Os cinco melhores

A Natureza das Coisas, de Lucrécio (Relógio D’Água)
Obra fundadora da cultura ocidental, o poema filosófico Da Natureza das Coisas teve este ano a sua primeira edição em mais de cem anos. Mais uma vez, é pela mão da editora Relógio D’Água que podemos rejubilar: temos novamente disponível o poema de Tito Lucrécio Caro (94 a.C.- 50 ou 51 a.C.), traduzido diretamente do latim por Luís Manuel Gaspar Cerqueira. Da Natureza das Coisas ou De Rerum Natura, que tanto influenciou escritores como Virginia Woolf, Michel Houellebecq ou Italo Calvino, foi escrito há mais de dois mil anos e permaneceu desconhecido durante cerca de um milénio e meio — uma história feita dos tais “acasos” e “acidentes” que o próprio Lucrécio disse explicarem o humano. Contra a ditadura da morte e do esquecimento, o texto está ainda aqui, ao alcance das nossas mãos, dos nossos sentidos e do nosso deslumbramento.

Húmus, de Raul Brandão (Relógio D’Água)
Em quase 100 anos foram feitas várias edições da obra maior de Raul Brandão, mas esta, com a chancela da Relógio d’Água traz como bónus uma excelente introdução da académica Maria João Reynaud. O texto, de leitura instigante, mostra como Húmus, na sua dimensão poética, nas suas ligações e complexidades é ainda hoje um OVNI na paisagem literária portuguesa. Um livro que nos fascina e repele e que para sempre fugirá à nossa total compreensão e que poderemos juntar a outros dois: o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, e Os Passos em Volta, de Herberto Helder.

Linguagem, Tradução, Literatura, de Walter Benjamin (Assírio & Alvim)
A edição que a Assírio lançou desta obra de Benjamin, com tradução, comentário e aparato crítico de João Barrento é claramente superior à que circulava nas livrarias portuguesas há vários anos. Esta obra, com os seus textos “A linguagem em geral e a linguagem humana”, “A tarefa do tradutor” ou “O contador de histórias”, é fundamental para compreender a estrutura conceptual da obra do filosofo. Mais: é fundamental para compreender que o destino das palavras não é a comunicação mas a nomeação. E que a linguagem não é um instrumento técnico das sociedades burguesas. Ela é sobretudo comunicação do não comunicável. Neste século XXI em que a comunicação humana está cada vez mais tecnológica e maquínica ler este livro é urgente.

Romance, Helder Macedo (Presença)
Este livro, que marca o regresso de Helder Macedo à lírica, é o acontecimento mais marcante da poesia portuguesa do ano que passou. Como tal, é provável que ninguém dê por nada. Anti-poesia coloquial, tão em voga no nosso mainstream poético, anti-poesia do quotidiano dos eternos jovens da Averno. Anti-poesia fraude a imitar a Poesia 61, o Herberto Helder e o Ruy Belo, Romance tem tudo para não ser lido. É poesia densa, simbólica, carregada de metáforas e elipses, jogos de linguagem, jogos de identidades e jogos amorosos. Tem um tom deliciosamente demodé, antiquado, da poesia de Bernardim ou Camões, que já não sabemos ler. Ao mesmo tempo, é poesia que assume o risco de andar por terrenos novos. Um livro que é experiência e testemunho desse rio caudaloso da poesia portuguesa.

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O Salão Vermelho, August Strindberg (E-Primatur)
August Strindberg, pai da modernidade literária, genial, louco e impiedoso, escreveu mais de 90 obras mas só tem três traduzidas em português. Para se perceber a tragédia (nossa) desta falta leia-se o romance acabado de lançar pela E-Primatur, O Salão Vermelho. A partir de um salão de jovens aspirantes a poetas, pintores, atores e filósofos, Strindberg desmonta as várias camadas de mentiras, cobardias, perversões que erguem a cidade dos Homens. A lucidez e a atualidade deste livro escrito em 1879 mostram porque é que alguns escritores permanecem vivos séculos fora e outros morrem num mês.

O Pior

Pior é termos passado mais um ano a editar, a investir em lixo e não em literatura. O pior foi continuar a faltar-nos por exemplo uma versão em verso da Eneida, de Vergílio, o poeta de Brindisi. Já temos as excelentes edições da Cotovia da Ilíada e da Odisseia, das obras de Ovídio, mas falta-nos este grande clássico (ou melhor, só existe uma versão em prosa). A cultura de um país mede-se mais pelos clássicos que não se leram do que pelas novidades que o vento leva.

[Veja nesta fotogaleria as capas dos livros escolhidos por Joana Emídio Marques]

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