O escritor Patrick Modiano foi galardoado com o prémio Nobel da Literatura 2014, anunciou esta quinta-feira a Academia Sueca, em Estocolmo.

Francês, já publicou cerca de 30 livros, maioritariamente romances, mas também guiões de cinema e livros infantis. Alguns deles estão publicados em Portugal.

Ao anunciar o nome de Modiano, a Academia destacou-lhe “a arte da memória que utilizou para evocar os destinos humanos mais inalcançáveis e para revelar o universo da ocupação”. Nascido em 1945, ano em que terminou a II Guerra Mundial, é filho de um italiano judeu. O tema da ocupação nazi foi o tema do primeiro livro que publicou, La Place de l’Etoile, em 1968.

Antoine Gallimard, diretor da editora de Modiano, telefonou-lhe e conta que o escritor, pouco amigo da atenção mediática, está “muito feliz”, mas também surpreendido pela novidade “estranha”. Entretanto, o site oficial do Nobel divulgou uma entrevista telefónica feita ao autor, em francês, onde ele conta que estava junto ao Jardim do Luxemburgo, em Paris, quando a filha lhe ligou a contar a novidade. E confessou: “[O Nobel] é algo que nunca pensei vir a receber”.

Em entrevista transmitida em direto pela página do Nobel, Peter Englund, escritor e historiador sueco, destacou os temas sobre memória que predominam nos livros de Patrick Modiano, que vive em Paris, cidade que também serve muitas vezes de cenário aos livros. É o caso de L`Herbe Des Nuits, a sua penúltima publicação, em 2012. Pour que tu ne te perdes pas dans le quartier é o mais recente livro do escritor, publicado este mês.

O autor já venceu alguns dos mais prestigiados galardões literários de França, como o Prémio Goncourt em 1978, pelo livro A Rua das Lojas Escuras (publicado em Portugal pela editora Relógio D`Água). No currículo conta também com o Grande Prémio de Romance da Academia Francesa em 1972 e o Grande Prémio Nacional das Letras em 1996. Pela Porto Editora foi publicado em Portugal o romance O Horizonte, de 2010. Nas livrarias nacionais encontram-se também Um Circo que Passa e Domingos de Agosto, ambos publicados pela Dom Quixote, Dora Bruder e No Café da Juventude Perdida, ambos pela ASA.

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“O Horizonte” está publicado em Portugal desde 2011

Bibli­o­gra­fia

– La Place de l’Étoile (1968)
– La Ronde de nuit (1969)
– Les Bou­le­vards de cein­ture (1972)
– Villa triste (1975)
– Livret de famille (1977)
– A Rua das Lojas Escu­ras (1978), publi­cado pela Reló­gio d’Água em 1987
– Une Jeu­nesse (1981)
– Memory Lane (1981, dese­nhos de Pierre Le-​Tan)
– De si bra­ves gar­çons (1982)
– Quar­tier Perdu (1984)
– Domin­gos de Agosto (1986), publi­cado pela Dom Qui­xote em 1988
– Cathe­rine Cer­ti­tude (1988) (ilus­trado por Sempé)
– Remise de Peine (1988)
– Ves­ti­aire de l’enfance (1989)
– Voyage de noces (1990)
– Fleurs de Ruine (1991)
– Um Circo que Passa (1992), publi­cado pela Dom Qui­xote em 1994
– Chien de prin­temps (1993)
– Du plus loin de l’oubli (1996)
– Dora Bru­der (1997), publi­cado pelas Edi­ções ASA em 1998
– Des incon­nues (1999)
– La Petite Bijou (2001)
– Acci­dent noc­turne (2003)
– Un pedi­gree (2004)
– No Café da Juven­tude Per­dida (2007), publi­cado pelas Edi­ções ASAem 2009
– O Horizonte (2010), publi­cado pela Porto Editora em 2011
– L’Herbe des nuits (2012)
– Pour que tu ne te perdes pas dans le quartier (2014)

“A Academia Nobel entende pouco de literatura, embora às vezes acerte”

Francisco José Viegas, ex-Secretário de Estado da Cultura e escritor, concorda que, desta vez, a Academia Sueca acertou. “Olhando para o panorama da literatura francesa de hoje, é sem dúvida o mais importante dos autores franceses, se acrescentarmos Le Clèzio”, disse ao Observador.

“Acho que o principal é a sua forma de abordar a intimidade e a memória, numa linguagem muito melancólica e procurando sempre uma beleza inacessível. Mesmo os seus personagens mais dramáticos e trágicos são olhados a partir da sua intimidade — e da sua melancolia — tratando-os não como figuras históricas, ou épicas, mas como pessoas normais, à procura do passado ou de um destino no meio dos destroços. Mas a Academia Nobel entende pouco de literatura, embora às vezes acerte. Desta vez parece-me que foi uma boa escolha; Modiano é um excelente autor, na linha de outros escritores franceses como Pascal Quignard, Echenoz ou o próprio Clézio (que ganhou o Nobel, aliás)”.

Da bibliografia do escritor, ” um dos intérpretes da geração pós-68 e das suas desilusões”, destaca Domingos de Agosto, “um grande livro”, tal como Horizonte e Dora Bruder, “uma joia literária e histórica” que trata de uma jovem judia cercada durante a ocupação nazi.

Já Carlos Vaz Marques, diretor da revista literária Granta, leu dois livros de Modiano e não ficou fã.

“Na língua francesa mais depressa votaria num autor extraordinário e insuficientemente traduzido em Portugal, como é Pascal Quignard. Aliás, quando ouvi o anúncio do vencedor, a minha primeira reacção, numa confusão de nomes, foi de uma certa alegria, porque pensei em Pascal Quignard ao escutar Patrick Modiano”.

Destacando a subjetividade do prémio, Carlos Vaz Marques daria o Nobel a uma longa lista de escritores, inclusive portugueses, antes de Modiano. “Philip Roth, Rubem Fonseca ou Javier Marías – para citar três autores de três nacionalidades e três línguas diferentes – vão continuar a ser extraordinários mesmo que nunca sejam lidos em Estocolmo. A estes três eu dava o Nobel de mão beijada”, disse.

Philip Roth, sempre um dos apontados como provável vencedor, também entra na lista de favoritos de Francisco José Viegas, assim como Claudio Magris, Ismail Kadare e Joyce Carol Oates. “Temo muito que eles se juntem a Jorge Luis Borges, Nabokov, Primo Levi, W.H. Auden, Conrad, Somerset Maugham, D.H. Lawrence, Graham Greene, Zola, Tchekov ou Tolstoi, que não ganharam o prémio, por cretinice e ignorância da Academia Sueca”, acrescentou.

Saramago foi (já) há 16 anos

Modiano sucede à canadiana Alice Munro, que venceu o Nobel no ano passado. Há precisamente 16 anos e um dia, a Academia Sueca anunciou ao mundo o nome do primeiro português a vencer um Nobel da Literatura, José Saramago. Para além do prestígio, o vencedor ganha também oito milhões de coroas suecas (cerca de 882 mil euros).

De acordo com estatísticas da Academia Sueca, até 2013 tinham vencido o Nobel 76 escritores de prosa, 33 poetas, 14 dramaturgos, três ensaístas e dois historiadores. Talvez por isso as apostas se centrassem no queniano Ngugi wa Thiong’o, autor de mais de 30 livros, entre romances, peças teatrais e ensaios. Ngugi wa Thiong’o e o japonês Haruki Murakami eram apontados como os favoritos à vitória na maioria das casas de apostas. Desde 2012 que Murakami foi sempre o favorito e até já há quem o compare a Leonardo DiCaprio, ator tantas vezes apontado como favorito ao Oscar, mas que nunca o venceu.

Amanhã, as atenções vão estar centradas na Noruega, onde será anunciado o Prémio Nobel da Paz de 2014.