Menos de 24 horas depois do início do incêndio em Pedrógão Grande, a Polícia Judiciária conseguiu descobrir a causa do fogo — uma árvore que foi atingida por um raio durante uma trovoada seca. Mas como é que os investigadores identificaram essa prova? Um especialista na investigação de incêndios florestais e urbanos explicou ao Observador como se investiga um fogo desta dimensão e o que já foi feito neste.

Determinar onde tudo começou

No caso do fogo em Pedrógão Grande, mal chegaram ao local os investigadores lançaram-se ao terreno com a recolha de prova testemunhal e com uma avaliação dos danos provocados na vegetação. Queriam saber junto de quem ali estava onde poderia ter começado o fogo. Para corroborar os testemunhos recolhidos, foram também tidas em conta as características da área ardida.

Esta primeira fase da investigação conduziu os inspetores a uma árvore “rachada” ao meio, que foi encontrada em Escalos Fundeiros, como descreveu um especialista em incêndios ao Observador. E, em menos de 24 horas, o diretor nacional da PJ, Almeida Rodrigues, anunciava que estava descoberta a causa do incêndio: causas naturais, uma trovoada seca. Mas a investigação não se fica por aqui.

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Não é a árvore que inflama, mas as ervas do terreno onde esta se encontra, porque normalmente a árvore tem muita humidade e não arde. Regra geral, as trovoadas são feitas entre o estabelecimento da descarga elétrica e da terra. Quanto mais seco estiver o terreno, pior”, avança o especialista em incêndios. “O raio bate na árvore, parte-a e a árvore funciona como pára-raios, mas quando o raio desce provoca o incêndio no chão. É como se abrisse uma árvore de alto a baixo”, descreve.

Este pode não ter sido o único foco do incêndio que lavra em Pedrógão e do qual já se contam 62 vítimas mortais. “Numa zona onde há uma trovoada há várias descargas. Pode ter sido encontrada a árvore onde o incêndio começou, mas pode haver mais do que um foco, porque há mais do que um raio que pode entrar em contacto com o solo”.

A agravar, as condições meteorológicas: mais de 40 graus, ventos em várias direções. E o terreno: seco e numa estrada com dois declives, repletos de eucaliptos que “alimentam” os fogos.

Determinar o número de vítimas

Esta continua a ser uma incógnita, para já. No local onde foram encontrados vários carros carbonizados, contam-se cerca de 30 vítimas mortais. Mas pode haver mais. E só quando as chamas se apagarem por completo se poderá concluir a investigação. É que há várias casas isoladas no local onde o fogo lavra. Mas vamos por partes.

As vítimas que morreram nos carros ou junto deles. Neste caso, a PJ colabora com o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), responsável pelas autópsias aos corpos. “Funciona quase como a investigação a um desastre de avião”, refere o especialista. Neste caso, a maior parte das vítimas estava dentro do carro ou perto. Como as viaturas foram queimadas, a PJ tem que identificá-las através do número de chassis. Depois, tem que perceber quem seguia dentro da viatura e qual a relação entre os ocupantes. Para tal, a identificação humana e até os contactos com familiares que tenham comunicado algum desaparecimento são fundamentais. Neste momento há várias equipas do INMLCF a trabalhar para conseguir saber rapidamente quem foram as vítimas.

“Como estamos no fim da Primavera, os terrenos ainda estão viçosos e húmidos. O fumo é de vapor de água das plantas. As pessoas que morreram na estrada quando tentavam escapar ao fogo enfrentaram como que um nevoeiro cerrado muito branco, cheio de monóxido de carbono que é irrespirável. É como se fosse gás propano, é indolor, a pessoa fica inanimada e não sofre. Isso é fácil de ver pela posição dos cadáveres, se estavam a proteger-se ou não. Antes de as pessoas serem carbonizadas pelas chamas, a morte pode acontecer por dano das vias aéreas superiores, a pessoa está inanimada, mas respira ar a 400 graus. Tem um falecimento já inanimado”, diz o especialista.

À procura de mais vítimas. A Polícia Judiciária está, em colaboração com a GNR, a passar o terreno a pente fino para confirmar se há mais vítimas. Um trabalho que só estará concluído depois de extinto o fogo. É que naquela zona, próxima de Figueiró dos Vinhos, há muitas casas isoladas. Estas buscas têm que ser feitas com o auxílio dos militares da GNR.

Ainda se está longe de saber quanto tempo vai demorar a concluir o trabalho da PJ. A investigação só será concluída depois de identificadas todas as vítimas e de se perceber as consequências do fogo.