Não é a primeira nem será última vez que me referirei à crise da representação político-partidária, nomeadamente a propósito da Espanha, onde foi publicado há 20 anos um excelente livro sobre a questão, da qual também me ocupei a propósito de Portugal com abundantes dados quantitativos.

Do que se trata então? Decididamente, de um desfasamento crescente – mais nuns países do que noutros – entre a procura e a oferta de representação política. O sinal mais evidente desse desajustamento crescente é a abstenção eleitoral, em que Portugal apresenta dos piores indicadores: por exemplo, nas últimas eleições realizadas entre nós, o actual presidente da República foi eleito por cerca de 2,4 milhões de eleitores, isto é, cerca de um quarto dos inscritos… Tanto ou mais importante do que isso, é a baixa avaliação genérica que o eleitorado faz dos partidos políticos e, sobretudo, da sua actuação efectiva.

Em países onde os mecanismos constitucionais de representação não são alterados há muitas décadas, apesar da mudança de sociedades como Espanha e Portugal, o desfasamento é enorme e dá, em termos de desempenho no poder, resultados que se medem pela generalizada falta de confiança dos eleitores nos seus pretensos representantes. Ora bem, aqui mesmo ao lado, neste momento, a opinião pública esboça um protesto pouco frequente contra a realização de novas eleições com o pretexto de que elas se arriscam a repetir os resultados das anteriores. Com efeito, as eleições de Dezembro do ano passado não desembocaram em qualquer maioria de governo dada a fragmentação partidária. A Espanha passara, entretanto, do bipartidarismo a uma situação de coalizões indispensáveis para governar, as quais não se concretizaram devido aos egoísmos partidários e, sobretudo, ao carácter agónico que a vida política assumiu na Europa do Sul e noutras regiões, desde a grande recessão em curso desde 2008.

A Grécia deu o pontapé de saída para o agravamento da crise da representação quando o Syriza se aproveitou de um sistema eleitoral aberrante que dá 50 eleitos de borla ao partido mais votado. A crise atinge até regimes presidenciais como o do Brasil mas manifesta-se, também, através da aparição de candidatos de fora do sistema, como Trump e o socialista Sanders, nuns USA cansados de oligarquias partidárias que acabarão por eleger Hillary Clinton, queixando-se depois que o poder já não é o que era… Pois não!

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Mais do que uma luta agónica entre Direitas e Esquerdas históricas, trata-se da pulverização de eleitorados – étnicos, corporativos, geracionais, etc. – fartos da oferta partidária convencional. O Podemos em Espanha pretende aliás rejeitar a marca de «esquerda» que o PSOE quer atribuir­-lhe unicamente para justificar que a questão catalã impeça o centralismo socialista de se aliar com movimentos informes e de duvidosa proveniência como o dito Podemos…

Se alguém se preocupasse minimamente, não tanto em fazer, mas sim em perceber o que pretende um eleitorado pulverizado e desidentificado com os partidos, o mais significativo indicador das sondagens é, talvez, a resposta à pergunta das sondagens: «Quem tem mais responsabilidade na repetição das eleições?». Ora, se é lícito tentar adivinhar a intenção de voto de quem pretendia que os partidos se tivessem entendido, então a chamada «direita» é muito menos responsabilizada pela repetição das eleições (29% do eleitorado) do que o PSOE (35%) e o Podemos (36%), que incarnam as «esquerdas» como as nossas…

Ora, sendo a coalizão PP+Ciudadanos a menos rejeitada pelos eleitores, a ciência política sabe há muito tempo que isso é uma das melhores alavancas para vir a ganhar. Em todo o caso, é por esse motivo que Cavaco Silva devia ter segurado o governo PSD+CDS em gestão, como aconteceu com o PP, até haver um novo presidente com coragem para marcar novas eleições. Estou convencido que, na altura, a maioria da população, sem ser fanaticamente a favor, também nada de especial tinha contra.

Como cá, em Espanha o partido que fez frente à recessão continua a ser o primeiro nas sondagens e beneficiará de um sistema eleitoral bastante mais favorável do que o português em termos de deputados eleitos pelos partidos mais votados. Se Rajoy tivesse renunciado, como devia ter feito, à liderança do PP perante as fortíssimas acusações de corrupção do partido, é bem possível que o partido ganhasse com maior vantagem, já que a economia espanhola é actualmente das que melhor se comporta na UE, desde logo em comparação com o pífio desempenho nosso PS+BE+PCP.

Em suma, os candidatos das oligarquias – desde a Espanha e Portugal até ao Brasil e aos EUA – comparecem hoje na cena eleitoral ao abrigo de discursos rotinizados, para não dizer totalmente ultrapassados, que nos impedem de ver que, na maioria dos casos, as pretensas esquerdas são a coisa mais conservadora que há e que os chamados conservadores são aqueles que, melhor ou pior, logram entender a premente necessidade de mudança e, porventura, de modernização perante uma globalização que definitivamente ninguém controla.