A investigação, que utiliza como fontes os descendentes do próprio Estaline e os arquivos do Kremlin, não se limita aos momentos políticos iniciais do futuro ditador, nascido em Gori, na Geórgia, em 1878 e através de uma tabela genealógica traça um percurso familiar “igualmente trágico” do homem responsável por políticas que causaram a morte a milhões de pessoas.

“A solidão e o descontentamento que Estaline continuava a sentir face à evolução dos filhos, nenhum dos quais parecendo digno das expectativas que criara, levavam-no a remoer o passado com mais frequência. Principalmente no que se refere à segunda mulher, Nadejda e ao seu suicídio que ele nunca aceitara nem compreendera” (página 225), escreve a autora sobre o período imediatamente após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) referindo-se à morte da mulher, assunto que terá perturbado o líder soviético durante toda a vida.

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Do ponto de vista pessoal, durante a guerra, Estaline perde o filho Iakov, prisioneiro do Exército alemão em 1941, mas também sobre este episódio a história oficial soviética vai mudando as versões dos acontecimentos ao longo das décadas, sendo que o jovem tenente-major da Divisão de Tanques terá sido, de acordo com relatos transmitidos à família por um militar belga, abatido a tiro por um guarda do campo onde se encontrava preso.

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“Ele (Estaline) ficou sem ar, como se golpeado pela notícia, mas não quis falar”, recorda Svetlana, filha do líder, que confirma que o pai nunca aceitou a proposta de Berlim em trocar o filho pelo marechal Paulus, comandante das forças nazis em Estalinegrado e capturado pelos soviéticos. “Não troco um soldado por um marechal” terá afirmado Estaline, que não aceitou a negociação proposta por Hitler.

Os locais em que Estaline viveu são também descritos, sobretudo as “datchas” nos arredores de Moscovo: o quarto, a secretária com gavetas, a cama com cobertor militar e sobretudo a biblioteca que incluía edições impressas antes da revolução russa e mais tarde tudo o que a literatura soviética produzia, além das obras de política, economia, tecnologia e ciências exatas.

“Estaline anotava os seus livros à mão. A leitura dessas notas escritas à margem de cada página é uma fonte valiosa para aprendermos o seu pensamento em tempo real” (página 191), refere Lilly Marcou, autora de vários estudos sobre a União Soviética.

As purgas políticas desde os anos 1930 que atingiram os próprios familiares e amigos próximos do círculo de poder são investigadas pela historiadora francesa que recorda também o momento inicial em que o jovem Iosif Vissarionovitch Djugachvili, aliás Koba se transforma em Estaline após os primeiros encontros com Lenine em 1913.

“Em russo ‘stal’ significa aço; Estaline quer dizer ‘homem de aço’. Há uma lenda segundo a qual o nome Estaline tem como origem o relacionamento amoroso com uma mulher chamada Ludmila Stahl, que ele teria conhecido durante esse período e que o teria ajudado durante os seus numerosos exílios”, escreve a autoria do livro.

Reuniões familiares, as desavenças com Lenine e com Trotsky, perseguições contra políticos, o massacre dos oficiais polacos em Katyn; momentos marcantes do estalinismo como os casos Kirov e Mozorov, os meandros do pacto com a Alemanha nazi, a “questão antissemita”, são alguns dos assuntos também referidos no livro que termina com os pormenores sobre a morte de Estaline.

A autora relata os últimos dias de Estaline, desde a noite de 27 de fevereiro de 1953 em que terá sido vítima de um ataque cardíaco até ao momento da morte, no dia 05 de março, na presença da filha e de todos os membros do Politburo incluindo Beria que tentou convencer Molotov (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros) que teria envenenado o líder soviético. “Fui eu que o eliminei… Salvei-os a todos!”, terá dito Beria, antigo responsável pela polícia política do regime, tendo participado em vários massacres durante o estalinismo.

“Para a neta de Estaline, Nadejda, é o que sugere a marca de uma injeção que teria sido observada pelos guardas no momento em que o levantaram do chão” (página 259), sublinha Lilly Marcou sobre a possibilidade de assassinato, citando uma entrevista a Nadejda Stalina registada em 1995.

O livro, “A Vida Privada de Estaline” de Lilly Marcou (Editora Vogais, 286 páginas) lançado esta semana em Portugal, inclui uma árvore genealógica do ditador soviético e o excerto de uma carta dirigida a Lenine e datada de 1915.