Os médicos internos que não conseguiram vaga no concurso de especialidade que decorreu no final do ano passado mas que ficaram, “a título excecional”, a exercer funções no Serviço Nacional de Saúde (SNS), deverão ficar sem contrato de trabalho já no próximo ano. É esta a determinação que o Governo inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2016, que entregou, esta tarde, no Parlamento.

A ideia é que os contratos assinados a 1 de janeiro de 2015, quando esses médicos entraram para o ano comum (o primeiro ano do internato médico, que se segue à licenciatura), não excedam a data em que se inicie, em 2017, o programa de formação especializada. E essa formação arrancará, para os médicos que se voltarem a candidatar, em julho de 2017. Resta a dúvida, da leitura do artigo, se esta norma se aplica a quem não conseguir iniciar essa formação.

Em causa estão cerca de meia centena de médicos que têm estado “à deriva” no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e “à mercê da boa vontade das instituições”, conforme resumiu ao Observador Filipa Ferreira, uma das médicas afetadas pela falta de vaga no concurso da especialidade, e que não esperava ver o seu vínculo ao SNS terminar assim de um momento para o outro. “O nosso contrato diz que dura até atingirmos o grau de especialista. Por isso é que não percebemos como podem terminar assim um contrato.”

Estevão Soares dos Santos, presidente da Associação de Médicos pela Formação Especializada (AMPFE), vê com muitos maus olhos esta medida e, sem ter ainda consultado advogados, antecipa já a ilegalidade da mesma e admite ir para Tribunal, caso a medida avance.

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“Se esta informação se confirmar, teremos de, em conjunto com os advogados da associação, ver qual será a melhor forma de atuar. Mas a mim parece-me que é ilegal terminar o contrato destes colegas assim. É uma ordem de despedimento encapotada”, afirmou ao Observador Estevão Soares dos Santos, explicando que estes médicos ainda assinaram um contrato de trabalho em funções públicas a termo incerto, ao abrigo do anterior Regime Jurídico do Internato Médico (que entretanto mudou em junho do ano passado).

“O contrato dos colegas que assinaram o contrato em janeiro de 2015, quando iniciaram o ano comum, foi assinado ao abrigo do antigo decreto-lei e o que lá diz é que o contrato é a termo incerto e que o único termo resolutivo é a obtenção do grau de especialista. Não existe nada na lei, nem no novo regulamento do internato médico que estabeleça outro termo de resolução”, acrescentou.

O médico contou ainda que a situação destes médicos, que começaram por ser 114 mas, entretanto, passaram para cerca de 50 (alguns emigraram, outros saíram do SNS e foram trabalhar para empresas de prestação de serviços), tem sido levantada nos últimos meses até junto da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que ja terá dito aos mesmo “não ser matéria da ACSS”.

“Sinto-me completamente defraudada”

Esses médicos podiam ter voltado a candidatar-se novamente, tendo escolhido a especialidade em junho deste ano, e fazendo o exame agora — o que lhes permitiria voltar a assinar contrato em janeiro –, mas nem todos aceitaram fazê-lo, como é o caso de Filipa Ferreira.

“Sinto-me completamente defraudada. Tem sido horrível. Existe uma disparidade de critérios enorme de norte a sul do país e neste momento estamos mesmo dependentes da boa vontade das instituições em que estamos inseridos porque não há normas para médicos, como nós, que não têm especialidade”, descreveu Filipa Ferreira ao Observador.

Não havendo nenhuma portaria que defina o que estes médicos podem ou não podem fazer, há exemplos de tudo. “Ou estamos inseridos nos serviços de medicina interna, ou em centros de saúde, mas no gabinete com um médico especialista, ou nas urgências a fazer trabalho de tarefeiros, alguns sozinhos, outros dependentes da boa vontade dos colegas mais velhos.”

“Estes médicos ficam sem um grau atribuído. Não existe nenhuma carreira para estes médicos. O que até é violador das normativas europeias”, rematou Estevão Soares dos Santos, frisando que continuam até hoje à espera do despacho da ACSS, que defina as regras para estes médicos poderem exercer funções no SNS.