Começou a sua carreira como engenheiro, mas aos 26 anos decidiu que o seu projeto de vida ia ser outro: combater o tráfico de crianças e o trabalho infantil na Índia. Kailash Satyarthi, um ativista desconhecido em muitas partes do globo até hoje, comparado com outro grande nome do seu país, Mahatma Gandhi, ganhou o Prémio Nobel da Paz, nesta sexta-feira. Já salvou mais de 85.000 crianças. Mas, afinal, quem é este homem?

Satyarthi nasceu há 60 anos na cidade de Vidisha, localizada a cerca de 50 quilómetros de Bhopal. Estudou engenharia numa faculdade pública, mas aos 26 anos descobriu a sua real vocação. “A minha família queria que eu fosse um engenheiro, mas eu não. Estudei para isso porque eles pediram-me. Mas este trabalho com as crianças: eu tinha de fazer isto”, explicou numa entrevista, citada esta sexta-feira, no jornal Times of India. É pai de duas crianças e mora em Nova Deli.

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Há quase 35 anos, desistiu da carreira de engenheiro eletrónico para fundar o movimento Save the Childhood (Bachpan Bachao Andolan (BBA), nome original), que tem como objectivo eliminar o tráfico de crianças e trabalho infantil na Índia.

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Numa entrevista ao jornal Times of India, há quatro meses, Kailash Satyarthi afirmou: “A minha filosofia é que eu sou um amigo das crianças. Não penso que ninguém as deva ver como objeto de pena e caridade. Isso é uma retórica de pessoas antiquadas. As pessoas associam, muitas vezes, comportamento infantil com estupidez: isto tem de mudar. Algo que eu posso aprender das crianças é a transparência. Elas são inocentes, diretas e não têm preconceitos”.

Satyarthi admira Mahatma Gandhi e, tal como o seu ídolo, já liderou vários protestos pacíficos “contra a exploração das crianças para ganhos financeiros”, contou o comité do Nobel. “A honra é para todos os cidadãos da Índia. Continuarei o meu trabalho pelo bem-estar infantil”, afirmou o ativista, na reação à notícia do prémio, frisando que “a pobreza não deve ser utilizada como desculpa para continuar a existir trabalho infantil”.

 

(Reação do ativista ao prémio.)

Ainda este ano, Kailash Satyarthi afirmou numa entrevista ao jornal Hindustan Times: “Há uns anos, quando começamos a BBA, apercebemo-nos que para combater o trabalho infantil e tráfico de crianças tínhamos de atacar a fonte do problema: as aldeias, dado que 70% das crianças que trabalham provêm das aldeias. Então, decidimos criar um ambiente onde as crianças podem ir quando retiradas dos locais de trabalho, onde podem frequentar a escola, expressarem-se e assegurar que as autoridades as ouvem.”

A BBA criou uma série de “aldeias modelo” nas quais as crianças não são exploradas e são incentivadas a debater temas de direitos humanos, conta o Telegraph. Desde que surgiu este conceito em 2001, a BBA transformou 356 aldeias em “amigas das crianças” ao longo dos 11 Estados da Índia.

As crianças que moram nestas aldeias vão todos os dias à escola e participam na governação local através de grupos de debate e movimentos juvenis. A BBA também trabalha para assegurar que as crianças até aos 14 anos tenham um acesso grátis e de qualidade à educação – que as escolas tenham, por exemplo, infraestruturas adequada às raparigas para que estas não desistam dos estudos.

Não é de estranhar, portanto, que Malala, no seu discurso de reação, tenha contado que esteve ao telefone com Kailash Satyarthi e que decidiram aliar-se numa batalha conjunta “pelos direitos humanos”. Os dois combinaram convidar os primeiros-ministros do Paquistão e da Índia para estarem presentes na cerimónia de entrega do prémio, em dezembro. “É o meu pedido humilde”, explicou Malala.

O jornal britânico Telegraph reparou numa curiosidade: às 10 horas e dois minutos da manhã, o Twitter do ativista tinha 100 seguidores. Passados 30 minutos, tinha 999. Às seis da tarde portuguesas, já tinha 15 mil seguidores. Muitos pessoas, à volta do mundo, querem saber quem é ele.

Em 2005, a estação televisiva norte-americana PBS dedicou-lhe o episódio inaugural da série New Heroes (Novos heróis, em português).

(Episódio de uma série da PBS sobre a organização de Kailash.)

As palavras do comité do Nobel, aquando do anúncio, foram lisonjeadores para Kailash e não ficaram atrás das que dedicaram à jovem paquistanesa Malala Yousafzai, galardoada a meias com o Nobel da Paz.

“Demonstrando grande coragem pessoal, Kailash Satyarthi, mantendo a tradição de Gandhi, encabeçou diversas formas de protestos e manifestações, todas elas pacíficas, focadas na grave exploração de crianças com propósitos financeiros. Ele também contribuiu para o desenvolvimento de convenções internacionais importantes no campo dos direitos humanos”, afirmam os responsáveis da escolha.