Estreou esta segunda-feira um documentário televisivo sobre a vida do anterior Rei de Espanha, Juan Carlos, chamado “Eu, Juan Carlos I, Rei de Espanha”. O filme está a causar polémica entre espanhóis. Isto porque, apesar de em França ter sido emitido esta noite, em horário nobre, não foi (nem se prevê que seja) transmitido em Espanha. Tudo porque a estação pública espanhola, RTVE, não o quis transmitir, mesmo tendo sido uma das produtoras (e financiadoras) do documentário.

As teorias sobre a posição da RTVE multiplicam-se. A posição oficial da estação, segundo o jornal El Español, é simples: “Não está prevista a emissão do documentário”. Porquê? Ninguém sabe ao certo. Mas há quem sugira que não vale a pena recordar o reinado de Juan Carlos I quando a monarquia espanhola (e o seu novo Rei, Filipe VI, filho do ex-monarca) está tão bem.

O El Español sugere mesmo que a mudança na direção da estação (que passou a ter José Antonio Sánchez e José Antonio Gundín, “da linha dura do PP”) influenciou a decisão, já que não se pretende lembrar um reinado que acabou de forma polémica (fase que o documentário não aborda tanto, preferindo centrar-se nos momentos mais felizes de Juan Carlos, ao ponto de o terem descrito como “o homem que mais fez pela Europa e pela democracia, a seguir a Churchill e De Gaulle”), quando o reinado do seu filho vai “de vento em popa”. Além do mais no documentário não há nenhum depoimento de um político do PP, apenas de socialistas.

As justificações não convencem muitos espanhóis, que se queixaram da opção da RTVE, tendo alguns optado por ver o documentário através do canal francês via Internet.

As filmagens foram feitas em maio de 2014, um mês antes de Juan Carlos I ter abdicado do trono, que viria a ser ocupado pelo seu filho. Aí, Juan Carlos I, sentado no seu escritório no Palácio de Zarzuela, é confrontado com imagens da sua vida, desde a sua infância e juventude (desde que chegou a Espanha vindo de Portugal, aos 10 anos) até ao ano de 2009.

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A relação com Franco: amizade, mas também discordâncias

No documentário, citado pelo El Español, Juan Carlos recorda a sua relação inicial com o ditador Francisco Franco, que o viria a escolher para sucessor. “[Franco] falava muito pouco; [mas] comigo, sim. Falávamos, ríamos, contávamos coisas um ao outro. Com os outros [ele] era mais fechado”, recorda. E lembrou ainda a preferência de Franco por si, em detrimento do seu pai, Juan de Borbón:

De um lado estava o meu pai, do outro [estava] Franco. E eu era como uma bola de pingue-pongue. (…) Franco entendeu que era melhor [escolher] o filho do que o pai, porque as forças de regime não o tinham aceitado

O período de transição do regime espanhol, de uma ditadura para uma democracia, também é recordado por Juan Carlos no documentário, onde não esconde a dificuldade que teve nessa transição e a oposição de Franco. “Sabia que tínhamos de fazer uma democracia, mas não sabia como a fazer“, diz, lembrando ainda as críticas que ouviu de Francisco Franco quando, no estrangeiro, falou na intenção de “democratizar” Espanha: “Alteza, há coisas que se podem dizer no exterior e que não se podem dizer no país e coisas que se podem dizer aqui e não no exterior”.

A resposta, recorda Juan Carlos, foi um gesto, que significava “Não se fale mais” no assunto. Mais tarde, em conversa com Franco, viria a perguntar-lhe: “Meu general, porque não abre um pouco a mão? E ele dizia-me: Eu não, isso terás de ser tu a fazer. Eu não posso mudar.

As grandes dificuldades com Franco vieram quando este endureceu o regime, levando aos últimos fuzilamentos franquistas. Juan Carlos I lembra esses fuzilamentos e diz que ficou muito preocupado — até por ser ele o seu herdeiro. “Preocupou-me muito o endurecimento do regime devido à imagem internacional, sendo eu próprio o herdeiro de Franco“. Na véspera da morte do ditador, este fez um pedido especial a Juan Carlos, segundo contou o ex-monarca no documentário: “Pegou-me na mão e o que me pediu foi: Alteza, preserve a unidade de Espanha. E, se pensares [bem, isso] significa muitas coisas”, atira.

Sobre o reinado, as considerações são menos expansivas, mas chega mesmo a ficar com os olhos humedecidos quando vê as imagens dos atentados feitos pela ETA, que classifica como “os piores momentos do meu [seu] reinado”. E diz que a Rainha Letícia “é muito boa mãe”, segundo o El Mundo.