Um Governo da esquerda unida, sustentado pelo PCP e BE, é uma novidade que pode abalar também o sindicalismo em Portugal. Na UGT, há preocupação sobre o papel que as grandes centrais sindicais vão ter no futuro depois de, durante anos, esta ter sido o principal interlocutor dos Governo e a CGTP, mais ligada ao PCP, ter ficado de fora dos grandes acordos na concertação social.

“Somos centrais sindicais, ambas defendemos os trabalhadores, mas não somos amigas. A CGTP tem uma postura no terreno que não é coincidente com a nossa“, afirma ao Observador o vice-secretário-geral da UGT, Luís Correia, que dá o exemplo da discussão sobre o aumento do salário mínimo. “Há propostas que à partida são irrealistas. Muito dificilmente introduzir um salário mínimo de 600 euros será solução para o problema porque se a medida for implementada, no dia seguinte não sabemos o que vai acontecer. Temos de ser sérios naquilo que fazemos”.

O ex-secretário-geral da UGT, João Proença, por seu lado, diz estar “preocupado” por dois motivos. “Estou preocupado sobre se se mantém ou não um clima de concertação social pois o compromisso não se faz só com sindicatos ou só com empregadores, um acordo é tripartido. Ou quer-se transformar o Conselho Económico e Social numa estrutura de caráter consultivo?”, explicou ao Observador.

Por outro lado, Proença, que se manifestou a favor de negociações do PS com o Governo de Passos/Portas em vez de se optar por uma solução de esquerda unida, receia que “um Governo com o apoio do PCP seja um governo em que a conflitualidade social possa aumentar“. O ex-secretário-geral lembra mesmo o caso do Governo de esquerda impulsionado por François Mitterrand no início dos anos 80 (que teve o apoio do PC francês que assumiu pastas governativas) que “acabou por morrer por causa das greves”.

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Segundo o socialista que apoiou António José Seguro contra António Costa nas primárias do PS, há o risco de a “CGTP ser instrumentalizada para afirmação do PCP”. “Não se afiguram tempos fáceis para o PS, para o Governo, para a UGT e para o país. As expetativas da população são grandes, vai ser difícil a gestão de expetativas”, acrescenta.

“Espero que impere o sentido de equilíbrio”, insiste, por seu turno, Pedro Roque, secretário-geral dos Trabalhadores Sociais-Democratas e ex-dirigente da UGT. “Se houver um Governo do PS apoiado na extrema-esquerda obviamente que o papel estratégico da central pode ser prejudicado a favor da CGTP”, afirma ao Observador, embora sublinhando que aquela central sindical “tem uma postura típica de sindicalismo de luta de classes” e que o aumento proposto para o salário mínimo nacional para 600 euros (a UGT propõe 535 euros) é “um aumento irrazoável com reflexos na competitividade e nos níveis de emprego”.

Ao longo dos anos, a UGT assinou vários acordos na Concertação Social, sendo que o último grande acordo tripartido foi o de 2012. Já a CGTP tem um historial mais curto, onde se assinalam um acordo nos anos 90 sobre formação profissional, outro sobre Segurança Social em 2002 e sobre o aumento do salário mínimo em 2006. “Um acordo só é possível com cedências e a CGTP só assinou acordos fáceis”, sublinha Proença.

UGT: “O empresário não é o nosso inimigo”

“Faremos o nosso caminho, com bom-senso, em parceria com os empresários”, garante Luís Correia. “As relações não dependem das pessoas, mas das instituições e tem que haver respeito e vontade de diálogo“, sublinha Proença, quando questionado sobre se o facto de o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, ter defendido publicamente um acordo entre Governo PSD/CDS com PS poderá vir a perturbar no futuro o diálogo com um primeiro-ministro chamado António Costa.

Na última sexta-feira, houve uma direção do secretariado nacional da UGT que se manifestou em peso solidário com Carlos Silva, que criticou publicamente a aproximação do partido em que milita, o PS, aos partidos de extrema-esquerda. O secretário-geral da UGT disse mesmo que era preferível um acordo entre o Governo PSD/CDS e o PS.

Esta quarta-feira, durante uma conferência sobre os 37 anos da UGT, Carlos Silva comentou que pouco importa se o próximo governo é à direita ou à esquerda quando “as políticas que vão ser implementadas” é que são a prioridade. 

“Recuso e rejeito em absoluto as acusações de sermos instrumentalizados e de compactuar com o patronato. Temos que estar sempre à mesma mesa. Não somos daqueles que atacamos o empresário ou vemos nele o inimigo“, explicou o secretário-geral da intersindical, defendendo que “a tolerância e o aprofundamento do diálogo têm que fazer novamente parte” da vida política nacional, adiantando-se a possíveis críticas pelo facto de a conferência contar com a participação de vários banqueiros.

CGTP: “Mudança não só nas palavras”

Terça-feira, no final de uma reunião com a bancada do PCP, o líder da CGTP, Arménio Carlos, declarou que a uma nova maioria deve corresponder “uma mudança de política, mas tem de ser a sério, não só nas palavras, nos atos“. O dirigente elencou o aumento do salário mínimo, o reforço da contratação coletiva e um subsídio para os desempregados que esgotam o período de subsídio.

Os trabalhadores “têm de fazer o seu trabalho, e neste caso, fazer o seu trabalho é apresentar a suas reivindicações e procurar dinamiza-las para terem força para a negociação, porque quanto mais nos mobilizarmos mais força temos para negociar”.

A CGTP anunciou, entretanto, a convocação de uma manifestação frente ao Parlamento no dia 10 de novembro, dia em que vai ser discutido o programa de Governo e votada a moção de rejeição apresentada pela oposição.