O número dois do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em Luanda, partido do presidente José Eduardo dos Santos, critica “os adversários políticos e algumas entidades dentro e fora de Angola” de tentarem pressionar o presidente a interferir nos tribunais para solucionar o caso de Luaty Beirão e dos 14 companheiros em prisão preventiva. Ao mesmo tempo, o vice-Procurador-Geral da República justifica a prisão porque “as consequências de uma eventual rebelião seriam incalculáveis“. Já o General Bento dos Santos ‘Kangamba’ critica as pessoas que em Portugal sempre foram contra Angola, “tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda”.

O número dois do MPLA em Luanda, Jesuíno Silva, considera “estranho” que o embaixador português em Luanda tenha ido visitar Luaty Beirão, “em total desrespeito” pelas leis internas e que configuram “autênticas ingerências em assuntos internos”.

Jesuíno Silva afirma que “os portugueses têm muito com que se preocupar”, lembrando a polémica envolvendo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, “que recentemente agitou a sociedade portuguesa, precisamente porque os arautos da democracia diziam que as declarações feitas por este a uma rádio angolana atentavam contra os princípios republicanos e os ideais do 25 de Abril. O dirigente refere-se a outubro de 2013, quando Rui Machete pediu desculpas diplomáticas a Angola pelas investigações judiciais que estão a decorrer em Portugal contra altos nomes da diplomacia angolana.

Já este domingo, o editorial do Jornal de Angola afirmava que a recente visita do embaixador português em Luanda a Luaty Beirão abria “um precedente grave” e acusava Portugal de “ingerência desabrida” e “cruzada anti-angolana”.

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Prisão não é “para restringir a liberdade de expressão”

Em declarações à Televisão Pública de Angola, o vice-procurador-geral, Hélder Pita Grós insiste na acusação de que o objetivo dos detidos era a alteração do poder político, pelo que “houve de facto a necessidade de intervenção para não permitir que houvesse uma insurreição na sociedade, uma situação que qualquer um de nós não saberia o que fazer, porquanto os estudantes não poderiam sair para irem às aulas, os trabalhadores para os seus serviços e todo o mundo seria afetado”, explica. O magistrado nega que a prisão preventiva tenha como objetivo “restringir a liberdade de expressão”.

“As consequências de uma eventual rebelião seriam incalculáveis. Isso teria um efeito de bola de neve. Inicialmente, podia parecer que nada acontecesse, mas na verdade tudo podia acontecer e, como se diz, mais vale prevenir do que remediar e, às tantas, não teríamos como remediar.”

O luso-angolano Luaty Beirão está em greve de fome há 36 dias por considerar estar ilegalmente em prisão preventiva e exige aguardar julgamento em liberdade, conforme prevê a lei angolana para este tipo de crime, ou que a prisão preventiva seja devidamente fundamentada. Há 25 dias que os 15 ativistas acusados de preparação de uma rebelião e de um atentado contra o Presidente angolano aguardam que o Tribunal Supremo se pronuncie sobre o pedido de ‘habeas corpus’, alegando excesso de prisão preventiva.

Hélder Pita Grós diz que o grupo já estava a dar “formações para que fossem para os bairros mobilizar estudantes e trabalhadores para todos saírem à rua”. “Não sabemos o que poderia acontecer de concreto, mas uma coisa é certa: a ordem e tranquilidade pública iriam ser seriamente afetadas”, acrescenta.

Várias personaliddes portuguesas assinaram uma petição pela intervenção do governo português na libertação de Luaty Beirão. O documento conta com quase 13 mil assinaturas, entre as quais o músico brasileiro Chico Buarque e o cineasta norte-americano Gus Van Sant.

Em declarações à Agência Lusa esta segunda-feira, o General Bento dos Santos ‘Kangamba’, sobrinho do presidente José Eduardo dos Santos, também acusa Portugal de ingerência e aproveita para criticar o país. “Se eu fosse português pensava 20 ou 30 vezes antes de falar sobre um estrangeiro. Primeiro tenho que arrumar a minha casa e depois falar sobre os outros“.

Ao mesmo tempo que diz que Portugal “é um grande país” e que “tem grandes políticos”, lamenta a falta de “consciência jurídica e política para se defender nem defender os angolanos”. E acusa os portugueses de tentativa de ingerência nos assuntos angolanos ao longo dos 40 anos de independência.

“As pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado soberano.”