Entre o medo e a resignação. O mundo ainda está a tentar perceber de que forma a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanos vai influenciar o futuro dos Estados Unidos e do resto do mundo. As expectativas, no entanto, não são as melhores. Ganharam a cólera e a ira, a xenofobia e o populismo, perdeu a democracia, escrevem alguns dos meios de comunicação social mais influentes do mundo.

USA Today — Editorial

“Trump não era a escolha deste Conselho Editorial para Presidente. Na verdade, considerámo-lo impróprio para a Presidência e expressámos reservas graves sobre a sua capacidade de gerir eficazmente os assuntos da nação.

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A eleição [de Trump], depois de uma campanha mesquinha e feita dividindo, complicará muito as relações dos Estados Unidos com seus principais aliados. (…) Dar a um homem irritado, combativo e com um temperamento irascível, o acesso aos códigos nucleares é um pensamento assustador. Assim como a intrigante admiração de Trump pelo ditador russo Vladimir Putin.

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Acreditamos que os piores instintos de Trump de colocar um grupo étnico contra outro serão restringidos quando for forçado a entrar na delicada posição de governar. A nação foi, além disso, abençoada pelos seus pais fundadores com um sistema de pesos e contrapesos. Tem um sistema judicial independente e um Congresso preparado para conter as iniciativas mais destrutivas e inconstitucionais de um presidente temperamental e mal preparado.

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[A possibilidade de Trump] não conseguir cumprir as promessas absurdas que fez ameaça deixar os eleitores que o colocaram na Casa Branca ainda mais desiludidos com a política do que já são. O que têm a perder? Estamos prestes a descobrir”.

Washington Post — Editorial

“Donald Trump foi eleito o 45º Presidente dos Estados Unidos esta terça-feira. Estas são palavras que esperávamos nunca escrever. Mas Trump chocou os centros de sondagem, liderando uma onda impulsionada em parte pelos eleitores rurais e de Rust Belt [N.t.: localizada no nordeste dos Estados Unidos, esta região, conhecida como Cintura de Ferrugem, é marcada por uma economia baseada na indústria pesada e na manufatura que perdeu fulgor], que sentiram que o establishment político os havia descartado.

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Não podemos fingir otimismo de que Trump possa, de repente, dar respostas mais racionais aos problemas do que aquelas que ofereceu na campanha. Nem que vai descobrir disciplina ou sabedoria. Ao longo da campanha, Trump falou sobre prender Clinton, processar mulheres que o acusavam de avanços sexuais indesejados, neutralizar o presidente da Câmara e revogar as liberdades da imprensa. (…) Prometeu deportar milhões, rasgar acordos comerciais, aplicar testes religiosos e sabotar os esforços internacionais para combater as mudanças climáticas.”

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Os americanos não são e nunca foram unidos pelo sangue ou pelo credo, mas pela lealdade a um sistema democrático de Governo que compartilha o poder, valoriza o Estado de Direito e respeita a dignidade dos indivíduos. Esperamos que nosso recém-eleito Presidente mostre respeito por esse sistema. Os americanos devem estar prontos para apoia-lo se ele fizer, e para apoiar o sistema se ele faz ou não”.

Wall Street Journal — Editorial

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“A derrota improvável de Hillary Clinton é um terremoto político de um tipo que raramente perturba a política americana.

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O establishment político e dos media estão perplexos, os mercados estão inseguros, e sem dúvida, que há muitos eleitores que também o estão.”

NBC News — Editorial

“Os republicanos vão controlar a Casa Branca, o Senado e a Câmara e os republicanos vão controlar o próximo candidato do Supremo Tribunal. Nos próximos dias, vamos tentar perceber como Trump ganhou e como Clinton perdeu. Além disso, vamos tentar perceber o que o nosso país ganhou ou perdeu durante esta disputa. E o que nossos filhos ganharam ou perderam para o seu futuro?

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América votou. Os americanos aceitaram o comportamento de Donald Trump como candidato e agora devemos viver com ele como nosso próximo Presidente.

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A minha visão para o futuro é reconhecidamente diferente da [visão] da maioria silenciosa que apoiou Donald Trump. A minha visão — minha esperança — é que o reality show com o descarado, vulgar, xenófobo Donald Trump termina e a mudança para um Presidente inclusivo Donald Trump começa”.

LA Times — Editorial

“A surpreendente vitória de Trump sobre o candidato aprovado pelo The Times, Hillary Clinton, não vaporiza as muitas preocupações profundas que nós e milhões de outros americanos temos sobre sua aptidão para o trabalho. No entanto, coloca-o numa posição de imenso poder e influência sobre as vidas e sobre os meios de subsistência das 320 milhões de pessoas que residem aqui — e, sem dúvida, sobre as outros 7 mil milhões de habitantes do planeta Terra.

É por isso que desejamos sucesso a Trump como Presidente, como faríamos com Clinton — porque queremos que este país floresça.

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Para sermos claros, continuamos profundamente preocupados com o caráter de Trump – sua tendência para o bullying e intolerância, o seu estilo imprudente e demagógico. Não domesticados, estes podem ser institutos perigosos. Nem apoiamos grande parte da agenda que apresentou durante uma campanha polarizadora e mesquinha. E é difícil interpretar a sua pequena margem de vitória como um mandato para aprovar qualquer parte dessa agenda, seja construindo um muro na fronteira [com o México], seja tornando ainda mais difícil para os refugiados de zonas de guerra entrar nos Estados Unidos, ou rebentando com orçamento federal com cortes [astronómicos] de impostos. Não quando quase tantos eleitores apoiaram um candidato que rejeitou com veementemente essas ideias.

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Tornar-se presidente não é como assumir uma empresa – Trump não pode demitir os legisladores ou eleitores que não o apoiem. Tem de ir além dos slogans criados para dividir que o colocaram no cargo. Tem, isso sim, de se esforçar para identificar os objetivos que os americanos compartilham.”

The New York Times — Editorial

“Presidente Donald Trump. Três palavras que eram impensáveis para dezenas de milhões de americanos – e para grande parte do resto do mundo – tornaram-se agora o futuro dos Estados Unidos.

Tendo confundido as elites republicanas nas primárias, Trump fez o mesmo com os democratas nas eleições gerais, repetindo o movimento de judo de transformar o peso de um establishment complacente contra ele. A sua vitória é um golpe humilhante para os meios de comunicação, para os centros de sondagens e para a liderança democrata dominada pelos Clinton.

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Então quem é o homem que será o 45º presidente? Depois de um ano e meio de tweets e discursos errantes não podemos ter certeza. Não sabemos como Trump irá desempenhar as funções básicas do Executivo. Não sabemos que conflitos de interesse poderá ter, uma vez que nunca divulgou as suas declarações fiscais, quebrando 40 anos de tradição. Não sabemos se tem capacidade de se concentrar em qualquer questão e chegar a uma conclusão racional. Não sabemos se tem alguma ideia do que significa controlar o maior arsenal nuclear do mundo.

Eis o que sabemos: sabemos que Trump é o presidente eleito menos preparado da história moderna. Sabemos que por palavras e ações, ele mostrou-se incapaz de liderar uma nação diversa de 320 milhões de pessoas. Sabemos que ameaçou processar e prender os seus adversários políticos e disse que iria restringir a liberdade de imprensa. Sabemos que ele mente sem compunção.

[…]

Ao desafiar todas as normas da política americana, Trump derrotou, primeiro, o Partido Republicano e, agora, o Partido Democrata. (…) A misoginia e o racismo desempenharam o seu papel na sua ascensão, mas também foram responsáveis por essa ascensão o desejo feroz e até mesmo descuidado pela mudança. Essa mudança colocou agora os Estados Unidos perto de um precipício.”

The Independent — Editorial

“Por razões óbvias, há muita gente em todo o mundo que sentiu que Trump não era um candidato digno para o cargo de presidente dos Estados Unidos. No momento, devemos confiar que o seu gabinete, o Supremo Tribunal, o Congresso e a opinião pública vão conter a sua tendência para o excesso e esperar o melhor.”

The Guardian — Jonathan Freedland*

*Colunista do The Guardian

“Pensávamos que os Estados Unidos recuariam do abismo. Acreditávamos, e as sondagens levaram-nos a ter certeza, que os americanos não iriam entregar o cargo mais poderoso na Terra a um intolerante instável, predador sexual e mentiroso compulsivo.

O país mais poderoso do mundo vai ser liderado pelo líder mais perigoso de sempre, uma figura que poderia ter saído de um livro escolar narrando a história mais escura do século XX. (…) A América e o resto do mundo tem muito o que temer – começando com o homem que agora está no topo do mundo.”

The Telegraph — Juliet Samuel*

*Colunista do The Telegraph

“Trump foi o candidato presidencial mais racista desde o período que antecedeu o movimento de direitos civis dos Estados Unidos e ele triunfou por causa do crescente nativismo da maioria branca dos EUA.

A sua eleição é uma reação direta à eleição de um Presidente negro, em 2008 e 2012. E o seu desprezo pelas normas raciais aceitáveis coloca em questão a resiliência da democracia mais poderosa do mundo. Numa época em que as democracias estão a perder terreno para as ditaduras do mundo inteiro isto é seriamente preocupante.”

El País — Editorial

“A vitória do candidato republicano Donald Trump na eleição presidencial norte-americana é uma má notícia para todos os democratas do mundo. E torna-se, ao mesmo tempo, uma fonte de satisfação e oportunidades para os inimigos da democracia.

O resultado devastador conseguindo por um demagogo e imprevisível [é mais um fator a acrescentar incerteza] e pode ter implicações económicas e geopolíticas imediatos. O choque sofrido pelos eleitores democratas na América é o mesmo que se vive nas capitais europeias, que estão em risco de ser abandonadas por Washington num momento particularmente complicado pela combinação de ameaças externas e de uma grande crise de identidade. Depis do Brexit, o resultado de Trump poderá representar o fim do projeto europeu que a América sempre inspirou e protegeu.”

El Confidencial — Ignacio Varela*

*Colunista do El Confidencial

“Consumou-se o desastre. Infelizmente, vamos ter muito tempo para analisar cuidadosamente todas as suas causas e implicações, e experimentar nas nossas vidas as consequências do que aconteceu ontem nos Estados Unidos. Mas, numa primeira reação, não acho que seja um exagero dizer que a ascensão ao poder de Donald Trump é o facto político mais ameaçador que o mundo conheceu desde a Segunda Guerra Mundial.”

Libération — Editorial

“Não se engane: o poder do mundo está agora nas mãos da extrema-direita. Os americanos votaram em consciência num racista candidato, mentiroso, sexista, vulgar, odioso. Eles são na maioria homens brancos, vindos de uma classe média em desordem, desmantelada pelo medo, pela pobreza, pela imigração, pelo terrorismo e especialmente o pelo medo de perder seu status de maioria . A eleição de um negro na Casa Branca, há oito anos, foi para eles um primeiro sinal de alarme. (…) A soma de todos os medos era simbolizada por Hillary Clinton, uma mulher, uma liberal. Donald Trump, alimentado esses medos, era a defesa final [dessa maioria branca] contra o inevitável.

[…]

O aumento da xenofobia e da extrema direita na Europa já havia mostrado qual era o preço político a pagar para as nossas velhas democracias ocidentais pelo ultra-liberalismo [praticado] sem limites. Ninguém tinha conseguido virar a maré. Mas, desta vez, é no mesmo templo da economia financeira desregulada que o cocktail se tornou explosivo. Esta eleição é mais um aviso para aqueles que pensam que Marine Le Pen não pode chegar ao poder em França, nas eleições de 2017. (…) Não devemos ceder ao desânimo e aqueles ódio lutando não vai desistir.”

Le Monde — Editorial

“A cólera ganhou, a raiva prevaleceu. O bilionário questionável que não paga impostos por vinte anos, o homem que mente com todos os dentes, que usa abertamente do racismo, da xenofobia e do sexismo, que nunca ocupou qualquer cargo público, [venceu]. Magistralmente.

[…]

As lições desta eleição são múltiplas. São dirigidas aos partidos tradicionais. Dizem respeito à imprensa e
às empresas de sondagem, que, na sua grande maioria, não viram a próxima onda e não sentiram o pulso da opinião pública. Estas lições são o imperativo porque os representantes da raiva — Trump e os seus clones europeus — não têm qualquer ideia da complexidade dos problemas a resolver. Vendem ilusões. Cultivam uma visão simplista que se pode tornar uma ameaça para as nossas democracias. A vitória de Trump, depois do Brexit, é outro aviso.”