Desde que chegou ao Governo, em novembro de 2015, o PS tem governado com base nos acordos desenhados e assinados com o PCP e o Bloco de Esquerda antes da aprovação do programa de Governo em 2015. Muitas das medidas acordadas foram cumpridas com o Orçamento de 2016: eliminação dos cortes salariais e restituição das 35 horas de trabalho semanal na função pública, diminuição do IVA na restauração ou reversão das privatizações nas empresas de transportes públicos.

Mas há mais medidas estipuladas nos acordos que, ou não foram executadas ou ainda estão em vias de o ser. António Costa sempre garantiu que “palavra dada era palavra honrada“. É o que vamos ver.

Eliminação da sobretaxa estava na lei, mas…

Era o segredo mais mal guardado deste Orçamento: a sobretaxa de IRS era ou não eliminada de forma definitiva a 1 de janeiro de 2017? É certo que nos acordos assinados entre os partidos e o Governo não havia calendário: lia-se apenas a intenção de eliminar a sobretaxa. Em dezembro de 2015, porém, a maioria de esquerda no Parlamento aprovou uma lei que dizia preto no branco que a sobretaxa de IRS seria eliminada de forma faseada em 2016 e que desaparecia definitivamente com a entrada do Orçamento para 2017.

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Acontece que ao contrário do que estava previsto na lei, a sobretaxa do IRS não vai ser eliminada a 1 de janeiro de 2017. O Governo socialista acabou por optar por uma solução faseada: ao contrário do que pretendiam Bloco de Esquerda e PCP, a sobretaxa só acaba para todos os contribuintes em novembro de 2017. Mas sofre reduções de acordo com o rendimento coletável, numa lógica de que os que ganham menos só pagam sobretaxa nos primeiros três meses do ano, os que ganham mais pagam ainda durante o primeiro semestre, e os que ganham ainda mais pagam sobretaxa o ano quase todo (até novembro). Só em dezembro de 2017 se poderá dizer que a sobretaxa desapareceu.

Redução da TSU para trabalhadores — ainda não é desta

No acordo celebrado com o Bloco de Esquerda, os socialistas comprometiam-se a reduzir gradualmente a Taxa Social Única paga pelos trabalhadores com salários até 600 euros até ao limite de 4 pontos percentuais.

Em 2016, o Governo socialista ainda propôs a redução até 1,5 pontos percentuais no esboço que enviou para Bruxelas, mas a medida acabou por cair face à intransigência da Comissão Europeia. O Executivo estimava perder cerca de 130 milhões de euros em receita. A medida ficou adiada para 2017, mas não será este ano que verá a luz do dia.

Revisão do número de escalões no IRS — a esquerda vai ter de esperar

Era outro ponto de honra nas posições conjuntas assinadas à esquerda: o Governo socialista comprometia-se a aumentar da progressividade do IRS, nomeadamente através do aumento do número de escalões.

No entanto, a medida não avançou em 2016 e também não avançará em 2017, ainda que haja uma atualização dos escalões de IRS em linha com a inflação prevista (0,8%). O que é que isto significa na prática? O imposto a pagar vai baixar em todos os escalões.

Défice: as previsões falhadas (Parte I)

No Orçamento para 2016 o Governo comprometia-se a atingir um défice de 2,2%, meta que tem sido frequentemente contestada pela oposição e desacreditada por algumas entidades nacionais e internacionais. Mário Centeno agora compromete-se com 2,4%. Nas últimas análises, em setembro, o FMI estimava um défice para 2016 de 3% (quase igual ao que se registou em 2015, sem contabilizar o efeito do Banif), a OCDE punha a meta nos 2,9%, enquanto o Conselho de Finanças Públicas acreditava nos 2,6%.

Os dados relativos ao primeiro semestre, divulgados pelo INE, deram logo conta de que o défice nos primeiros seis meses do ano tinha ficado nos 2,8%, o que foi visto pelo Governo como um sinal de que a execução orçamental estava a correr como o previsto, devido sobretudo a uma evolução mais favorável da despesa, e que o país chegaria ao fim do ano com o défice em linha com o previsto.

Mas a proposta do OE para 2017 revê em alta e altera a estimativa de 2016 para 2,4%, ainda abaixo do valor mínimo exigido por Bruxelas, que era 2,5. Costa prometeu nos últimos dias que o défice ficaria “confortavelmente abaixo de 2,5%”. A avaliar pelo que se estima no OE, cumpre a meta de Bruxelas mas falha a meta a que se tinha comprometido no Orçamento.

Para 2017 o Governo prevê agora um défice bem mais ambicioso: de 1,6%.

Crescimento: as previsões falhadas (Parte II)

Quando apresentou a sua proposta de Orçamento do Estado para 2016 o Governo previa um crescimento económico de 1,8% do PIB, que seria uma aceleração face aos 1,5% que se verificaram em 2015. Mas afinal, no OE 2017 a previsão é revista e o Governo aponta agora para um crescimento de 1,2% em 2016 e para um crescimento de 1,5% em 2017.

Ou seja, para 2017 o Governo prevê um crescimento ainda inferior àquele que primeiro estimou para 2016.

Aumento das pensões. Feito! (Ainda que Bloco e PCP quisessem mais)

Foi outra das batalhas travadas em campo aberto na preparação deste Orçamento. António Costa e os restantes parceiros de esquerda tinham inscrito nos acordos o compromisso de descongelar e aumentar as pensões. E fizeram-no, embora com evidentes diferenças em relação ao ritmo.

No desenho final do Orçamento do Estado acabou por ficar definida uma subida de 0,8% de todas pensões até €838,44 em janeiro e uma nova atualização para as pensões entre €275 euros até €628,28 que pode chegar a um máximo de €10. Mas só a partir de agosto. Quem tenha uma pensão inferior a €275 não vai receber este aumento extraordinário. Mário Centeno explicou porquê: as pensões acima de €275 “não tiveram [aumentos] no passado”. Foram atualizadas com a inflação enquanto as outras se mantiveram congeladas.

Mas também há boas notícias para quem ganha pensões superiores a 838 euros: até aos 2.515 euros, o aumento é de 0,3% [taxa de inflação menos 0,5, como está inscrito na lei]. As pensões mais altas ficam congeladas.

No futuro, bloquistas e comunistas deverão exigir um aumento mais decidido das pensões. Os comunistas queriam aumentos de €10 para todos, menos para o escalão mais alto.

Reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social: o bolo vai engordar

A receita com o novo imposto sobre o património imobiliário vai para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Este era, de resto, um objetivo transversal a toda à esquerda: encontrar nova fontes para garantir a sustentabilidade da Segurança Social.

O novo imposto vai ser aplicado sobre um valor matricial acima dos 600 mil euros, tem uma taxa de 0,3% e o Governo espera arrecadar uma receita de 160 milhões de euros. Além disso, na Projeção da conta da Segurança Social (2017 a 2060), o Governo socialista espera que o FEFSS cresça dos 14 mil milhões de euros (em 2017) para cerca de 19 mil milhões (em 2030).

É um primeiro passo nas intenções do Governo. A medida fica em amarelo no “promessómetro” porque a primeira intenção do Executivo no sentido de reforçar o FEFSS era investir uma parcela do fundo em reabilitação urbana para depois ter o retorna com as rendas de alugueres de casas.

Gratuitidade progressiva dos manuais escolares: o comboio está em andamento

Em 2016, o Governo avançou com a gratuitidade dos manuais escolares para os alunos do 1º ano do 1º ciclo. Estava dado um primeiro passo nas ambições dos quatros partidos, sobretudo do PCP que sempre fez desta medida uma bandeira: garantir a gratuitidade dos manuais escolares para todos o ensino obrigatório.

Neste Orçamento do Estado, o Executivo de António Costa estende essa gratuitidade a todo ensino básico. O compromisso é conseguir que, até ao final da legislatura, seja cumprido o objetivo inicial. 2018 e 2019 serão anos decisivos para se perceber se a ambição da “geringonça” foi até ao fim.

Recibos verdes. Autorização para legislar

O que estava estipulado no acordo assinado entre o Governo e os partidos da esquerda era “um combate decidido à precariedade, incluindo aos falsos recibos verdes, ao recurso abusivo a estágios e ao uso de contratos emprego/inserção para substituição de trabalhadores”. Mas as desejadas mudanças na forma de os trabalhadores a recibos verdes fazerem os descontos para a Segurança Social não vão avançar já no Orçamento, como o BE e o PCP queriam desde as negociações para o orçamento anterior.

Na proposta do Orçamento do Estado, o Governo pede autorização ao Parlamento para legislar sobre a matéria mais tarde, por decreto, já sem ter de voltar a passar pelo Parlamento.

Quando foi negociado o OE para 2016, o Governo abriu a porta a mudanças, mas decidiu passar o tema para um grupo de trabalho, e este voltou a surgir nas negociações para o orçamento para 2017. Entre as mudanças previstas, está a alteração para uma forma de cálculo dos descontos que terá como referência o rendimento dos meses mais recentes, sendo que os meses em causa ainda têm de ser definidos. O objetivo é também criar um limite mínimo mensal de contribuições que permita assegurar a estes trabalhadores o acesso a prestações como o subsídio de desemprego e doença sem perderem tempo de descontos.

Mais verbas para a Ação Social Escolar. Um primeiro reforço

Era uma das prioridades do PCP e mereceu nota de destaque no site do partido: Orçamento prevê um aumento de verbas para a Ação Social Escolar, nomeadamente um acréscimo de 11,1% para receitas consignadas, “sobretudo devido ao reforço das iniciativas no âmbito da Ação Social Escolar”. No total, para receitas consignadas o orçamento prevê uma verba de 598,2 milhões de euros, quase mais 60 milhões do que no ano passado.

Fim da CES nas pensões e reposição dos cortes na Função Pública

A Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) aplicada às pensões mais elevadas vai deixar de existir, como prometera António Costa em 2016.

E ainda existe outra confirmação: apesar de os salários dos funcionários públicos já não sofrerem qualquer corte no último trimestre de 2016, este Orçamento do Estado marcará definitivamente um momento importante: será a primeira vez desde 2010 que os trabalhadores da Função Pública vão receber os salários sem qualquer corte durante todo o ano.

Benefício em sede de IRC para empresas em zonas fronteiriças

Era um compromisso de honra assumido entre PS e Bloco de Esquerda: as pequenas e médias empresas (PME) que se instalassem no interior do país deveriam ter benefícios fiscais. Neste caso, palavra dada foi mesmo palavra honrada.

De acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2017, as PME que obedeçam a estas condições passam a pagar 12,5% de IRC até aos primeiros 15 mil euros de matéria coletável (a taxa de IRC aplicada atualmente a empresas nestas condições é de 17%).

Tarifa Social da Água. Mais uma vitória para o Bloco

Depois da tarifa social da eletricidade, o Bloco consegue agora a atribuição automática de uma tarifa social no abastecimento de água a nível nacional. O objetivo é replicar o modelo que foi criado este ano para a tarifa social da eletricidade de forma a abranger o mesmo universo de clientes com rendimentos mais baixos.

Mas há um senão importante: na proposta do Orçamento do Estado, o Governo pede autorização ao Parlamento para legislar sobre a matéria.