Está tudo preparado ao detalhe. Por sorteio, Marine Le Pen dará inicio ao frente a frente desta quarta-feira e Emmanuel Macron terá a última palavra. O estúdio da TF1 terá como fundo uma imagem desfocada do Palácio do Eliseu, como uma espécie de miragem que só se revelará na sua plenitude no dia 7 de maio, domingo, quando França finalmente escolher se será Le Pen, a candidata da extrema-direita da Frente Nacional, anti-imigração e anti-UE; ou Macron, um liberal nos costumes, pró-europeu mas também um liberal na área da economia, demasiado próximo da alta finança para agradar a todos os franceses. A temperatura estará entre os 18 e os 20 graus, não haverá audiência em estúdio e Le Pen estará sentada à esquerda de Macron, na ponta de uma mesa com 2,5 metros.

E acaba aqui aquilo que a estação televisiva e os moderadores — Christophe Jakubyszyn da TF1 e Nathalie Saint-Cricq da France 2 — podem antever. É o único debate entre Macron e Le Pen, vai durar mais de duas horas (140 minutos) e os jornalistas têm 60 perguntas prontas divididas em 10 tópicos. Mas as picardias já começaram e ainda ninguém entrou em ringue.

Logo depois de conhecidos os resultados da primeira volta (24% para Macron e 21% para Le Pen), a campanha recomeçou e Marine Le Pen preparou uma emboscada a Emmanuel Macron aparecendo na fábrica da Whirlpool, em Aimens, onde o candidato do partido “Em Marcha!” também se encontrava. Ela foi recebida em braços, ele foi vaiado: um indicador de como Marine Le Pen é vista junto dos trabalhadores que acreditam que as suas políticas anti-Europa e anti-imigração são um caminho para o passado onde a agricultura e a indústria davam mais empregos.

Mas Macron também não se deixou ficar. Numa série de deslocações carregadas de simbolismo, o candidato de 39 anos que foi ex-ministro da Economia de François Hollande, foi a Oradour-sur-Glane, uma pequena vila que ficou completamente destruída depois de um ataque das forças de Hitler. No domingo, Macron participou numa homenagem aos judeus reunidos em Paris e deportados para os campos de concentração alemães — um episódio do qual “a França não tem culpa”, disse Le Pen e, antes dela, também o ex-presidente François Mitterrand. E, na segunda-feira, lembrou o nome de Brahim Bouarram, um marroquino assassinado por apoiantes da Frente Nacional em 1995. Há quem diga que uma das estratégias de Macron passa por “re-demonizar” o partido de Marine Le Pen, que tentou limpar um pouco da sua imagem afastando-se das posições racistas e antissemitas do seu fundador, Jean-Marie Le Pen, pai de Marine.

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Hoje, nos cartazes da Frente Nacional, a candidata apenas aparece identificada como “Marine” ou “Marine à presidência!” (sem qualquer referência ao apelido “Le Pen”) e do próprio nome do partido resta apenas, normalmente no canto inferir direito, a sigla “FN” com uma pequena chama com as cores de França por trás.

Na terça-feira, Macron encontrou-se com Daniel Cordier, um dos 11 sobreviventes da Resistência Francesa, que, até agora, nunca tinha apoiado nenhum candidato. Aos 96 anos, Cordier decidiu pronunciar-se contra Marine Le Pen. “É monstruoso pensar que Le Pen tem chances de chegar a Presidente. Na vida política, ela representa a negação de tudo aquilo pelo que lutámos”, disse Cordier.

Macron encontrou o seu lado mais agressivo e Marine Le Pen está no seu registo oficial: combativa sempre, “do lado do povo”, contra a alta finança — já que Jean-Luc Mélenchon, comunista, teve uma votação tão inesperadamente elevada, perto dos 20%,, a ideia é apelar à fação “anti-sistema” que votou nele na primeira volta.

As questões da Europa e da imigração deverão ser os focos centrais do debate, com Marine Le Pen a prometer que “os franceses terão francos em vez de euros nos seus bolsos daqui a dois anos” e Macron a defender a reforma da União Europeia. Ainda assim, Marine Le Pen tem limado o seu discurso nos últimos dias, dizendo que nenhum estrangeiro que esteja legalmente no país tem nada a temer numa presidência sua. Macron, por seu lado, esticou a corda nas críticas à UE. “Eu sou pró-europeu e sempre defendi a ideia de Europa e as políticas europeias porque acredito que é extremamente importante estarmos na Europa nesta era de globalização, mas é preciso enfrentar a situação, ouvir os cidadãos, ouvi-los também na sua raiva e impaciência perante a disfuncionalidade da Europa, que já não sustentável por mais tempo. Não vou ter a atitude do ‘continua tudo igual’ porque no dia a seguir teríamos de novo a Frente Nacional e um Frexit”, disse Macron à cadeia televisiva britânica BBC.

É na economia que Le Pen pode enfrentar mais dificuldades, uma vez que Macron trabalhou na área do investimento financeiro e já apresentou um plano para criar mais empregos, mais educação para os que estão desempregados há muito tempo ou têm menos qualificações e para revitalizar o tecido industrial. A defesa de Le Pen será atacá-lo por não estar ao lado dos que mais precisam e sim colado ao sistema capitalista.

As diferenças entre Macron e Le Pen em seis pontos

Numa entrevista à agência Reuters, Marine Le Pen disse que uma nova moeda ajudaria a França e as poupanças dos franceses, mas recusou-se a negar que poderia vir a impor controlos se muita gente decidisse retirar todo o seu dinheiro dos bancos antes de a França voltar ao franco.

Entretanto, Le Pen concordou em fazer do gaullista Nicolas Dupont-Aignan, que é contra o euro e contra a UE, o seu primeiro-ministro caso vença as eleições. Mas Florian Philippot, vice-presidente da Frente Nacional, disse que “é possível fazer muita coisa sem sair do euro” — no mesmo dia, Le Pen disse ao jornal Le Parisien que “o euro está morto”.

Nos últimos dias, Marine Le Pen tem feito tudo o que pode para chamar a atenção do povo francês para o passado “banqueiro” de Macron. “O adversário dos franceses é o mundo da finança. Desta vez ele tem um nome, um rosto e um partido, ele é candidato e toda a gente parece sonhar com ele. O seu nome é Emmanuel Macron”, disse Le Pen numa conferência de imprensa onde falou ao lado de Dupont-Aignan. “Macron é Hollande junior”, disse o putativo primeiro-ministro francês, dizendo ainda que a decisão deste domingo seria “entre França… e finança”.