É uma semana que se passa na toca, a conspirar. É bonito ouvir dizer que nada vai mudar, que se está tudo bem não se mexe, que os outros é que se têm de preocupar connosco e não o vice-versa. Mas quando o jogo é dos grandes e chegar para lhe chamarem um clássico, os treinadores têm que magicar alguma coisa. Um jogador amigalhaço do banco a entrar a titular, uma tática mudada à última hora, uma jogada combinada num livre. Quem inventa põe-se a jeito de o risco ser tanto que o caldo pode acabar entornado. Mas o caldo sabe bem melhor quando quem arrisca o consegue manter na tigela. E mesmo que não tenha parecido, Jesus decidiu por o leão a pegar na colher como não costuma.

O dérbi arrancou rasgado, ritmo dos altos, jogadores a correrem muito e a pensarem pouco. Quando os cartuchos de pólvora seca acabaram começou-se a saborear algo que não costuma chegar ao paladar de quem prova um caldo verde e branco. Slimani andava solto, mais fora da área do que dentro, mais amigo dos lados do que do centro do relvado. Quando o Sporting tinha a bola via-se o avançado alto, grande e dos golos-só-de-encostar longe da área e o pequeno, matreiro e ágil lá metido dentro, no meio dos centrais. Slimani fazia o que Téo Gutiérrez costuma fazer e isso não era normal. E os encarnados baralhavam-se porque Samaris estava sempre a ir ajudar o lateral que levava com o argelino enquanto Luisão e Jardel achavam aquilo tudo muito estranho.

Daí que quando André Almeida, sozinho e acabado de recuperar uma bola, teve que decidir rápido o que fazer e Adrien percebeu que o adversário só podia decidir uma coisa — um passe rasteiro para a frente –, era Téo quem estava na área. O colombiano colocou-se atrás de Eliseu, o capitão leonino lembrou-se que o lateral tem rins pesados e passou-lhe a bola para as costas. Um ressalto depois e o 1-0 estava dentro da baliza encarnada. Slimani continuou sem aparecer na área e Luisão habitou-se a vê-lo pouco por lá. Tanto que da única vez que o argelino foi lá espreitar se notou que o brasileiro foi apanhado desprevenido — quando Jefferson, na esquerda, puxava a perna atrás para cruzar, o argelino estava a aparecer à frente do capitão do Benfica. Usou a cabeça para se antecipar e fez o 2-0.

Lisboa, 25/10/2015 - O Sport Lisboa e Benfica recebeu esta tarde o Sporting CP no Estádio da Luz em jogo a contar para a 8º jornada da I Liga 2015/2016. Jorge Jesus (Filipe Amorim/Global Imagens)

Foto: Filipe Amorim/Global Imagens

O terceiro golo não foi seu, mas deu para Slimani dar uma pista do que passaria a vida a fazer depois. O Benfica marcou um canto, os leões cortaram a bola e puseram-na logo nos pés do argelino. Foi ele a dar boleia ao contra-ataque que lhe deu espaço para chegar à área encarnada e rematar para Júlio César defender. O avançado foi forreta e não passou a Bryan Ruiz, que sprintava na esquerda para o acompanhar, mas o guarda-redes brasileiro emendou isto — defendeu a bola para o lado e meteu-a nos pés do costa-riquenho, que usou a recarga para fazer o 3-0. Em 36 minutos o Benfica provava um caldo fora do prazo há 56 anos: desde 1959 que os encarnados não sofriam três golos em casa antes do intervalo.

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A sopa não lhes passou a saber melhor na segunda parte. A atacar o Benfica tinha muito pouco de Jonas e demasiadas bolas nas alas. Samaris e Fejsa mal participavam nas jogadas e Gaitán estava tão marcado que devolvia as bolas que lhe passavam. A parte de defender não era melhor porque demoraram a atinar com o que a outra coisa que o Sporting fez e que não costuma tentar. Os leões tornaram-se amigalhaços do contra-ataque. Adrien e William encostaram-se à linha da defesa, convidaram o adversário a arriscar e confiaram que a organização da equipa lhes ia dar muitas bolas roubadas.

“Não vou falar muito disso, para que não digam que sou um espertalhão: ‘Olha este, só porque venceu por 3-0, vem agora dizer que por isto ou por aquilo’. Mas foi.”

Deu mesmo e assim que as recuperavam acontecia sempre a mesma coisa: bola rasteira em Slimani, logo na frente, para o argelino esperou o que fosse preciso até João Mário aparecer a correr, de frente para a baliza. Com dois passes os leões passaram a inventar éne contra-ataques que mostravam como Rui Vitória se enganara antes do dérbi — era o Benfica que parecia ter 11 jogadores e o Sporting a equipa. Os encarnados, quando tinha de correr para trás, só olhavam para a bola e esqueciam o espaço. Ruiz, Adrien, Téo e João Mário trocavam os passes como queriam, lentos e com calma. Os leões erravam porque erravam e não por serem forçados a errar. O Benfica apenas começou a melhor quando Fejsa deixou de estar a mais em campo e saiu para Pizzi ir a jogo — o sérvio entrara em campo ao intervalo. Rui Vitória reconhecia o tiro ao lado e o novo médio deu mais passes certeiros e rapidez à equipa. Houve um remate perigoso de Samaris, um roubo de bola na raça de Jiménez junto à área e Gaitán e Mitroglou a fazerem a penáltis que o árbitro não apitou, e pouco mais. Ou nada mais.

A hora e meia de dérbi na Luz mostrou como os dois rivais serviram caldos bem diferentes ao costume. Na tigela do Sporting viu-se como tudo ganha outro sabor com William em campo. E como colocar Slimani a portar-se como nunca se tinha portado (na primeira parte) e a equipa a jogar como não costuma (na segunda) baralhou as contas ao adversário. No prato do Benfica viu-se uma equipa a querer partir para cima de outra e a ter mais fome do que barriga quando já mostrou esta época que joga bem melhor nas alturas em que esperar para ver como a outra equipa lhe pretender fazer mal.

Os encarnados tentaram sempre resolver os problemas correndo mais e mais rápido sem darem um tempo à cabeça para dar a volta ao que um treinador magicou para derrotar o Benfica. Jorge Jesus regressou à Luz, ganhou, igualou o melhor resultado de sempre dos leões neste estádio (3-0) e aumentou para oito pontos a vantagem sobre os rivais no campeonato (o Benfica tem menos um jogo). Às vezes compensa inventar para não se jogar como de costume.