O papa Francisco, defensor da unidade dos cristãos, vai participar na segunda-feira, em Lund, na Suécia, no 500.º aniversário da Reforma de Martinho Lutero, de mãos dadas com os protestantes.

Esta primeira comemoração ecuménica comum consagrada ao monge católico alemão que provocou o cisma da Igreja no século XVI, é vista como um antídoto para os preconceitos entre católicos e protestantes.

A deslocação do papa suscita o entusiasmo dos teólogos católicos e luteranos. A participação de Francisco é “simplesmente sensacional”, afirmou o pastor luterano Theodor Dieter, consultor principal dos trabalhos comuns.

“É preciso não esquecer que Lutero descreveu o papa como o anticristo e fez severas críticas sobre a Igreja católica romana”, lembrou este dirigente do Instituto de pesquisa ecuménica de Estrasburgo (“think tank” dos luteranos).

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A 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero atacou o comércio de indulgências para perdão de pecados feito pelo papa, afixando as suas “95 teses” na porta de uma capela de Wittenberg, no sul de Berlim. Para financiar os trabalhos de conclusão da basílica de São Pedro, o clero vendia aos fiéis indulgências que pretendiam garantir um acesso rápido ao paraíso.

A rutura originou confrontos sangrentos entre cristãos. “Há três anos, bispos e cardeais da Igreja católica afirmavam que os 500 anos da Reforma não eram matéria de celebração, por o cisma da Igreja ser negativo”, sublinhou Dieter.

Após 30 anos de negociações, a Igreja católica e a Federação Luterana Mundial (LWF) assinaram em 1999 uma declaração comum histórica que permitiu limar algumas divergências doutrinais.

Na perspetiva do 500.º aniversário da Reforma, a comissão para o diálogo luterano-católico publicou, numa dezena de línguas, um documento mais acessível, que explora os pontos de discórdia entre as duas confissões no século XVI, de acordo com os historiadores.

O documento insiste que Lutero “não pretendia dividir, mas reformar a Igreja”, mas Lutero continua excomungado e os católicos continuam a ter indulgências.

Os tempos modernos acrescentaram também obstáculos. Na segunda-feira, o papa vai estar rodeado de bispas luteranas, uma evolução do protestantismo ainda impensável na Igreja católica.

“Enquanto luterano, carrego o peso do passado, mas não quero que defina o meu futuro”, afirmou o bispo luterano Munib Yunan, presidente da LFW, que organiza as cerimónias na Suécia.

Em meados deste mês, o papa Francisco explicou a peregrinos alemães luteranos no Vaticano que “uma parte essencial destas comemorações vai ser a de voltar o olhar em direção ao futuro para um testemunho cristão comum”.

Na segunda-feira, católicos e protestantes vão participar numa oração comum na catedral luterana de Lund, cidade onde foi fundada a Federação Luterana Mundial.

Em seguida, vai decorrer um encontro ecuménico público em defesa da paz, num estádio de Malmo (Arena Malmo), cujas receitas das dez mil entradas serão entregues à população de Alepo, na Síria.

Depois, o papa vai encontrar-se com várias delegações ecuménicas e serão lidos alguns testemunhos, aos quais Francisco responderá em espanhol, na única intervenção prevista nesta viagem.

Na terça-feira, Jorge Bergoglio vai celebrar missa na Arena Malmo para a pequena comunidade católica sueca, formada sobretudo por imigrantes. Na Suécia, apenas 1,2% da população é católica e 87% luterana.

O porta-voz do Vaticano, Greg Burke, explicou que o papa Francisco escolheu falar em espanhol por ser mais fácil para improvisar e devido à grande comunidade de imigrantes que fala a língua.

Após a missa, às 12:30 locais (10:30 em Lisboa), o papa regressa a Roma.

Quando anunciou a viagem a Malmo e Lund – um gesto histórico no caminho de diálogo entre as duas Igrejas -, o Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos e a LFW indicaram que estas comemorações vão destacar “os sólidos progressos ecuménicos entre católicos e luteranos”.

Em 2017 assinala-se o 50.º aniversário do início do diálogo luterano-católico, na sequência do Concílio Vaticano II.