguson, bastante mais tarde, deixava as instalações do United e todos os dias se deparava com o insólito. Afinal, nem todos os jogadores tinham deixado o campo de treino. Ainda estava lá um, sozinho, a treinar pontapés à baliza, obcecado com o trabalho, com a perfeição, com o sucesso. Era, obviamente, Cristiano Ronaldo.

Foi assim, só assim, com muito mais trabalho que os outros, que o modesto madeirense, português, conseguiu atingir o Olimpo. Ele é hoje o maior jogador da história do futebol mundial, o que mais títulos obteve, o que mais recordes pulverizou. Beneficiou de uma rivalidade que ficará para sempre na história, com Lionel Messi, outro predestinado, com quem disputou taco a taco o estatuto de melhor de sempre.

Aceito todas as opiniões sobre este tema, mas para mim é inquestionável que CR7 é o maior de sempre, porque Cristiano Ronaldo é dos meus. Português, sportinguista e, sobretudo, dos que sabem que a nossa origem não pode limitar os nossos sonhos e que tudo é possível se trabalharmos, trabalharmos muito, e acreditarmos. Isso pode não ser suficiente, mas sem isso, nada feito.

Cristiano Ronaldo é, hoje, mais conhecido que o próprio País em que nasceu. É uma marca global, uma lenda galáctica, um fenómeno a que nós, portugueses, não estamos habituados, quando é um de nós a alcançar esse estatuto. E a verdade é que, sendo o futebol um fenómeno da cultura popular, nenhum outro português foi, alguma vez, tão conhecido, famoso ou reconhecido como Cristiano Ronaldo.

Sim, a carreira de Cristiano Ronaldo está a chegar ao fim. Ele sabe, todos sabemos. A idade não perdoa. Mas Cristiano acredita, sabe, que ainda não. Não é agora. Ainda tem algo para dar. Ainda quer ficar mais na história. Ainda não fechou o livro, ainda existem mais alguns capítulos para escrever.

No seu atual clube, a sua carreira estava a morrer, devagarinho. Chegaria ao fim sem brilho, sem glória. Os responsáveis do clube, começando pelo treinador, não acreditam em Cristiano. Acham que ele está acabado. Ao contrário de tanta e tanta gente, Cristiano não se conforma com isso. Não cala. Não aceita. Ele trabalhou muito, ele alcançou o que quase ninguém conseguiu. E Cristiano não tem qualquer problema em afirmá-lo. E faz muito bem.

Quantas pessoas ficam amorfas, aceitam apoucamentos e enxovalhos, submissões e humilhações, de pessoas menores, pessoas invejosas, pessoas menos competentes, mas que detêm momentaneamente o poder, e o usam para calar, silenciar, submeter, amestrar e sujeitar aqueles que são maiores que eles?

Esta é a sina da maioria das pessoas, nos seus trabalhos, nas relações de poder a que estão sujeitas.

Com Cristiano Ronaldo, não é assim.

Ele continua a sonhar. Continua a querer. Continua a trabalhar mais que os outros. Não se verga, não desiste, não se deixa apagar lentamente.

O timing da entrevista é perfeito. Como disse outra pessoa ligada ao futebol que muito aprecio, Ruben Amorim, “e se corre bem?”.

E se Cristiano Ronaldo faz um Mundial enorme? Quantos, tantos, vão ter de se calar e, mais uma vez, engolir o seu próprio e invejoso fel?

O risco, obviamente, está todo do lado de Cristiano Ronaldo. Ele também sabe isso, está muito habituado a isso. E raramente falha.

Cristiano Ronaldo é o futebolista de maior sucesso de todo o sempre nesta modalidade que tem projeção global. É português. Admiro-o e desejo-lhe o maior sucesso para este mundial.

E se, com o caneco de campeão do mundo nas mãos, quiser voltar a jogar de verde e branco e leão ao peito, já em janeiro, estarei na primeira fila para lhe dar as boas-vindas de regresso a casa.

De resto, haters will hate e não há nada a fazer. A inveja, diz-se, mata. Não desejo tal a ninguém. A Ronaldo, desejo as maiores felicidades e que, como tantas e tantas vezes, nos dê pelo menos alguns momentos de felicidade este mundial.

E, se correr mal, cá estarei, para continuar a dizer que CR7 é o futebolista de maior sucesso da história do futebol mundial.