O título desta crónica é o da obra que foi apresentada, no passado dia 21, pelo Presidente da República e pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, na reitoria da Universidade de Lisboa. Oitocentas páginas, várias centenas de magníficas fotografias e quase duzentos textos de outros tantos autores, dos mais diversos quadrantes do catolicismo português – não em vão se subintitula ‘A beleza da diversidade’ – compõem esta monumental edição do Círculo de Leitores, que os professores José Carlos Seabra Pereira e José Eduardo Franco excelentemente organizaram, com o generoso patrocínio de Alexandre Soares dos Santos e de várias instituições culturais.

‘Portugal católico’ é, diga-se de passagem, um título provocatório: sugere que o Estado português é confessional. Uma tal profissão de fé parece também insultuosa para quantos portugueses se afirmam agnósticos, ateus, crentes de outras religiões, ou fiéis de outras confissões cristãs. Respirem fundo os não-católicos: não é esse o propósito dos promotores desta louvável iniciativa, que não pretende ser hostil nem polémica, mas informativa do que é, na actualidade, o catolicismo português.

Mas, Portugal é católico?! Como no prefácio escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, “não há Portugal sem cristianismo. Assim foi desde os primórdios da nacionalidade”. Com efeito, o nosso país nasceu católico, não apenas porque o era o fundador da nacionalidade e quantos com ele se empenharam em tornar soberano este condado do reino de Leão, mas também porque surge no âmbito da cruzada contra o Islão, que invadira e ocupara a península, impondo pelas armas uma religião que era estranha à população, já então cristã de longa data.

Alguns períodos de intolerância e repressão na história nacional – como a perseguição aos judeus, a inquisição, a expulsão dos jesuítas, a extinção dos conventos e a primeira república – foram uma dolorosa excepção à regra do que é Portugal, segundo a generosa definição do Presidente da República: “terra que somos de emigrantes e de imigrantes e refugiados, aberta a todos, com generosidade e gratidão”.

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Diga-se o que se disser, não se pode ignorar que a matriz cristã caracteriza a história e a cultura portuguesa: “os cristãos – e, dentro deles, os católicos – estiveram presentes em todos os lances da nossa história – da afirmação da independência à expansão pelos oceanos e à chegada a outros continentes, da construção do Império à descolonização, da monarquia à república, das ditaduras à democracia”, prefaciou o Presidente da República. Uma marca que se distingue, como também disse Marcelo Rebelo de Sousa, por “uma visão personalista, humanista e ecuménica, que perdurou até hoje e é um denominador comum inquestionável”.

Graças a esta fé, os nossos descobridores, mais do que conquistadores que se impusessem pela força bélica, foram sobretudo colonizadores e feitores. Embora também tenha havido excessos deploráveis – pense-se, por exemplo, no ignóbil comércio de escravos – a presença portuguesa em terras de além-mar foi decerto mais humanista e tolerante do que a de outras potências coloniais do velho continente. Por isso, a presença portuguesa é ainda hoje recordada com saudade nas antigas colónias, em que até os principais clubes do futebol nacional têm fervorosos adeptos.

Mesmo a desastrada descolonização, que nada teve de exemplar, por mais que o regime pretenda branquear a sua responsabilidade histórica, não foi tão traumática como, por exemplo, a protagonizada pela saída dos franceses das suas possessões no norte de África. Não obstante as imensas dificuldades por que tiveram que passar os ‘retornados’, a verdade é que a pátria-mãe os acolheu, pior ou melhor, reintegrando-os depois do seu dramático regresso ao continente. Muitos deixaram, nessas ‘províncias ultramarinas’, as lembranças e os haveres de uma vida que, se em algum caso foi de exploração das populações locais, em geral foi de fraterna colaboração com os seus naturais que, em geral, reconhecem e agradecem.

Poucos meses depois da declaração da independência angolana, um diplomata português foi mandado parar, em Luanda, por um polícia local. Perguntou-lhe o agente se era angolano, ao que respondeu, obviamente, que era estrangeiro. Inquiriu então o guarda qual a sua nacionalidade e, ao saber que era português, afirmou: ‘- Então não é estrangeiro, é português!’ Releve-se a ignorância do polícia à conta da gentileza desta sua afirmação que, se é errada em termos formais, é significativa do sentimento de proximidade que, não obstante a recente independência da sua pátria, aquele agente da autoridade sentia em relação a Portugal.

“O Presidente da República Portuguesa, que se orgulha de ser católico, mas representa todos os portugueses, sem discriminações ou marginalizações” também reconhece que a Igreja católica não só foi uma importante referência histórica nacional, como também agora o é, porque “os católicos continuam a desempenhar um importante papel. Na escola, na saúde, na solidariedade social, na cultura, na ciência, na tecnologia”. Na política, o último referendo sobre o aborto, bem como a promulgação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, obrigam a concluir que, por falta de formação ou respeitos humanos, alguns católicos nem sempre primaram pela coerência.

No último censo geral da população, 80% dos cidadãos nacionais declararam-se católicos. Como explicar então que a representação política da nação não corresponda a esta realidade social?! De facto, não só os partidos que apoiam, no parlamento, o actual governo, têm uma ideologia não cristã, senão mesmo anticatólica, como também o principal partido da oposição recentemente viabilizou, pelo voto do seu presidente e de muitos dos seus deputados, as chamadas ‘barrigas de aluguer’! Mesmo o partido que se diz de inspiração cristã, nem sempre honra esses princípios, nomeadamente em relação a algumas das (mal)ditas questões fracturantes. Este desfasamento, entre a realidade religiosa portuguesa e a sua representação política, explica porventura o elevado nível de desinteresse e abstenção de inúmeros cidadãos, nomeadamente cristãos.

Se Portugal é católico, politicamente não é praticante…