Os vencedores do Prémio António Champalimaud de Visão de 2017, o maior prémio do mundo atribuído por uma instituição portuguesa na área da visão, já foram revelados: são a Sightsavers e a CBM, duas organizações que lutam há décadas contra a cegueira e os preconceitos relacionados. Ao Observador, ambas dizem-se “muito honradas” com a distinção que vale ainda um prémio de um milhão de euros. E explicaram-nos como têm atuado em alguns dos países mais pobres e mais conflituosos do mundo.

Há 11 anos que a Fundação Champalimaud reúne cientistas internacionais e figuras públicas envolvidas em projetos humanitários para galardoar quem mais luta contra os problemas na área da visão que se vivem nos países em vias de desenvolvimento. Este ano o prémio foi entregue a duas instituições que combatem há décadas as causas mais comuns dos problemas de cegueira em países como Nepal, Moçambique, Uganda, Etiópia ou Bangladesh. É que tanto a Sightsavers como a CBS combatem os estigmas relacionados com a cegueira nos países em vias de desenvolvimento e já permitiram que milhões de pessoas ficassem mais integradas na sociedade em que vivem.

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O júri do Prémio é composto por Alfred Sommer (oftamologista e epidemologista), Paul Sieving (diretor do Instituto Nacional do Olho, nos Estados Unidos), Jacques Delors (antigo presidente da Comissão Europeia, um dos criadores da União Europeia e autor do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI), Amartya Sen (escritor e economista, autor de muitas obras sobre a pobreza), Carla Shatz (neurocientista), Joshua Sane (investigador na área da biologia celular e molecular), Mark Bear (neurocientista), Gullapalli Rao (oftamologista), José Cunha-Vaz (professor catedrático, oftamologista e presidente da Associação para Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem), António Guterres (Secretário-Geral das Organização das Nações Unidas) e Susumu Tonegawa (Nobel da Medicina em 1987).

Aliar tratamento clínico e inclusão social

Com seis décadas de vida, a Sightsavers é uma instituição de solidariedade do Reino Unido que procura evitar a cegueira, restaurar a visão e defender a inclusão social e igualdade de direitos das pessoas com deficiências visuais em mais de 30 países em desenvolvimento. Em entrevista ao Observador, Izidine Hassane, diretor da instituição em Moçambique, explicou que essa missão é cumprida graças a parcerias com os ministérios de saúde e com marcas médicas presentes nos países onde estão: “Fazemos tudo dentro do modelo que os governos têm delineado para os cuidados de saúde dos países e adaptamos os nosso planos às especificidades políticas. Isso leva-nos ao nosso objetivo de fortalecer o sistema de saúde de forma permanente“, explica ao Observador. Apesar dos 67 anos de vida, a Sightsavers continua a enfrentar problemas, admite Izidine Hassane: “O nosso maior problema é a escassez de recursos, como dinheiro, infraestruturas, pessoal médico e medicamentos”, enumera. Para ultrapassar estes obstáculos, a Sightsavers procura promover os seus serviços e assim conquistar donativos de outras instituições.

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Além dos cuidados médicos que tem providenciado às populações mais pobres do mundo, a Sightsavers também trabalha para a inclusão social das pessoas com deficiência. “Em alguns países, as famílias têm vergonha de ter um familiar deficiente e mantêm-no escondido. Noutros, eles são considerados inválidos e são marginalizados”, conta o responsável da entidade em Moçambique. Por isso, além de combater e eliminar doenças ou apoiar cirurgias nos casos mais urgentes, a Sightsavers organiza formações, utiliza a comunicação social, prepara campanhas de sensibilização e até peças de teatro para “mudar os comportamentos” nos países onde os deficientes são mais estigmatizados.

É graças a estas práticas que a Sightsavers se orgulha de ter realizado mais de 500 milhões de cirurgias — 6,6 milhões na área das cataratas — só desde 2016. Conseguiu ainda fazer o maior mapeamento conhecido do tracoma, uma doença tropical, em 29 países durante três anos. Mais: através da campanha “Juntando os Pontos”, conseguiu que 75% dos 400 mil deficientes formados por profissionais da Sightsavers fossem incluídos no mercado de trabalho.

Também a CBM, uma organização de desenvolvimento internacional cristão, está empenhada em melhorar a qualidade de pessoas deficientes nas comunidades mais pobres do mundo. Em 100 anos de experiência, a CBM já ajudou mais de 28 milhões de pessoas deficientes a terem uma participação mais ativa e inclusiva na vida social dos países onde vivem. Conseguiram-no trabalhando com parceiros locais que lhes ajudam a detetar problemas de visão nas populações de países mais pobres, tratando os mais leves e encaminhando os casos mais graves para hospitais.

Chegar a 39 milhões de pessoas cegas no mundo

Ao Observador, Babar Qureshi, diretor internacional para a saúde ocular inclusiva da instituição, a pobreza é “causa e consequência” da deficiência nos 59 países em vias de desenvolvimento em que a CBM trabalha, sempre em parceria com organizações da sociedade civil locais e nacionais. As pessoas mais pobres são quem mais dificuldade tem em aceder aos cuidados de saúde, que são demasiado caros. Também são elas quem menos sabem sobre como prevenir, detetar ou tratar os problemas de visão. “O que nós fazemos é tornar o sistema de saúde mais acessível para as pessoas mais pobres e marginalizadas. Depois, nos casos que já não têm cura, tentamos reabilitá-los na sociedade tornando-a mais inclusiva”, explica Babar Qureshi. Essa é uma longa caminhada, “principalmente nos países em conflito: de vez em quando temos de retirar-nos ou ser mais cuidadosos”, conta ao Observador. Ainda assim, em apenas um ano, a CBM ajudou mais de oito milhões de pessoas.

Com um milhão de euros nas mãos, o maior valor monetário do mundo a ser entregue como prémio a instituições desta natureza, os planos para este dinheiro já estão delineados. A Sightsavers pretende investir o dinheiro nas atividades que já tem em curso, nomeadamente nos cuidados de saúde que fornece e nos estudos científicos em que participa. A CBM quer usar o prémio para “chegar a mais pessoas e tornar o sistema de saúde mais forte“, conta ao Observador. É um passo em frente num mundo onde existem 39 milhões de pessoas cegas no mundo, 80% das quais podiam ser curadas ou cujos problemas podiam ter sido evitados.