Sábado, 23 junho de 1984. O estádio era o Vélodrome, em Marselha. O mesmo Vélodrome (hoje remodelado, coberto, mas com a mesmíssima curvatura de então nas bancadas) onde Portugal vai defrontar a Polónia esta quinta-feira, nos quartos-de-final do Euro 2016. Mas voltemos a 1984 e à noite em que a seleção disputava pela primeira vez (e logo no seu primeiro Euro) uma partida a eliminar da prova. Era a semi-final. Portugal não disputou, como hoje, nem oitavos-de-final nem “quartos”. Porquê? Porque o Euro 84 tinha apenas oito equipas e somente dois grupos, encontrando-se os primeiros e segundos classificados desses grupos diretamente na fase a eliminar.

A seleção portuguesa (a dos “Patrícios”, como foi apelidada) passeou-se por França nesse verão. E o que “passeou” não foi o corpo, mas o talento que o corpo carregava.

No Grupo 2, começou por vencer a Roménia (de László Bölöni, de Gheorghe Hagi, dois médios do melhor que na Europa se via à época) com um golo de Nené. Seguiram-se dois empates, primeiro com a Espanha (1-1) de Santillana e Butragueño (a mesma parelha que tanto molhava a sopa no Real Madrid), depois com a Alemanha (0-0) de — e aqui são muitos e bons! — Schumacher, Briegel, Matthaus, Voller ou Rummenigge. Os alemães ficar-se-iam por aí, pelo Grupo 2, enquanto portugueses e espanhóis seguiriam em frente, com a Espanha em primeiro por causa da diferença de golos.

E foi assim que chegámos a Marselha e à semi-final. E de Marselha, Portugal só seguiu de volta a casa. Acabou-se o Euro 1984 ali. Culpe-se Michel Platini, que aos 119′ do prolongamento, e depois de assistência de Tigana, nos eliminou. A França venceria (2-0) a Espanha na final e sagrar-se-ia campeã. Platini voltou a marcar (fez nove golos em cinco jogos, um recorde até hoje; Ronaldo tem oito golos, mas tem também quatro participações no Euro e o francês fê-los todos numa só) e Bruno Bellone “arrumou” com os espanhóis aos 90′.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

MARSEILLE, FRANCE - JUNE 23: Max Bossis (L) of France challenges Chalana of Portugal during the UEFA European Championships 1984 Semi-Final match between France and Portugal held on June 23, 1984 at the Stade Velodrome in Marseille, France. (Photo by STAFF/AFP/Getty Images)

Chalana e Bossis, na semi-final de Marselha em 1984 (Créditos: STAFF/AFP/Getty Images)

A França era a de Bats, Battiston, Platini, Tigana, Fernández ou Giresse. Mas em talento, puro e duro, Portugal não lhe era assim tão inferior. Não naquele Euro. Bento era o guarda-redes e Damas o seu suplente. Venha o diabo e escolha qual deles o melhor. João Pinto e Álvaro Magalhães tomaram para si as laterais da defesa, uma defesa que tinha ao centro Eurico Gomes. Jaime Pacheco, António Sousa e Carlos Manuel partilhavam o meio-campo. O ataque era, à vez, de Jordão e Nené — mas Fernando Gomes também por lá andava. Para o fim ficam as alas. A direita era de Diamantino – e Diamantino era bom. Mas à esquerda estava um tal de Fernando. Apelido: Chalana. Os franceses não o conheciam. Mas daí em diante seria para eles “Chalanix”, pelo farfalhudo bigode, pela guedelha encaracolada que tinha, mas sobretudo pela velocidade com que a canhota de Chalana transportava Portugal para o ataque. O camisola quatro acabaria, depois do Euro, no Bordéus de Aimé Jacquet.

Um “chapéu” chamado Poborsky

Em 1996, no Europeu de Inglaterra, Portugal chegaria, por fim, aos “quartos”. Para isso, teve que vencer o Grupo D, qualificando-se à frente de Croácia, Dinamarca e Turquia. E começou por golear (3-0) os croatas, os mesmos que seriam terceiros no Mundial 98, e que tinham uma seleção que impunha muito respeitinho: Boban, Prosinecki, Jarni ou Suker. Depois, Portugal “arrumou” a Turquia com um golo só; marcou Fernando Couto. E fechou a primeira fase com um empate (1-1) diante do campeão da Europa em título, a Dinamarca – que em 1992 não teve Michael Laudrup, mas em Inglaterra sim.

Nos quartos-de-final, no Villa Park em Birmingham, um “chapéu” de Karel Poborsky a Vítor Baía tirou do Euro a “geração de ouro” portuguesa, a de João Pinto, Rui Costa, Paulo Sousa ou Luís Figo.

23 Jun 1996: Korel Poborsky of the Czech Republic takes on Joao Pinto of Portugal during the European Championship quarter-final at Villa Park in Birmingham, England. Czech Republic won the match 1-0. Mandatory Credit: Clive Brunskill/Allsport

João Pinto e Poborsky, adversários nos “quartos” do Euro 96, seriam colegas no Benfica pouco tempo depois (Créditos: Clive Brunskill/Allsport/Getty Images)

Mas a tal geração voltou a reluzir em 2000, não com António Oliveira, mas com Humberto Coelho no banco. Era o Euro da Bélgica e da Holanda.

A reviravolta épica saída dos pés de Figo

À terceira participação, Portugal voltou a seguir em frente na fase de grupos, mas desta vez só com vitórias. Começou por derrotar a Inglaterra numa reviravolta épica – o golo de Luís Figo, o do 2-1, é ainda hoje um dos melhores de sempre em Europeus –, venceu a Roménia perto do fim com uma cabeçada de Costinha, e venceria depois a Alemanha com um hat-trick “perfeito” de Sérgio Conceição: marcou de pé direito, esquerdo e com a cabeça. Oliver Kahn não mais se esquecerá daquela noite de Roterdão. Ah, e Portugal (apurado para os “quartos” desde a vitória com a Roménia) até entrou de início com mais suplentes do que titulares.

Chegado aos quartos-de-final, Portugal apanhou pela frente a Turquia (que era a de Hakan Sukur e “mais dez”) e derrotou-a por 2-0; Nuno Gomes bisou. Se em 84 não teve “quartos” e em 96 não os conseguiu passar, em 2000 estaria nas meias-finais, novamente contra a França. Nuno Gomes, sempre ele, abriu a contagem com um golo à meia volta que Barthez só seguiu com os olhos, Henry reduziu depois, e Portugal só cairia no Roi Baudouin de Bruxelas com um golo de ouro francês aos 105′, de penálti, e apontado por Zidane. Se foi penálti? Ainda hoje Abel Xavier diz que não.

28 Jun 2000: Abel Xavier of Portugal holds his head after the European Championships 2000 semi-final against France at the King Baudouin Stadium in Brussels, Belgium. France won the match 2-1 with a golden goal in extra-time. Mandatory Credit: GrahamChadwick /Allsport

Foi uma mão (propositada ou não) na bola de se deitar as mãos à cabeça, Abel… (Creditos: GrahamChadwick/Allsport/Getty Images)

O título grego e as lágrimas lusas

Portugal estava em casa no Euro 2004. E via estrear-se em Europeus um tal de Cristiano Ronaldo, então com 19 anos, rosto borbulhento e talento a transbordar nas botas.

Mas começou mal, perdendo com a Grécia, no Dragão, logo a abrir. Uma partida que só valeu pelo golo de Cristiano Ronaldo, o primeiro de muitos que marcaria pela seleção. Nuno Gomes derrotou a Espanha no sim ou sopas (perder era quase dizer adeus ao “nosso” Euro), mas antes já Portugal tinha vencido (2-0) a Rússia.

Nos “quartos”, tudo foi épico para nós. Owen marcou primeiro para a Inglaterra, passou-se uma partida inteira até que (83′) Postiga empatou, no prolongamento Rui Costa fez um golo na “gaveta”, mas aos 115′, cinco minutos depois do golo português, Lampard voltou a deixar tudo na mesma: 2-2. Nos penáltis, Ricardo tirou as luvas e defendeu um remate de Darius Vassell sem elas. Épico.

LISBON, PORTUGAL - JUNE 24: Darius Vassell of England has his penalty saved by goalkeeper Ricardo of Portugal during the UEFA Euro 2004 Quarter Final match between Portugal and England at the Luz Stadium on June 24, 2004 in Lisbon, Portugal. (Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

Não só Ricardo defendeu de mãos “ao leu”, como ainda foi marcar o penálti decisivo a seguir (Crédtios: Shaun Botterill/Getty Images)

O jogo das meias-finais contra a Holanda valeu pelo golo (também na “gaveta”, como o de Rui Costa) de Maniche. O problema é que Jorge Andrade “reduziu” (2-1) para a Holanda na própria baliza, aos 63′, e Portugal acabou o jogo com o credo na boca. A Holanda, e citando Quinito, colocou “a carne toda no assador” (e entenda-se por “carne” Ruud van Nistelrooy, Roy Makaay ou Pierre van Hooijdonk) e Scolari teve que fazer entrar Fernando Couto nos descontos para o que desse e viesse.

Veio a final. E veio novamente a Grécia. E veio um tal de Charisteas matar-nos o sonho aos 57′, de cabeça, no Estádio da Luz.

A vingança alemã

Portugal voltou aos “quartos” no Euro 2008, na Suíça. E foi por lá que se ficou. Venceu como se lhe pedia a fase de grupos, derrotou (2-0) a Turquia logo a abrir, também venceu (3-1) a República Checa, terminando derrotado (dois “secos”) pela Suíça – mas já estava apurado, diga-se.

O pior veio depois. E o “pior” chama-se Alemanha.

Longos dias tinham os 3-0 do Euro 2000 e o hat-trick de Sérgio Conceição. Em Basileia, à passagem dos 26′ já os alemães venciam por 2-0, com golos de Schweinsteiger e Klose. Nuno Gomes reduziu ainda na primeira parte, Ballack “arrumou” com o jogo pouco depois, e Postiga ainda deu honra à derrota (3-2) em cima do final. A Alemanha perderia a final para a Espanha. Ora toma!

BASEL, SWITZERLAND - JUNE 19: The Portugal team pose during the UEFA EURO 2008 Quarter Final match between Portugal and Germany at St. Jakob-Park on June 19, 2008 in Basel, Switzerland. (Photo by Alex Livesey/Getty Images)

A “colheita” portuguesa era bom, mas no fim ganhou (lá dizia Gary Lineker) a Alemanha (Créditos: Alex Livesey/Getty Images)

Perder com o “bi”

Em 2012, no Euro que a Polónia e a Ucrânia organizaram a meias, Portugal voltou a encontrar a Alemanha. Mas ainda na fase de grupos. E acabaram os alemães por ser aí primeiros e Portugal segundo. A Dinamarca e a Holanda voltaram para casa mais cedo. Portugal venceu os dinamarqueses e os holandeses, sempre pela margem mínima, 3-2 e 2-1, só perdendo com a Alemanha — mas também por pouco: 1-0, marcou Mario Gómez.

Nos “quartos” de Varsóvia, calhou-nos em sorte a República Checa. E a eles, aos checos, calhou-lhes em azar Cristiano Ronaldo, que fez o 1-0 aos 79′ e qualificou Portugal para as meias-finais. Estava “vingada” a chapelada de Poborsky em 1996.

WARSAW, POLAND - JUNE 21: Cristiano Ronaldo of Portugal celebrates scoring the opening goal with a header past Petr Cech of Czech Republic during the UEFA EURO 2012 quarter final match between Czech Republic and Portugal at The National Stadium on June 21, 2012 in Warsaw, Poland. (Photo by Michael Steele/Getty Images)

Tal como Vítor Baía nos “quartos” de 1996, também em 2012 Petr Cech foi buscar a bola ao fundo da baliza. Mas sem “chapéu” (Créditos: Michael Steele/Getty Images)

Uma derrota é sempre uma derrota. Mas há um cair com estrondo e um cair de pé. Portugal caiu na meia-final com a Espanha, mas “de pé”, só sendo eliminado nas grandes penalidades desse jogo. Talvez assim doa mais. Talvez não. Mas afinal, Portugal perdeu com o campeão em título, um campeão que seria “bi”, depois de vencer a final do Euro 2012 contra a Itália. Ah, mas houve um português nessa final: Pedro Proença.

Como será agora, em 2016, é a pergunta do milhão de euros. Uma coisa é certa, se Portugal vencer, defrontará a Bélgica ou o País de Gales na meia-final. É difícil, sim. Mas pelo menos não são os “tubarões” que estão na outra metade da fase a eliminar: Alemanha, Itália e França – mais um “tubarinho”, a Islândia.