É aí que tudo muda. Ele baixa o tom de voz, corta-lhe uns bons decibéis, parece que se encolhe para o microfone que continua do mesmo tamanho. É estranho. Parece mais tímido, quase envergonhado por, com 10 minutos já rolados, lhe atirarem as primeiras perguntas em francês. Anthony Lopes responde, pois claro, mas denota timidez, um estou-aqui-ok-mas-não-quero-dar-nas-vistas. São três as respostas que dá em francês e, quer queira, quer não, nota-se que é a língua que domina melhor. Mostra que isto não é coisa que goste de mostrar. Parece uma flor que murcha, nervosa e triste.

Mas isto é já no fim. Anthony Lopes, português, guarda-redes e nascido em França, arranca hirto. Nunca tira os cotovelos de cima da mesa, mantém os braços cruzados enquanto ali está, com uns cinco canhões fotográficos nem a dois metros de si e umas 20 câmaras, lá em cima, a filmá-lo para as televisões. É o primeiro da seleção a aparecer em Marcoussis, perante os jornalistas, e o simbolismo não podia ser maior — um luso-francês da equipa a falar, em França, país onde há mais emigrantes e onde se vai jogar o Europeu. “Claro que é um sentimento muito especial para mim, nasci em França. Estou quase em casa mas estou para defender a seleção de Portugal”, até diz, à terceira resposta, a que lhe arranca o primeiro leve sorriso.

Ele raramente desarma a cara séria. Tem o cabelo agarrado à cabeça, seguro por brilhantina, e fecha a cara em concentração a cada resposta que dá. Fixa um ponto, centra o olhar e fala. Fita nos olhos cada jornalista que lhe dirige uma pergunta, acena levemente com a cabeça a cada “boa tarde” que lhe desejam. Está aqui numa missão e não desarma do objetivo. “Comecei com os sub-17, foi uma decisão fácil, queria jogar pelo meu país, que é Portugal. Foi uma decisão de coração, que tomei sozinho. Agora estou muito contente por estar aqui em França a disputar o Europeu”, explica, em bom português.

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De vez em quando acorda os braços. Coça o queixo, depois um dos cantos da boca, volta a tocar no queixo, passa a mão pela barba, retorna sempre à posição inicial. Tem Onofre Costa, diretor de comunicação da federação, mesmo ao lado, a coordenar as tropas, que são dois rapazes que se encarregam de levar os microfones do jornalista A ao B, consoante as indicações. É para ele que de vez em quando olha, para saber para quem deve olhar e escutar uma nova questão. “Para mim não há problema ficar atrás do Rui [Patrício], é uma decisão do selecionador. Vou continuar a tentar ajudar ao máximo a equipa nos treinos, e o Rui, porque durante o aquecimento do jogo estou atrás dele”, diz, às tantas, quando chega à parte da titularidade que não deverá ter.

Deita fora um suspiro quando alguém o questiona sobre Cristiano Ronaldo e uma suposta dependência: “É um grupo fantástico, é o meu primeiro Europeu, mas todos os 23 jogadores estão a trabalhar bem nos treinos”. Antes de se franzir com a primeira pergunta que ouve em francês, garante não estar ansioso. Baixa o tom, responde na língua que o viu nascer, tenta voar a baixa altitude e até acaba a rir-se. Perguntam-lhe se, por falar francês, conversou com alguém da seleção francesa de râguebi, que pelos vistos também aqui está. Não senhor, diz ele.

Tudo acaba e Anthony Lopes, confirmado o fim, bate com os nós dos dedos na mesa, de ambas as mãos. Levanta-se e fá-lo novamente, enquanto olha em volta e varre o pequeno auditório onde foi esta e serão as outras conferências de imprensa em Marcoussis. Ainda bate com os punhos na mesa, como um baterista que inventa um ritmo, antes de se encaminhar dali para fora. Falou aos jornalistas e a toda a gente em bom português. Está feito Anthony Lopes.