1. O assombroso hotel Ritz, ex-libris quase mítico de Paris, foi para obras. Em mais de cem anos já deve ter tido outras intervenções, mas estas últimas dispensaram cerca de dez mil variadíssimas peças decorativas que irão para leilão em Abril. Uma pena, mas ainda bem que há leilões e não é apenas por concederem o dom de outra vida aos objectos, é também por certificarem a sua irrelevância ou ausência de qualidade minima. Lembrei-me do PSD ao ler a notícia. Sendo evidentemente desnecessário dizer que ele não é irrelevante, não era má ideia que parte fosse leiloada (há compradores para tudo), pois resolveria alguns magnos problemas.

Se algumas das peças de que o partido é feito têm, já se sabe,  alto valor – convivendo embora com tralha antiga ou sem qualidade, mas isso são os partidos –, parte do lote entrado no último fim de semana simplesmente presta pouco e atrapalha muito. Não presta publicamente, isto é, o país sabe-o. A surpresa, o espanto desagradado — nalguns casos, irado — de vários elementos do núcleo duro de Rui Rio ao saberem de algumas das “peças” escolhidas é disso a mais desencorajadora das provas para quem inicia um “novo ciclo”.  De modo que talvez um leilão abrigasse tais peças para que nos livrássemos delas: ao estarem em relevo na mais importante estrutura de decisão política do maior partido da oposição, estão automaticamente inscritas na vida pública do próprio país. Uma vergonha. Ou deveria dizer um insulto?

E como querem que “se” fale de outra coisa se esta acende tantos sinais vermelhos?

2. Rui Rio habituou-nos a um certo tom de exigência quase reivindicativo quando se tratava da Justiça. O que me permite perguntar hoje: estava ele a brincar — estou a ser delicada — quando nos falava de ética e dos problemas que afligiam a nossa Justiça, ou está a brincar agora com a transformação de Elina Fraga em sua colaboradora próxima e dilecta?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O teor do discurso de Luis Montenegro e o alarido que suscitou são um chapeuzinho de chuva de chocolate ao pé da gravidade disto: há uma dupla na nova direcção politica do PSD — Elina/Malheiro — a contas com a própria Justiça. Não é dizer pouco e, no caso, calha que é sinalizar muito, tamanha a (inexplicável) contradição. Insisto: o novo líder social democrata concorda, aplaude, recomenda, as ideias, o modelo, a atitude agressivo-populista de Elina Fraga no que toca ao seu entendimento sobre o funcionamento da Justiça portuguesa? Rui Rio que sempre denunciou, temeu e atacou a justicialização da política – evocando-a aliás uma vez mais no Congresso – não se incomoda que a ex-bastonária seja uma óptima intérprete e praticante disso mesmo, com os duvidosos gestos e desastradas opções que já lhe conhecemos (e sem que nada indique que não se repetirão)?

Por este andar o PSD desaguará nas mais obscuras águas da Justiça ou alguém se espantaria que o Presidente do partido, agora aconselhado pela sua dilecta conselheira, lhe desse, também ele, para advogar a não recondução da actual procuradora-geral da República? Onde estão os interesses do país?

3. Escolher mal é mau sinal e em política é péssimo. Face ao que aí ficou, não se pode fazer de conta. A escolha de Fernando Negrão para a liderança parlamentar, pelas reacções de consternação e desagrado que, embora em surdina, suscitaram em alguns deputados afectos ao próprio Rui Rio (!), num atabalhoado e precipitado processo político, permite todas as dúvidas e foi um duplo erro: nem Negrão será afinal respeitado como o mais dotado politicamenta para ir ao leme da embarcação, como sobretudo a ausência de Rio das bancadas do Parlamento ampliará ao máximo a importância do palco parlamentar na caminhada do PSD (e conhecemos de cor a saga infeliz dos líderes ausentes dos parlamentos). Mais valia terem lá deixado o rapaz Soares: conhecia a casa, descodificava a bancada com segurança, tinha verve (na qual, é verdade, se teria apostado com dificuldade, mas a politica é fértil em surpresas).

4. E o resto? O resto não pode ser desligado do que acima escrevi, as coisas são o que são, mesmo retendo o empenhado esforço de Santana e de Rio na produção de um “clima de unidade”: a) ficou no ar a sensação de alguma descaracterização; b) a Comissão Politica  não tem ninguém com menos de 40 anos (!); tem tralha antiga e, com honrosas excepções, parece pouco inspirada politicamente, deixando de fora alguma gente de primeira que Rio poderia ter ido buscar às suas próprias fileiras; tem uma fraquíssima representação feminina; não supreendeu nem convenceu; c)  admitindo que não se esperavam um rol de soluções salvíficas, ideias geniais ou medidas milagrosas houve mais diagnóstico – trivial — que substância para o futuro, pese embora o enfoque e a promessa de atenção a alguns sectores cruciais;  d) permanece brumosa a futura relação com o PS apesar da manifesta vontade de Rio para acordos e compromissos — encontrar o justo equilíbrio entre a vital necessitade de acordos de regime para Portugal e os interesses próprios do PSD na manutenção de uma larga frente de centro direita vai exigir mais ponderação, lucidez, preparação, do que aquilo que se ouviu ou pressentiu; e) o desenrolar do Congresso permitiu algum pesado embaraço: Passos Coelho (aplausos assim só vi na ópera), teve sozinho a maior moldura de aplausos na FIL; o discurso de Luis Montenegro foi mais vibrantemente acolhido nas constantes interrupções das palmas (palmas de críticas a Rio, sublinhe-se) que os, como dizer?, mais esmorecidos aplausos dirigidos ao novo líder, para não falar dos apupos, de alguns ódios à solta, de (indisfarçáveis) sinais de divisão.

É o começo, dir-se-á.  É. Por isso um mínimo de seriedade reclama um mínimo de benefício da dúvida. Rui Rio ganhou, teve o mérito da sua vitória política. Não se sabe é onde ir buscar o empolgamento. O das manhãs do início de uma nova aventura política.

5. O lado “laranjinha” de Marcelo (que é fortíssimo) terá forçosamente uma leitura menos desalentada que a minha que não sou “laranjinha”, não tenho cartão e nunca tive militância. Mas o Presidente da República vai ter mais trabalho pela frente. Sobretudo menos previsibilidade política, coisa que ele detesta.

6. Pequena mas não dispiscienda nota final. Passos levou quatro anos a ouvir insultos e mentiras sobre o governo e sobre ele próprio. Depois ganhou as eleições. A seguir levou dois anos a ouvir que era “mau” na oposição findo o que Rui Rio teve menos votos que ele, Passos Coelho, em qualquer das eleições internas em que o ex-lider concorreu no PSD.

Um tipo decente, Pedro Passos Coelho (e que bom discurso o seu).