1. Há anos que a internet exibe os plágios, perdão, as impressionantes coincidências que ligam diversas cantigas de “Tony” Carreira a cantigas espanholas, mexicanas e francesas, por pirraça compostas e publicadas antes. É um caso, que suponho raro, em que a alegada prova do crime constitui em simultâneo uma atenuante. A confirmar-se a falcatrua, por um lado confirma-se que o sr. Carreira não é o autor das atrocidades que assina, sempre um ponto em seu favor. Por outro lado, demonstra-se que o sr. Carreira recorre ao esforço (?) alheio em prol do sucesso próprio, talento que configura uma ilegalidade para o Ministério Público. Em suma, o cançonetista viu-se agora acusado de usurpação, o que se calhar é justo. Injusto é os seus compatriotas ficarem impunes.

No fundo, o que “Tony” Carreira fez foi adoptar uma vetusta e digníssima tradição nacional: ir buscar entulho lá fora, temperá-lo ao jeito indígena e servir o prato requentado ao público dito alvo, que o consome com a exigência cromática de um cego. Desde tempos imemoriais que isto acontece nas “artes”, na universidade, nos “media”, na política e onde calha. Aliás, num país “pimba”, periférico e pouco escrupuloso, estranho seria se não acontecesse. Por cá, quantos arrebatadores romancistas se inspiram nas sobras do analfabetismo internacional? Quantos académicos de prestígio decalcam o “pensamento” de sumidades célebres em três quarteirões de Caracas? Quantos vultos do comentário imitam ao pormenor aldrabões eslovenos? Quantos governantes copiam líderes exóticos que deviam estar no hospício ou na cadeia?

Só não se pode afirmar que a especialidade da casa é reciclar lixo porque temos o dom de transformar o lixo em coisa ainda pior. Aqui, neste cantinho tão afastado do mundo que até os discursos do sr. Juncker se esquecem da nossa existência, estamos à vontade para plagiar os restos dos restos e assim erguer currículos, reputações, carreiras. É absurdo questionar apenas a de “Tony”, um dos portugueses mais populares e mais portugueses.

2. Raquel Varela, uma “historiadora” que após perder um debate contra uma criança de 16 anos foi naturalmente recrutada para o panteão de pensadores da RTP, explicou que, como a Autoeuropa se limita a montar carros, não produz riqueza. Se a senhora tivesse ao menos um amigo, este haveria de explicar-lhe a estonteante genialidade da sentença. Infelizmente, a prof. dra. arq. Varela não dispõe de vida social, ocupadíssima que está a criar gado, drenar solos, plantar legumes, costurar casacos, cimentar tijolo, inventariar o material necessário para construir automóveis e, em suma, tirar o tapete dos pés da ganância capitalista. Mais uns anos, poderá esfregar na cara desses exploradores um cachecol, dois rabanetes e meia pastilha de travão.

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3. Em “entrevista” ao “Diário de Notícias”, o ministro da Defesa afirmou que “no limite, pode não ter havido furto” no caso do furto de armas em Tancos. Primeiro, garantiu-se que o roubo não era o maior da História dos Paióis Arrombados. Depois, esclareceu-se que as armas roubadas não eram caras. De seguida, informou-se que as armas roubadas não funcionavam por aí além. Agora, sugere-se que o roubo não existiu. Não tarda, a nação aprenderá que mesmo a base de Tancos é fictícia, que os “estadistas” que por lá desfilam desde o roubo que não houve são imaginários, que Portugal é um país normal e que tudo isto foi um pesadelo de que acordaremos sem mazelas.

4. Talvez convencido pelos queixumes do BE, talvez instigado por um colérico editorial do “Público” (“O futebol entra a pés juntos sobre a democracia”), o governo vai proibir jogos da bola em dia de eleições. A decisão já não vem a tempo das “autárquicas”, o que se lastima. Mas decerto virá a tempo de todos os sufrágios seguintes, o que se saúda: finalmente os portugueses serão livres de escolher os senhores que os tutelam sem ver o seu juízo obnubilado por aflições relativas a penáltis, foras-de-jogo e questões assim essenciais.

De brinde, se ainda não conheciam, os portugueses ganham também o direito a conhecer a opinião que os actuais governantes – oficiais e oficiosos – têm dos cidadãos que os patrocinam: um bando de retardados sem vontade própria. Para os senhores que mandam, os senhores que obedecem sofrem de tamanha desorientação que, a menos que os impeçam por decreto, são capazes de trocar o dever cívico por um divertimento irresponsável. É possível, e, a julgar pela composição do Parlamento, a presunção nem será descabida.

Porém, não convém generalizar. Eu, por exemplo, acho que em matéria de gozo um reles “derby” não chega aos pés do espectáculo de burlesco providenciado pelos nossos extraordinários políticos, principalmente aqueles que sonham com um mundo repleto de proibições, interdições, regulamentações e resignações. É óptimo que imponham à força um dia inteirinho para reflectirmos sobre eles e a democracia que representam – e, enquanto não proibirem tudo, optarmos por outra coisa qualquer.