A votação de segunda-feira representou uma viragem importante no processo de eleição do novo secretário-geral das Nações Unidas. Quer isto dizer que o candidato mais uma vez escolhido como o favorito dos 15 membros do Conselho de Segurança, num processo inédito de eleição do mais alto cargo executivo da ONU, já venceu?

Nem de perto nem de longe. Mas se, nesta votação, António Guterres tivesse baixado o número de votos favoráveis ou recebido mais votos de desencorajamento; ou se algum dos seus rivais – nomeadamente os eslavos – se tivessem aproximado dele de forma clara; ou ainda se alguma das mulheres candidatas recebesse os votos suficientes para chegar aos “calcanhares” do português, então o cenário seria completamente diferente; então, assistiríamos inevitavelmente ao tipo de jogadas de bastidores habituais nas grandes organizações internacionais, e em especial na ONU, com os candidatos visíveis a ser ultrapassados, à última da hora, por um novo nome, apresentado como solução de compromisso, fosse ele o de Kristalina Georgieva, Comissária Europeia do Orçamento e Recursos Humanos ou outro qualquer.

O próximo secretário-geral das Nações Unidas tem de ser do agrado – ou pelo menos, não suscitar a oposição – dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (Rússia, EUA, Reino Unido, França e China). No passado, a escolha do mais alto funcionário da organização decorria de um processo reservado, opaco e essencialmente dependente da relação de forças entre os membros permanentes. Uma política de rotação entre continentes levaria no ano em curso à escolha de um candidato da Europa de Leste, opção defendida pela Rússia.

Outros países, como a Alemanha mas também os Estados Unidos (e até Ban Ki-moon, actual Secretário-geral), favoreciam a escolha de uma mulher, já que nunca houve uma secretária-geral.

Mas este ano, pela primeira vez, o processo de sucessão de Ban Ki-moon decorre em moldes inéditos: os candidatos são interrogados pelos membros do Conselho de Segurança, como se de uma entrevista de emprego normal se tratasse. Em diferentes votações, os membros do Conselho de Segurança – os cinco permanentes e os restantes dez – votam em cada um dos candidatos, em voto secreto, podendo apoiar, desencorajar ou abster-se.

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A audiência pública privilegia, mais do que apenas o currículo, a prestação dos diferentes pretendentes, a sua verve, humor, conhecimentos, competência e ideias para a organização. António Guterres venceu as cinco votações já realizadas; nesta última, aliás, repetiu o excelente resultado da anterior, com 12 votos favoráveis e apenas 2 de desencorajamento. Mas até hoje, creio, não se podia assumir como favorito. Bastava ler a imprensa internacional para perceber que, de forma quase unânime, a sua vantagem era tida como equivalente à da lebre que vai à frente para fazer sair a fera – o (ou a) vencedor(a).

As razões para essa falta de entusiasmo são muitas: Guterres é homem e alguns dos votantes preferem uma mulher; Guterres não é do leste, mas um europeu ocidental e pelo menos a Rússia prefere um nacional daquela região; e, sobretudo, Guterres pertence a um país que, tradicionalmente, pelo seu bom feitio (os países também têm bom feitio) se dá bem com toda a gente e, por isso, não tem em geral aliados preferenciais empenhados. Mas essa desvantagem, na conjuntura presente pode vir a revelar-se vantajosa (uma desvantagem vantajosa?), pois não sendo favorito de ninguém, não tem também adversários jurados e irredutíveis, como parecem ter os dois candidatos de leste – Eslováquia e Sérvia – que surgem imediatamente a seguir a Guterres na última votação, ainda que a alguma distância.

É verdade que sobra a dúvida sobre quem são os dois “desencorajadores” da candidatura do antigo primeiro ministro português. Será um deles membro permanente do Conselho de Segurança, como se suspeita (será a Russia?). Na verdade não se sabe, mas em breve se saberá: é já no dia 4 de Outubro que será conhecido o sentido de voto dos cinco. E se houver uma “bola vermelha”, naturalmente, António Guterres, terá dificuldades acrescidas; o problema, contudo, será sempre de alternativas, porque se é provável que nos 2 votos contra um possa ter força de veto, mais provável é que o mesmo, ou pior, suceda com os restantes candidatos, que têm muito mais votos de desencorajamento.

Ao vencer consecutivamente e, sobretudo, ao manter o nível do resultado, Guterres retirou espaço a alternativas; até para a credibilidade do novo sistema de eleição do secretário-geral, que terá de ser votado, importa lembrar, por todos os Estados-membros em Assembleia Geral, é importante que esse resultado seja respeitado.

Acreditemos pois na vitória do português. A minha máquina do tempo, que os leitores bem conhecem pela sua falibilidade (acerta, digamos, em 50% dos casos …) diz-me que António Guterres será Secretário-geral das Nações Unidas. O mérito principal é naturalmente dele, e do brilho com que convenceu os países reunidos no Conselho de Segurança. Mas importa também realçar o papel desempenhado pela diplomacia portuguesa, pelo governo e pelo Presidente da República, cujo excelente trabalho em prol da candidatura de Guterres terá sido crucial para o (desejado) resultado.

Parabéns ainda, finalmente, são devidos a todos os portugueses, pois é sempre uma honra e um tributo à qualidade das nossas gentes a assunção por um compatriota de um cargo de tanta importância. Sobretudo quando obtido da forma que se prevê, com merecimento e mérito.