O Conselho Superior do Ministério Público (MP) considera que a intenção do Governo de punir o acesso às mensagens de incitamento público ao terrorismo pode permitir “a perseguição penal” de quem acede a essas mensagens com outra intenção que não a prática ou apologia do terrorismo. A criminalização de viagens para a adesão a organizações terroristas também merece críticas.
A criminalização do acesso a sites que façam a apologia do terrorismo foi, de resto, uma das críticas mais repetidas pela oposição quando os diplomas foram discutidos na Assembleia. Ora, no parecer emitido sobre as alterações propostas pelo Governo, também o MP sublinhou que se está a criar uma lei que não prevê exatamente que “atos concretos e objetiváveis” podem levar a alguém a ser condenado por aceder a este tipo de páginas, “diminuindo, assim, a fronteira entre comportamento punível e não punível”.
Mais: os magistrados consideraram que “o ato de aceder ou obter acesso às mensagens de incitamento com intenção de ser recrutado para a prática de atos de terrorismo revela-se demasiadamente aberta e de difícil factualização objetiva” que apenas se justifica “quando for possível estabelecer relação de proporcionalidade entre a aplicação da pena e o perigo”.
Por isso, sem que sejam definidos “critérios rígidos e objetiváveis, de modo a impedir que sejam postos em causa direitos, liberdades e garantias das pessoas” a medida, em si, pode “permitir a perseguição penal de quem possa aceder ou obter acesso para outros efeitos e com outra intenção” colocando em causa “o princípio de intervenção mínima e, nessa medida, a Constituição”, defendeu o MP.
Em relação à penalização de quem viaja ou tem intenção de viajar para territórios diferentes “do do seu Estado de residência ou nacionalidade” com o objetivo de se juntar ou dar apoio logístico a uma organização terrorista, o MP não recusa completamente a medida, mas levanta várias “dúvidas sobre quais os atos de execução suscetíveis de integrar a tentativa (…), bem como a forma de, no caso de intervenção repressiva na fase da tentativa, se poder valorar o abandono voluntário da mesma”. Aqui, outra vez, continua a colocar-se a questão de penalizar a intencionalidade, uma matéria subjetiva que implica necessariamente “a interpretação e aplicação jurisprudencial das normas gerais”.
No que diz respeito à lei da nacionalidade, o Governo pretende introduzir mais um critério para concessão de naturalização – o facto de a pessoa não constituir ameaça à segurança nacional. No entanto, o MP alerta para o risco de inconstitucionalidade da norma: “A criação de requisitos negativos de aquisição da nacionalidade, fundados em conceitos abertos e abstratos, (…) deixará margem para se poder defender a inconstitucionalidade da correspondente norma”.
Uma reserva também levantada, aliás, à proposta do Governo que prevê a expulsão de cidadãos estrangeiros que sejam considerados uma ameaça para o país. O MP não fala especificamente em inconstitucionalidade nem se opõe à norma, mas insistiu que deve ser feito “um juízo de ponderação sobre a proporcionalidade e adequação da medida” e que todos os processos devem ser avaliados “caso a caso”.
Outra novidade apresentada pelo Governo passa pela integração do MP na Unidade de Coordenação Antiterrorismo (UCAT). No entanto, apesar de aplaudirem a iniciativa, os autores do parecer pedem uma maior e mais eficaz articulação entre as diversas entidades que integram o órgão – os magistrados defendem que essas entidades devem ter o “dever” de comunicar à UCAT “as informações que obtenham” e disponibilizá-las numa “base de dados acessível remotamente”.
Apesar das reservas levantadas, o Conselho Superior do Ministério Público reconheceu “uma concordância de princípio ao sentido geral das soluções” apresentadas pelo Governo. As alterações foram aprovadas na generalidade e estão agora a ser discutidas na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais.