O novo líder da Distrital de Lisboa do PSD, Pedro Pinto, que foi eleito no dia 1 de julho, diz ao Observador que vai “formar um grupo para pensar como se pode melhorar a democracia interna no partido e levar à participação de cidadãos”, que pode até resultar em propostas de alterações aos estatutos do partido. O deputado e dirigente do PSD — que chegou a ser líder da Juventude Social Democrata nos anos 1980 –, afirma ter como objetivo que “o partido não se torne num partido de votantes, mas sim de militantes”. Na base desta decisão está a investigação do Observador publicada esta quinta-feira, onde se mostram imagens de carrinhas a transportar militantes para a votação que decorreu no Hotel Sana, em Lisboa, para os órgãos distritais do partido. Pedro Passos Coelho não quis comentar as notícias.

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Pedro Pinto diz que “já tinha equacionado” fazer uma reflexão deste tipo, por entender que há que repensar “a forma de participação interna na vida dos partidos”.

É preciso fazer qualquer coisa independentemente deste fenómeno. Tem de surgir alguma coisa nova”.

O fenómeno a que se refere o deputado tem a ver com a dependência que os dirigentes têm dos sindicatos de votos que são controlados por caciques locais. A reportagem do Observador identificou carrinhas a transportar militantes ao serviço de uma fação do PSD/Lisboa liderada por Rodrigo Gonçalves, que é presidente interino da concelhia e que controla o maior “saco de votos” do PSD na capital. A reportagem, no entanto, identifica também apoiantes de Pedro Pinto que estavam à porta do local onde se realizavam as votações a mobilizar votantes — com listas na mão — e a fazer, também, alguns transportes de filiados.

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Apesar de serem práticas duvidosas em democracia, levar pessoas a votar ou mobilizar militantes não constitui qualquer infração estatutária. “Acho é que temos é de desencadear mecanismos, temos de arranjar um processo qualquer” para promover a participação, diz o novo líder da distrital: “Se as pessoas aparecem para votar, porque é que não aparecem nos outros momentos?”, questiona Pedro Pinto. “A equipa terá de ser formada e apresentar propostas. Se for preciso revisões estatutárias faremos propostas nesse sentido por ser evidente que estas situações têm de ser alteradas”, acrescentou o recém-eleito líder distrital

Os adversários de Pedro Pinto e membros da Lista L para os delegados de Lisboa à Assembleia Distrital — patrocinada por Rodrigo Gonçalves e encabeçada por Nuno Morais Sarmento — entregaram dois pedidos de impugnação à Conselho de Jurisdição Nacional contra o candidato a líder. Porque Pedro Pinto não constava dos cadernos eleitorais por, alegadamente, não ter pago as quotas a tempo. O segundo processo tem a ver com alegadas irregularidades na constituição de listas.

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Ex-ministro Poiares Maduro defende primárias, mas alargadas

Miguel Poiares Maduro, antigo ministro adjunto de Pedro Passos Coelho, defende que se deve discutir a hipótese de eleições primárias para as lideranças do PSD, mas em moldes diferentes das que ocorreram no PS. O professor no Instituto Europeu de Florença pensa que um sistema fechado, como o dos socialistas, em que os simpatizantes se inscrevem para votar no partido, reproduz as mesmas lógicas de aparelho das diretas e que não mobiliza todo o potencial de participantes: “O PS não evitou o risco do controlo do voto”, diz ao Observador.

“Temos de pensar se as primárias deveriam estar previstas na lei eleitoral, para permitirem o uso do sistema eleitoral do Estado, que permite primárias verdadeiramente abertas”, defende Poiares Maduro. Seria um sistema que obrigaria ao envolvimento da Comissão Nacional de Eleições e retirava o monopólio do processo das mãos dos partidos que aderissem a este sistema.

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Para Poiares Maduro, notícias como estas minam a confiança dos cidadãos nos políticos se nada for feito. “Tem de se pensar essas questões com mais seriedade. Espero que o meu partido tire lições disto”, diz o ex-ministro sobre o resultado da reportagem do Observador.

Se não tirarem as lições certas, as pessoas vão tirar lições erradas e tirar as suas ilações sobre os partidos e a democracia. Vão perder ainda mais a confiança. Mas a culpa será dos partidos e não dos jornalistas que apenas nos fazem ver o que sucede”.

O antigo ministro espera que estas investigações desencadeiem “algo mais profundo e que não coloque em causa os partidos”. E propõe que a mexer no sistema, se pense numa reforma mais ampla do sistema político. O PSD tem uma proposta sobre o voto preferencial, que o académico considera “ter vantagens, mas que no sul de Itália servia para as máfias controlarem o voto dos eleitores”. Para se fazer alguma alteração “temos de pensar tudo”, comenta com o Observador.

Como os caciques foram denunciados

Tudo começou distrital do PSD de Lisboa foi a votos no dia 1 de julho, numa votação decisiva para Rodrigo Gonçalves. Foi a oportunidade de um dos maiores caciques do PSD em Lisboa fazer uma prova de força, promovendo uma lista (não para a distrital, onde Pedro Pinto foi candidato único) mas de delegados de Lisboa à Assembleia Distrital, encabeçada por Nuno Morais Sarmento, com Manuela Ferreira Leite como primeira subscritora. E ganhou. A lista para os delegados afeta a Pedro Pinto — candidato único a presidente da distrital, apoiante de Pedro Passos Coelho — foi derrotada pela Lista L de Gonçalves e Sarmento: teve apenas 597 votos e a concorrente conseguiu 801.

Além disso, na eleição para a liderança do PSD no distrito, a mesma fação liderada por Gonçalves conseguiu também que houvesse mais votos brancos e nulos do que em Pedro Pinto nas mesas de voto no concelho de Lisboa. Tudo isto exigiu uma grande mobilização de militantes.

Rodrigo Gonçalves é o líder da fação que representa a oposição interna a Pedro Passos Coelho e está em guerra com a distrital, sobretudo depois de o seu pai, Daniel Gonçalves, ter sido o único dos cinco presidentes de junta do PSD em Lisboa a ser impedido de se recandidatar — na sequência de um artigo do Observador que explicava o poder da família, o seu envolvimento em processos judiciais e agressões, e as adjudicações a empresas de militantes do PSD nas juntas de São Domingos de Benfica e das Avenidas Novas.

A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa

Em 2016, o grupo de Rodrigo Gonçalves tinha conseguido 726 votos para delegados ao congresso do PSD. Agora, conseguiu mais: 801. O PSD tem 3.588 militantes no concelho de Lisboa com quotas pagas. A 1 de julho, apenas 1.442 foram votar, o que represneta menos de metade (40,1%).

Para mostrar como funciona a mobilização artificial de militantes nas eleições internas partidárias, e a forma como decorreu a votação de 1 de julho, o Observador usou três câmaras. Uma filmou em permanência a entrada da frente do Hotel Sana, perto do Marquês de Pombal, onde funcionam as mesas de voto do PSD no concelho de Lisboa. Outra focou a entrada das traseiras. Uma terceira câmara captou o que ia acontecendo nos corredores do hotel e na sala de votações. Ao longo de horas, ficou registado como diferentes automóveis levavam militantes a votar em viagens sucessivas, como os caciques controlavam quem ia votar e como isto era feito à vista de toda a gente.

https://observador.pt/videos/www-observador-ptpordentro/bastidores-a-grande-investigacao-aos-caciques-do-psdlisboa/

Os notáveis do PSD que estavam na lista apoiada pela família Gonçalves, desvalorizaram o assunto. Sobre o facto de aparecer ao lado de um dirigente com a reputação de Rodrigo Gonçalves, Morais Sarmento disse ao Observador que Gonçalves é “uma criação de Passos Coelho e companhia” e esteve ao lado de Miguel Pinto Luz e de Carlos Carreiras nos últimos anos, até passar para o outro lado da barricada. “Há dois anos, quando me candidatei a presidente da Assembleia Distrital, Passos Coelho, Carlos Carreiras e Pinto Luz estavam muito contentes sentados em cima dos votos do tal Rodrigo. Foi assim que começou. Agora estão a provar do veneno que produziram”, diz Nuno Morais Sarmento ao Observador.

Morais Sarmento contou ainda ter conhecido Rodrigo Gonçalves na sequência das tentativas recentes de o convencerem a candidatar-se à Câmara de Lisboa. Acha que haver eleições para a distrital contra as recomendações do Conselho Nacional, sem que possa haver eleições para a concelhia — para dificultar o caminho a Gonçalves –, “não é sério, é desnecessário e é um disparate”. O ex-ministro diz que toda a vida foi “anti-aparelho” e que fez “um percurso solitário para não estar dependente nem alinhado com nenhum cabo de armas do partido” e recorda que esteve num congresso sozinho contra as eleições diretas por entender que potenciavam este tipo de práticas.

Também Manuela Ferreira Leite foi parca em palavras sobre o assunto. “Coisa em que não me meto neste momento é na máquina do partido. Não falo sobre isso de forma nenhuma. O meu apoio ou subscrição da lista tem a ver exclusivamente, com o dr. Morais Sarmento. Estou completamente à parte dessas matérias, que não desconheço que fazem parte das máquinas do partido. Mas não há ninguém metido nos aparelhos que não seja assim”, afirmou ao Observador.