É sempre uma pergunta para brilhar entre amigos: “Viste aquele jogo do Brasileirão?” Seja que equipa for, ninguém o chateria por responder que não. Porque além de serem precisos euros para pagarem o canal de televisão que mostraria a tal partida, ou um computador para caçar a transmissão online, das ilegais, há mais do que um mar a separar o futebol de cá, do de lá. Deste lado do Atlântico, embora cada país com a sua mania, joga-se rápido e com força, há pouco tempo para pensar o que fazer à bola e muita tática para ter na cabeça. Do outro lado o ritmo também é outro: há tempo a mais para se ter a bola, as pernas andam às vezes tanto quanto correm e cada jogador parece querer às vezes fintar o mundo com a bola.

Ver futebol brasileiro, por isso, não é para todos. Tudo é diferente. Mas, em Alvalade, durante 45 minutos, tudo, por milagre, parecia ser igual ao que se passa na terra onde relvados são gramados, guarda-redes são goleiros e defesas dão zagueiros. À quarta vez que partilhavam um relvado esta época (a segunda no campeonato, depois do par de jogos na Taça de Portugal), Nacional e Sporting pareciam ter um pacto — hoje, aqui, o futebol é para se jogar tranquilo, com calma. E até ao intervalo quase toda a gente respeitou esse acordo, à letra.

Sporting: Rui Patrício; Cédric Soares, Paulo Oliveira, Ewerton e Jefferson; Oriol Rosell, André Martins, Diego Capel e Carlos Mané; Fredy Montero e Junya Tanaka.

Nacional da Madeira: Gotardi; Nuno Campos, Zainadine Junior, Freire e Marçal; Boubacar, Luís Aurélio e Tiago Rodrigues; Marco Matias, João Aurélio e Lucas João.

Os leões tinham em André Martins e Oriol Rosell uma dupla de médios que só tinham olho a mais para passarem a bola para e ousadia a menos para enviarem a bola em frente. No corpo de Diego Capel já não estava a velocidade que antes infernizava a vida aos outros e entre Tanaka e Montero, os dois da frente, nem o colombiano conseguia inventar algo de jeito com a bola quando se lembrava de recuar uns metros e pedir que lha passassem. Com a bolinha a rolar na relva, tão lenta e desinspirada, o Sporting nada fez, e só quando a parou é que Montero e Ewerton, aos 21’ e 45’, em cantos, lá conseguiram, com a cabeça, ameaçar que dali podia sair alguma coisa. Mas nunca saiu.

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Já os madeirenses, embora também lentos e mais à espera do sempre pouco que o Sporting ia fazendo, lá eram os únicos a, de vez em quando, acelerar qualquer coisa. No meio campo tinham Boubacar Fofana, um guineese nada tímido distribuir rasteiras que acertavam em muitas bolas que estavam em pés leoninos, e nas alas havia João Aurélio e Marco Matias, homens que a equipa insistia em procurar com passes longos e rápidos, do tipo que resultado quando o jogo tão lento está. Porque obriga a outra equipa a rodar cabeças e corpos, trocar de lado e correr para chegar onde está a bola. Depois o Nacional insistia e tirar cruzamento atrás de cruzamento. Nada conseguia com eles, mas sim com as segundas bolas que, depois, ganhava à entrada da área. Foi com uma delas que, aos 29’, Tiago Rodrigues entrou na área, fintou Paulo Oliveira e rematou de canhota para Rui Patrício defender.

Golos zero, entusiasmo, idem. O intervalo chegava a gritar para que alguém desse uma sacudidela no jogo, ou que do banco saltasse quem a conseguisse dar. Marco Silva, talvez sabendo que, em campo, não tinha vivalma que desse mais umas costelas europeias a um jogo embalado por um samba sonolento, mandou levantar Adrien Silva e André Carrillo. Resultou, pois o português está habituado a meter os passes rápidos e o peruano a corridas desenfreadas com a bola. A diferença viu-se logo aos 49’, quando um ressalto deu ao extremo um remate que rasou o poste esquerdo da baliza de Gotardi.

Os leões aceleraram as coisas e viu-se que talvez antes, no balneário, tivessem levado um puxão de orelhas do treinador. Porque na segunda parte já Cédric e Jefferson sprintaram a pedir bolas aos extremos e já havia jogadores a mexerem-se para receberem a bola. Carrillo era quem mais sacudia o relvado e foi ele que aos 57’ inventou o cruzamento que pedia a um pé malandro perto do primeiro poste. E escolheu logo o mais malandreco de todos apareceu o de Fredy Montero, colombiano que tanto consegue andar de costas voltados aos golos como ser um amigalhaço para eles. Parece estar a passar pela segunda opção, já que o 1-0 foi dele e nos últimos dois jogos marcou três golos, mais do que tinha feito nos nove encontros anteriores.

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Uns minutos depois o luso-angolanoLucas João ainda deu um susto a Rui Patrício, o homem das luvas que aos 27 anos chegava aos 324 jogos pelo Sporting. Seria a penúltima oportunidade das boas para alguém voltar a marcar um golo. A partida não voltaria a piscar o olho ao sono, porque, depois, toda a gente já queria acelerar: o Nacional para tentar fazer mal ao adversário, e o Sporting para aproveitar os momentos em que podia contra-atacar e apanhar os madeirenses desprevenidos. Foi mais ou menos isto que se foi passando até quase o árbitro pegar no apito pela última vez.

Quando o relógio já bocejava para acabar com o jogo, houve um dos tais contra-ataque leoninos que pediu a Mané um último sprint e a Montero um derradeiro remate. O português arrancou, o colombiano acompanhou e o malandro, desta vez com a canhota, voltou a marcar. Era o 2-0, o 11.º golo do avançado no campeonato e a prova de que, depois de uns quantos meses sem apontar para o céu e celebrar, Fredy Montero está numa altura de ser bom malandro. Em boa hora o fez para o Sporting, pois foram estes dois golos a garantirem que a equipa acaba este campeonato no terceiro lugar, o que dá bilhete para a terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões em 2015/2016.

Pelo menos parte do mínimo dos mínimos para este época que Bruno de Carvalho, o presidente, definira há meses, estava garantido. Os leões vão jogar o playoff de acesso à próxima edição da Champions e, no final de maio, estarão no Jamor com o Sporting de Braga para tentaram conquistar um caneco, algo em que não tocam desde 2008. Depois, dependendo do que o FC Porto não fizer, poderá haver o bónus do segundo lugar do campeonato, porque a matemática ainda diz que os leões podem lá chegar. Venha o que vier, o Sporting quererá que um colombiano continue a ser um bom, e não um mau, malandro com os golos.