A Associação dos Lesados e Indignados do Papel Comercial do BES congratulou-se com a solução encontrada para recapitalização do Novo Banco, considerando legítimo que os investidores não institucionais sejam discriminados positivamente porque ignoravam o risco dos respetivos investimentos.
“Os investidores institucionais têm capacidade e qualificações para perceber os investimentos, enquanto os investidores não institucionais não as têm. Nós somos clientes de retalho a quem foram vendidos produtos que estavam totalmente falidos, [mas] não tínhamos capacidade de ir verificar as contas das empresas, enquanto os investidores institucionais tinham”, afirmou o presidente da associação em declarações à agência Lusa.
Para Ricardo Ângelo, “quando o sistema financeiro e, principalmente, os reguladores e os gestores bancários e das entidades financeiras não funcionam, quem deve ser lesado é o sistema financeiro e não as pessoas e os aforradores”.
O presidente da Associação dos Lesados e Indignados do Papel Comercial do BES comentava, assim, a solução avançada na terça-feira pelo Banco de Portugal para capitalização do Novo Banco em quase dois mil milhões de euros provenientes de títulos de dívida, suportados por grandes obrigacionistas, nomeadamente investidores qualificados como bancos ou fundos de investimento.
Conforme admitiu hoje à Lusa a Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM), esta solução pode vir a ser contestada judicialmente por parte dos grandes investidores, já que “viola” o princípio do “tratamento igual dos detentores das mesmas categorias de valores mobiliários”.
Sustentando que “os investidores institucionais têm tempo para esperar” por uma decisão judicial relativamente aos valores que investiram no ex Banco Espírito Santo (BES), o presidente da associação dos lesados destaca que os investidores não institucionais têm, em 70% dos casos, “mais de 65 anos de idade” e “não podem esperar”.
“Estas poupanças eram as que iam colmatar as parcas reformas que as pessoas têm neste país. Daí nós insistirmos numa solução célere para estas pessoas que não podem esperar pelos tribunais portugueses, que infelizmente demoram 10/15 anos a resolver uma situação destas”, considerou.
Congratulando-se com a “notória mudança de paradigma” do novo Governo liderado pelo socialista António Costa na abordagem aos problemas do sistema financeiro português, Ricardo Ângelo reitera que o princípio tem de ser “não lesar mais quem poupou e aforrou”.
“Essa mudança de paradigma, que é fundamental, vai restabelecer a confiança dos depositantes e dos investidores não institucionais”, disse, considerando haver agora mais condições por parte do Novo Banco para resolver a situação dos lesados do papel comercial do BES.
“A partir do momento em que o Novo Banco tem agora capacidade e, acima de tudo, capital para poder cumprir com a sua palavra, que foi pagar aos seus clientes de papel comercial, o que garantiu sempre durante seis meses após a resolução, que o faça”, afirmou, defendendo que “a única forma de o banco ser vendido de forma adequada é restabelecendo a confiança dos seus clientes”.
“Agora que tem o capital necessário para isso que o faça, é o que nós apelamos para o bem da estabilidade do sistema financeiro”, afirmou, acrescentando que os lesados têm, contudo, “tudo montado para continuarem com os protestos caso não haja vontade para resolução do problema”.
O Banco de Portugal decidiu na terça-feira retransmitir para o BES a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas ou seniores por este emitidas e que foram destinadas a investidores institucionais, cujo montante é de 1.941 milhões de euros.
“Por força desta retransmissão, o Novo Banco deixou de ser o devedor responsável pelas referidas emissões de obrigações, as quais passam a integrar o balanço do BES”, refere a informação enviada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
O esclarecimento do Banco de Portugal tornado público na terça-feira relativo a responsabilidades futuras do Novo Banco consta do comunicado divulgado no mesmo dia no qual o supervisor e regulador bancário anunciaram que foi decidido passar para o ‘banco mau’, o BES, as obrigações não subordinadas destinadas a investidores institucionais (como fundos de investimento, públicos ou privados) que ficaram no Novo Banco. As emissões com obrigações seniores afetadas têm vencimento entre 2016 e 2024.
Com esta medida – que altera a que tinha sido tomada após a resolução do BES, quando o Banco de Portugal decidiu não imputar perdas aos credores seniores ao transmitir a dívida não subordinada do BES para o Novo Banco – o capital da instituição agora liderada por Stock da Cunha é reforçado em 1.985 milhões de euros, permitindo assim ao banco entrar em 2016 a cumprir as exigências regulamentares, e sem recorrer diretamente ao dinheiro dos contribuintes.