O acordo terá estado perto, mas falhou. Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia, disse que estava pronto para assinar uma proposta de comunicado conjunto que lhe foi apresentada antes da reunião do Eurogrupo, em Bruxelas, na segunda-feira, pelo comissário europeu dos Assuntos Económicos Pierre Moscovici. Mas esse documento, que, segundo uma televisão pública grega, terá sido uma iniciativa de Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia), seria trocado por um outro documento elaborado pelo líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, escudado pelos ministros das Finanças da zona euro.

O problema estava na definição de “flexibilidade”, que Varoufakis quis aclarar e, diz, ninguém lhe explicou. Na reunião, Varoufakis também voltou não apresentar nenhuma proposta concreta nem nenhum documento em que detalhasse as medidas com que o seu governo pretende conseguir manter as finanças equilibradas – os seus 30% de medidas fora do programa anteriormente acordado e ainda em vigor. Entre números, cedências e políticas, o futuro da Grécia parece estar agora colado a uma questão de semântica. Um exemplo claro disso é a divergência nos termos “extensão do programa” vs. “extensão do empréstimo”.

“Antes da reunião [Pierre] Moscovici apresentou-me um documento que a Grécia estaria contente por assinar”, disse o ministro das Finanças grego, em conferência de imprensa após o encontro. “Depois deram-me outro documento para assinar, que era inaceitável. Não poderíamos assinar uma extensão do programa”. Varoufakis referiu que houve um “desacordo substancial” nas duas versões, até porque, defende, o Syriza foi eleito precisamente “para desafiar” o programa da troika, por isso não faria sentido assinar uma extensão.

Vamos por partes. O que oferecia Moscovici, pela Comissão Europeia? O documento, publicado pelo jornalista Paul Mason no Twitter (ver em cima), tinha como principal ponto (para Varoufakis) “uma extensão do acordo de empréstimo” e não a tão contestada extensão do programa, estando em cima da mesa uma extensão do empréstimo por seis meses, período esse que seria como uma ponte, “um passo intermédio para um novo acordo”. A proposta de comunicado conjunto dava conta ainda da possibilidade de flexibilização do atual programa piscando o olho a um novo. O documento referia também as prioridades do novo Governo grego, falando na necessidade de solidificar e implementar de uma forma eficaz o programa de assistência financeira, medidas essas que poderiam ser as bases para um novo acordo.

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Os planos da Grécia são diferentes. O Governo grego pedia um prolongamento do empréstimo por apenas quatro meses, até junho, para depois definir um novo caminho — o atual programa das instituições europeias termina no final de fevereiro; já o programa do FMI, independente dos anteriores, termina apenas em 2016. Varoufakis disse que aceitaria a proposta da Comissão Europeia.

Quarenta minutos depois, Paul Mason publicou uma alegada versão atualizada do documento. O que levou à atualização do documento não é claro, nem se Varoufakis aceitaria. No entanto, a voz da Comissão Europeia é relativamente fraca nesta negociação, por isso prevaleceria sempre a posição do Eurogrupo. E assim foi.

Esta segunda versão, chamemos-lhe assim, sofrera uma ligeira mudança no tom. Escreveu-se, repetindo a ideia que estava presente no anterior documento, que os gregos cumpririam o acordo para “assegurar a sustentabilidade das finanças públicas”. Basta descer umas linhas e vê-se mais uma vez outro sinal de promessas de cumprimento, digamos. “As autoridades gregas reiteram o seu compromisso inequívoco para com as obrigações financeiras com todos os seus credores.” A palavra “flexibilidade” esfumou-se nesta segunda versão, publicada às 00h50 de segunda-feira para terça-feira. Enquanto a narrativa mudou, como moeda de troca, a Europa ofereceu uma extensão do empréstimo por quatro meses, classificando-o de “programa intermédio, como uma fase transitória para um novo contrato de crescimento da Grécia”.

Depois chegou a palavra de quem controla as rédeas da negociação: Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, que falava em nome dos países do euro. Neste documento definitivo, que Varoufakis classificaria, na conferência de imprensa, de “inaceitável”, foi oferecido ao Executivo grego uma “extensão técnica do atual programa” por seis meses (lá está, a semântica).

A seguir volta a ler-se que a Grécia teria uma série de estratégias futuras que culminariam “no compromisso inequívoco” de pagar o que aquele país deve a todos os seus credores. Há uma frase pelo meio que está riscada que pode ajudar a explicar a rejeição grega: “As autoridades gregas indicaram que pretendem concluir o programa com sucesso, levando em linha de conta os planos do novo governo”. Mais uma vez, se a ideia do Syriza era colocar um ponto final no programa da troika, seria improvável que o Governo helénico aceitasse uma proposta de comunicado conjunto com esta narrativa. Foi isso mesmo que Varoufakis explicou no final. O Governo foi eleito para desafiar a lógica do programa, não poderia prometer que concluiria com sucesso algo que considera um falhanço.

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Aqui volta a falar-se novamente de “flexibilidade no atual programa”. Varoufakis torceu o nariz, questionando as diferentes dimensões da palavra “flexibilidade”, temendo que as políticas do país continuassem sob controlo dos parceiros europeus.

O ministro das Finanças grego disse que até chegou disposto a oferecer medidas aos países do euro como sinal de boa fé para os parceiros europeus, mas estas cobririam apenas o período até ao final da extensão do programa e não podiam ser medidas com impacto recessivo, em especial aumentos do IVA e cortes nas pensões mais baixas, mas não explicou se chegou a ter esta discussão com os parceiros.

“As autoridades gregas garantiram o seu compromisso para refrear a ação unilateral e trabalharão de perto com os parceiros europeus e internacionais, especialmente nos campos da política fiscal, privatização, reformas no mercado de trabalho, setor financeiro e pensões”, pode ler-se na última versão. Ficou também previsto uma extensão do empréstimo do “programa atual” por seis meses”, pode ainda ler-se no documento apresentado pelo líder do Eurogrupo.

“Os ultimatos nunca resultaram em nada de bom”, disse Varoufakis

“A minha preferência é que haja uma extensão do programa, e eu acho que ainda é viável”, disse Dijsselbloem em conferência de imprensa após as negociações falhadas. Mais uma vez: extensão do programa é a terminologia usada.

Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, mostrou-se cético quanto ao desfecho da reunião, ainda antes dela começar: “Sinto muito pelos gregos. Elegeram um Governo que de momento se comporta de maneira bastante irresponsável.” O ministro alemão insistiu que, para receber ajuda dos outros países da zona euro, a Grécia tem de mostrar como no futuro vai assegurar os meios suficientes para financiar as suas próprias pretensões, ou seja, os gregos terão de cumprir alguns requisitos mínimos para continuarem no euro.

Não houve acordo e a situação agudizou-se, pois houve uma espécie de “sim ou sopas”. Foi comunicado à Grécia, pelo presidente do Eurogrupo, que teria um prazo de quatro dias [até sexta-feira] para pedir uma extensão do programa de ajustamento. Varoufakis criticou a postura e prometeu um acordo: “Na história da União Europeia os ultimatos nunca resultaram em nada de bom. Não tenho dúvidas de que o ultimato será retirado nos próximos dias. Estamos dispostos a fazer tudo o que for preciso para chegar a um acordo nos próximos dois dias.”