Em causa estão décadas de avanços sexuais inapropriados. Se, por um lado, há dezenas de mulheres que acusam Harvey Weinstein de assédio sexual — e de violação –, por outro, Hollywood vira as costas ao produtor de filmes como “Shakespeare in Love”, “O Discurso do Rei” ou “O Paciente Inglês”. Os tempos de ouro de Weinstein, um dos homens a quem mais se agradeceu no palco dos Óscares, chegou ao fim.

O The New York Times, que revelou a história, conta que o cineasta chegou a acordos com oito mulheres ao longo dos anos para que estas não tornassem o caso público. Apesar de Weinstein negar qualquer contacto sexual não consensual, são muitas as mulheres que dão a cara e contam a sua história. Dos testemunhos dados extrai-se um padrão claro: Weinstein marcava uma reunião de trabalho num hotel, chamava as mulheres ao quarto, aparecia de robe vestido e pedia massagens (e contacto) em troca de progressão na carreira.

Entre as vítimas estão nomes tão sonantes como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow, sendo que o comportamento do produtor era comentado nos bastidores e dado como certo entre os seus funcionários. Eis o que se sabe sobre a novela que se adensa a cada dia que passa.

As acusações e os acordos

Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow são talvez os nomes mais mediáticos que constam na já longa lista de atrizes, aspirantes a atrizes e modelos que acusam o produtor de assédio sexual (e até de violação), mas foi Ashley Judd, hoje com 49 anos, a primeira a falar publicamente sobre o caso. Ao The New York Times, cuja investigação deu origem à atual bola de neve, Judd descreveu o assédio sexual de que foi alvo durante um reunião num hotel, numa altura em decorriam as gravações do filme de 1997 “Beijos que Matam”. A atriz contou que o produtor fê-la sentir-se “em pânico” e “refém” na sequência de avanços inapropriados. “Eu disse que não de várias formas e por diversas vezes. Ele regressava sempre com um novo pedido.”

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Menos de dez dias após a investigação do NYT ter posto a cabeça do produtor norte-americano a prémio, são muitas as celebridades que, por um lado, elogiam a coragem de Ashley Judd e, por outro, condenam Weinstein. Meryl Streep, Glenn Close, Judi Dench e Kate Winslet são apenas algumas delas. Streep chegou mesmo a dizer em comunicado que “nem toda a gente sabia” da atuação do cineasta, que se mostrou sempre respeitoso para com ela. “Eu não sabia destas agressões; não sabia dos acordos financeiros com atrizes e colegas; não sabia dos encontros em quartos de hotéis, nas casas de banho, ou outras ações inapropriadas e coercivas”, lê-se num comunicado divulgado pelo Huffington Post. Também Judi Dench confessou não ter conhecimento das “agressões que são, com certeza, horríveis”.

Escândalo sexual em Hollywood. Atrizes unem-se contra Harvey Weinstein

Se a lista de condenações públicas vai longa — uma que chega a incluir a ex-candidata democrata à Casa Branca, Hillary Clinton — a de acusações não é menos curta. Segundo um artigo do NYT, publicado a 10 de outubro, pelo menos 30 mulheres já acusaram Weinstein de assédio sexualKate Beckinsale, Cara Delevingne e Clarie Forlani são os nomes mais recentes. Fique a conhecer algumas das suas histórias na fotogaleria abaixo.

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Ao longo de décadas de assédio sexual, situação de que é acusado, Weinstein chegou a acordo com pelo menos oito mulheres, incluindo uma jovem assistente em 1990 em Nova Iorque, uma atriz em 1997, uma assistente em Londres em 1998 e uma modelo italiana em 2015 — talvez Ambra Battilana Gutierrez, que obteve uma confissão áudio de Weinstein admitindo tê-la apalpado.

O segredo e as piadas que nos passaram ao lado

Aos 79 anos, Jane Fonda está envergonhada. Em entrevista, a atriz confessou que ficou a par dos rumores sobre Weinstein há cerca de um ano. “Sinto-me envergonhada por não dito nada na altura”, admitiu. “Não fui assim tão ousada.”

Numa altura em que Harvey Weinstein é condenado pela indústria que durante décadas esteve a seus pés, não são poucos os que se questionam sobre quem é que afinal sabia da conduta do cineasta. Estávamos em 2013 e Seth MacFarlane apresentava as nomeações ao óscar de Melhor Atriz Secundária quando atirou a seguinte piada: “Parabéns, vocês, cinco senhoras, já não têm de fingir que acham o Harvey Weinstein atraente”. A referência, que à data terá feito soltar algumas gargalhadas, está hoje no epicentro de um escândalo que ainda não rebentou por completo.

Escreve a BBC que a “piada” foi um sinal de que o comportamento do produtor era bem conhecido em Hollywood. Entretanto, MacFarlane veio a público esclarecer os motivos por detrás da afirmação: foram as revelações, feitas em confidência, da amiga e colega Jessica Barth que alavancaram a piada que, esclarece o comediante, “vieram de um lugar de repugnância e raiva”.

Um ano antes acontecia algo semelhante na série de televisão “30 Rock”. Uma só fala, inserida num enredo mais denso sobre o mundo do espetáculo, dava a entender, mais uma vez, que a atuação de Weinstein era conhecida e comentada no meio. “Não tenho medo de ninguém no mundo do espetáculo”, dizia a personagem interpretada por Jane Krakowski num episódio. “Recusei ter sexo com Harvey Weinstein em três de cinco ocasiões…”

A atriz Lea Seydoux — que foi vítima dos avanços inapropriados deste e de outros cineastas — admitiu que tinha algum conhecimento do que se passava nos bastidores da sétima arte. Num artigo de opinião escrito para o jornal britânico The Guardian, a artista francesa confessa que viu por diversas vezes Weinstein a tentar convencer, no decorrer de festas, jovens mulheres a dormir com ele. “Toda a gente via o que se estava a passar. Essa é a parte mais nojenta. Toda a gente sabia e ninguém fez nada”, escreve Seydoux. “É inacreditável que ele tenha sido capaz de agir assim durante décadas e ainda manter a sua carreira. Isso só é possível porque ele tem muito poder.”

De acordo com o The New York Times, o referido comportamento era conhecido entre aqueles que com Weinstein trabalhavam. Quando a investigação foi originalmente publicada, o jornal avançou que dezenas de colaboradores e ex-colaboradores, desde assistentes a cargos de topo, estavam cientes da conduta inapropriada. Uma dessas pessoas é a ex-assistente do irmão do produtor, Kathy DeClesis, que explica que a situação estava longe de ser segredo no círculo íntimo de Harvey Weinstein. Há, inclusive, relatos de que os funcionários arranjavam encontros entre Harvey e jovens mulheres em quartos de hotéis, acabando por deixá-las sozinhas com o produtor. Weinstein era um dos homens mais poderosos em Hollywood e tinha uma personalidade dominadora quase lendária.

A BBC salienta ainda que alguns jornalistas admitiram, na sequência do escândalo tornado público, que tentaram noticiar a história, mas que se depararam sempre com dificuldades em convencer as suas fontes. Isto sem contar com a força das ameaças legais vindas do domínio Weinstein.

De referir que Oliver Stone defendeu esta sexta-feira que o influente produtor não deve ser “condenado por um sistema de justiceiros”. “Sou um firme defensor da teoria de que é preciso esperar pelo processo”, afirmou o realizador norte-americano, defendendo que a indústria cinematográfica e o público estão a julgar prematuramente Harvey Weinstein.

O fim de carreira e do casamento

Desde que o escândalo sexual rebentou, a 5 de outubro, todos os dias surgem notícias sobre o caso. Como consequência, Harvey Weinstein foi obrigado a abandonar, no passado domingo, a empresa de cinema independente que ele próprio fundou. O conselho de administração da Weinstein decidiu retirar o produtor da empresa e o controlo do estúdio foi entregue ao irmão Bob Weinstein e ao diretor de operações David Glasser.

Entretanto, a Academia — que disse considerar as acusações em cima da mesa “repugnantes” — revelou que vai marcar reuniões de emergência para definir o futuro papel de Harvey Weinstein em Hollywood. A ideia é “discutir as alegações contra ele e quaisquer ações que possam ser tomadas pela própria instituição.” Também a British Academy of Film and Television Arts, responsável pelos prémios Bafta, suspendeu a presença de Harvey Weinstein no organismo.

A título pessoal, já é notícia que Georgina Chapman colocou um ponto final ao casamento de dez anos. “Estou de coração partido por causa de todas as mulheres que sofreram uma dor tremenda por causa destas ações imperdoáveis. Escolhi deixar o meu marido. A minha prioridade é tomar conta dos meus filhos pequenos e peço aos meios de comunicação que me dêem privacidade nesta altura”, disse via comunicado.

Chapman, de 41 anos, e Weinstein, de 65, estão casados desde 2007 e têm dois filhos pequenos, de sete e quatro anos.

Danos colaterais e uma conversa com barbas

Ben Affleck, tal como muitos outros, afirmou que o comportamento do produtor em causa o tinham deixado “doente”. Rose McGowan, uma das mulheres que acusam Harvey Weinsten (com o qual chegou a um acordo financeiro) usou o Twitter para desmentir o ator, afirmando que Affleck estava a par da polémica conduta. Entretanto, a conta de Twitter da atriz foi suspensa e levantou-se todo um movimento de apoio a McGowan: não é à toa que o “trending topic” do dia é a hashtag #WomenBoycottTwitter.

A história parece um apontamento num escândalo que a cada dia que passa vai ganhando mais dimensão. Exemplo disso é a muito recente notícia de que o chefe da Amazon Studios, Roy Price, foi suspenso após ter sido acusado de assédio sexual. A decisão acontece horas depois de o “The Hollywood Reporter” ter publicado uma entrevista com Isa Dick Hackett, produtora da série “The Man in the High Castle”, onde afirma que foi alvo de vários avanços parte de Price, de 51 anos.