Os episódios à volta da Caixa Geral de Depósitos estão cheios de ironias. Uma das mais saborosas diz respeito ao novo Presidente executivo, Paulo Macedo. As esquerdas passam a vida a acusar o governo do PSD e do CDS de ter tentado destruir a Caixa, mas pediram a um antigo ministro desse governo que a salvasse. E logo o ministro que foi tantas vezes atacado por estar a destruir o SNS. Agora terá que proteger a Caixa das asneiras e das mentiras da geringonça.

Mas a minha ironia preferida é ver o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista abandonarem os princípios que sempre defenderam. Para quem estava sempre a apelar à transparência, agora a investigação sobre os créditos da Caixa tornou-se um tema incómodo, sobretudo os empréstimos durante os governos de Sócrates. Os campeões do papel central da Assembleia da República, olham agora para o escrutínio parlamentar sobre as nomeações de gestores públicos como um assunto irrelevante. Quem sempre defendeu a nacionalização da banca, aceita agora o financiamento privado da Caixa, pelos malditos mercados.

Não nos podemos esquecer que o BE e o PCP estão pela primeira vez no poder, e estão a mostrar ao país a sua verdadeira natureza. Os dois partidos são compostos por verdadeiros profissionais da política. Se for necessário, sacrificam tudo no altar do poder. Mas o episódio Caixa está a testar o profissionalismo dos camaradas. A linguagem corporal da gémea Mortágua e de Louçã, nas suas aparições furiosas na televisão, mostrou tudo. O embaraço é visível, daí o tom de irritação quando discutem a Caixa. Do lado do PCP, o normalmente ponderado João Ferreira garantiu em directo aos portugueses que o seu partido nunca pede a demissão de ministros. Foi embaraçoso assistir ao tamanho da sua mentira, que só poderá ser explicada pela contradição entre o poder e o discurso. Tal como na guerra, a verdade foi a primeira vítima da geringonça. E a mentira tornou-se o método para esconder as contradições entre os três partidos.

Foram essas contradições que em grande medida explicam o modo como a equipa de António Domingues foi contratada. O governo sabia que o BE e o PCP nunca aceitariam as condições acordadas com Domingues, como aliás se viu. Por isso tentou manter tudo em segredo. Quando foi apanhado, fez a única coisa possível: deixou cair Domingues. Toda a gente sabe que Centeno e António Costa aceitaram as condições de Domingues e todos sabem que eles mentiram. A única dúvida é saber se se encontram as provas da mentira.

Também já se percebeu, se forem encontradas as provas da mentira, que a próxima vítima será Centeno. Um governo que elevou a mentira a método de trabalho precisa de vítimas para proteger o PM. Mas, a acontecer, a demissão de Centeno seria de certo modo injusta. O problema não é o ministro das Finanças e a sua demissão não resolve nada. O problema é mais profundo. Entre os compromissos com a União Europeia e os acordos com o PCP e o BE, o governo precisa de esquemas, de secretismo, de mentiras. Em suma, aquilo a que muitos chamam a “habilidade de António Costa”. Se Centeno sair, nada muda. Pelo contrário, as coisas até podem piorar. Desde logo, duvido que o PM consiga arranjar alguém mais competente do que Centeno.

Há outra questão igualmente relevante. O acordo feito com Domingues mostra a enorme dificuldade da Caixa para competir com bancos privados, o que se tornou ainda mais difícil com a União Bancária. Chegamos assim à ironia final. O governo PSD e do CDS tratou a Caixa de acordo com as ideias da esquerda, recapitalizando-a inteiramente com dinheiro público e nomeando uma administração de acordo com o estatuto dos gestores públicos. Este governo aceitou recapitalizar a Caixa cumprindo as regras e o famoso teste dos mercados e contratando uma equipa de gestão no sector privado. Se um governo de direita o tivesse feito, as esquerdas protestariam com violência. Mas já todos percebemos que para estarem no poder, as esquerdas não vacilam em recorrer a medidas normais para um governo de direita. Por isso, mentem e enganam. Quando são apanhados, arranjam vítimas que abandonam de um modo implacável. Têm a boca cheia de ideologia. Mas são profissionais da política.

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