“Atenção. Está com atenção? Por favor, esteja com atenção. Estou aqui. Se não olhar para mim vou regar-me com gasolina. E tenho um isqueiro. Mesmo. Preciso da sua visualização no meu vídeo e sou fora-da-caixa. Disruptivo. MEREÇO a sua atenção. Já lhe disse que tomo banho em notas de 50 euros numa banheira e publico tudo? Tudo. Tudo o que digo, faço, como, penso. Tudo. Até insulto a minha mãe quando me acorda. Já experimentou? É top, mano.”

Olá. Aquilo que acabei de descrever – sem a edição ou os efeitos mágicos de um programa como o Final Cut, com alguma pena minha porque poderia dar salero a este artigo – é o modus operandi típico de um youtuber em 2018. E não são só youtubers que num tom “fun”, “positivo” e “upbeat” corroem feeds e pedem a sua atenção.

Somos todos. Da rádio, que quer estar onde está o seu público, à televisão que envia uma Super Nanny instituir o cantinho da pausa em casa dos portugueses. Dos meios tradicionais à Matrizauto que “ai, ai, ai” é o melhor shopping dos carros ou até o seu melhor amigo que decidiu que todas as quartas-feiras publica poesia. Porquê? Porque pode.

Todos criamos conteúdos e todos queremos chegar até si. Uns com maior consciência, outros mastigados pela ditadura de gerir operações tradicionais (exemplo: um canal generalista de televisão) com os recursos de um canal por cabo.

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Não é a arena mais fácil. Nem o negócio mais justo. Vive de personalidades. De modas. Mas vive sobretudo daquilo que decidir consumir.

Muitos youtubers portugueses têm sido acusados nos últimos dias de poluir as mentes dos seus espectadores – na sua maioria adolescentes – com conteúdo vazio, irresponsável e convidativo à violência. Argumento que tem fundamento se fizermos uma pesquisa rápida, embora seja difícil imputar a adolescentes que fazem vídeos para adolescentes a consciência de um protagonista da rádio ou da televisão com 20 anos de carreira.

Se um vídeo com um laser a rebentar balões tem views, no vídeo seguinte é provável que se use o laser na têmpora de uma estátua para ver o que acontece. Like, Like. View, View. O que pode, em teoria, ser inofensivo. Se a estátua não estiver viva. E se não for, de preferência, do séc III a.C.

Daí a publicarmos, como no caso do youtuber norte-americano Logan Paul, um vídeo de um homem enforcado na floresta dos suicidas no Japão, vai uma longa viagem. Não que por Portugal tenhamos visto cadáveres em telejornais, certo?

Cenas dantescas geram, infelizmente, nesta lógica da rebeldia programada, muitas visualizações que preconizam inevitavelmente mais visualizações. É a lógica do shock and awe. Quanto mais te choco, mais me segues.

Com as visualizações chegam marcas. Marcas que estão interessadas em chegar a quem? Adivinhou. A si. Mesmo que, demasiadas vezes, o conteúdo degenere numa total inconsequência.

Não há então dúvida que, em 2018, “the power of celebrity”, esteja mais forte do que nunca. Embora migre também para os dedos de influenciadores com alguns milhares de seguidores – ficando talvez hoje só com eles? Duvido.

Num momento em que uma personalidade televisiva é Presidente de um país – estou a falar de Donald Trump, claro, nunca do Presidente da República portuguesa – a internet anima-se com a possibilidade de Oprah Winfrey, uma histórica apresentadora norte-americana concorrer à presidência dos Estados Unidos da América. Oprah não anunciou nada. Fez um discurso inspirador nos Golden Globes e tornou-se numa hipótese válida em segundos. Até já há merchandise – camisolas e bonés – criado por fãs mais entusiastas. A proposta: Oprah 2020.

Porque é, então, Oprah Winfrey, uma hipótese, sequer? Oprah soa sã e ponderada numa época em que as pessoas são mais aquilo que dizem do que aquilo que fazem. Tem, há décadas, a noção clara de que um discurso autêntico usado na plataforma certa pode produzir mudança.

Foi assim que em 1993 ajudou a criar a “Oprah Bill”, uma lei que instaurou uma base de dados para abusadores de menores já condenados nos EUA e fê-lo com a ajuda dos seus espectadores.

Talvez a lição a tirar de tudo isto seja esta: a responsabilidade não está apenas em quem produz os programas e soa insano. Está também do nosso lado. Escolher o que vemos, abrimos e consumimos pode inaugurar a Era de que precisamos: uma sociedade mediática que se vê, ouve e confronta.

Rui Maria Pêgo nasceu em Lisboa e tem 28 anos. Trabalha há nove anos em rádio e televisão. Em 2015 criou a série “Filho da Mãe” e este ano estreou-se em teatro com a peça “Avenida Q”. Faz parte da curadoria para 2018 dos Global Shapers de Lisboa.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.