O nome confunde os forasteiros, mas para os habitantes de Girona, a uma hora de Barcelona, almoçar no Can Roca é um gesto diário que se repete há mais de 50 anos. E não, não estamos a falar do melhor restaurante do mundo, com uma lista de espera de vários meses e uma conta de três dígitos no final da refeição.
Comecemos então pelo esclarecimento: o Celler de Can Roca, que em português seria algo como “Adega dos Roca”, é um restaurante com três estrelas Michelin que se recusa a sair da lista de melhores do mundo desde 2011 (1º lugar em 2013 e 2015, 2º lugar em 2011, 2012, 2014 e 2016). É liderado por três irmãos com o estatuto de rockstars da cozinha: Joan, Josep e Jordi Roca, cujas obras, inspiradas na gastronomia catalã, podiam estar num qualquer museu de arte moderna.
O Can Roca, por sua vez, é um modesto restaurante a poucos metros do primeiro, dividido entre sala de almoços e snack bar, onde o menu diário com três pratos, sobremesa, bebida e pão incluídos custa 11 euros. Aos comandos da cozinha, Montserrat Fontanet, 80 anos, nada menos que a mãe dos multipremiados irmãos Roca. O seu prato estrela: canelones, à quinta-feira.
O menu de almoço do dia: 11 euros certos.
Foi aqui que Joan, Josep e Jordi cresceram entre pratos e panelas. Todos ajudaram no negócio, mas ninguém imaginou que “os meninos”, como ainda lhes chamam o pessoal mais antigo, chegassem onde estão. E embora tenham ganho a primeira estrela Michelin mesmo ali, numa pequena divisão ao lado da cozinha dos pais, hoje vivem uma realidade paralela do outro lado da rua sob a identidade de melhor chef, melhor sommellier e melhor pasteleiro do mundo.
Face ao sucesso dos filhos, Montserrat decidiu manter tudo como sempre esteve, desde que ali se instalaram nos anos 60. Na ementa da semana continuam a existir a paella, os calamares, o grão-de-bico com bacalhau e o frango à moda da região (xanfaina). O preço continua a ser mais barato que a média dos menus do dia da cidade. Os guardanapos continuam a ser de papel. O iogurte natural Danone continua a ser uma sobremesa. Nem os prémios, nem as festas, nem os documentários em torno da vida dos filhos mudaram o destino do primeiro Can Roca. Mas acrescentaram clientela.
“Hoje temos uma mistura de tudo” conta Gladís, 42 anos, peruana de origem, que trabalha com a família há 20 anos: “Às pessoas daqui juntam-se os franceses, ingleses, turistas que visitam Girona, acham piada à história e então vêm aqui”. A estes acrescenta-se ainda todo o pessoal que trabalha no Celler de Can Roca e que atravessa a rua para almoçar todos os dias — incluindo os irmãos que, dizem os mais românticos, almoçam de pé em homenagem à mãe, que passa o dia a cozinhar. Ao todo contam com três turnos de almoço com 70 pessoas cada. Para uma ideia mais gráfica e suculenta: da cozinha saem cerca de mil canelones numa só quinta-feira.
A divisão da cozinha do Can Roca onde Joan assinou os primeiros pratos e conquistou uma estrela Michelin.
Servem cozinha emocional, como definiriam os próprios empregados. Porque Montserrat e Sara, que a ajuda há mais de 20 anos, cozinham como se o fizessem para uma família. Pratos simples e contundentes, preparados por pessoas que se conhecem desde sempre.
Mais que provar o pato no forno, ou a escudella da mãe Roca, vale a pena entrar no Can Roca para encontrar nele a marca da memória familiar que os irmãos transportaram para a primeira liga da cozinha mundial. Não é à toa que chamam ao trabalho de Joan Roca “tecno-emocional”, que é como quem diz aplicar técnicas de vanguarda a pratos tradicionais.
E se hoje os mais afortunados podem provar as famosas “azeitonas caramelizadas numa árvore bonsai” dos Roca, devem-no sobretudo a Montserrat Fontané. Afinal, foi o sentimento maternal que a levou a abrir o negócio por primeira vez. Num misto de orgulho e resignação confessou-nos: “Abri este restaurante com esperança que um dos meus filhos ficasse com ele mais tarde e afinal… olha o que fizeram”.
Can Roca
Carretera de Talaià, 42, 17007 Girona
Menu diário: 11 euros
El Celler de Can Roca
Carrer de Can Sunyer, 48, 17007 Girona
Menu Degustação: 155 euros
Menu Festival: 190 euros
