Manuela Furtado sente-se a jogar a roleta russa com a sua vida quando percorre o IP3. “Está tudo ardido de ambos os lados e, em algumas zonas, as árvores são enormes e estão penduradas em penhascos”, pendendo sobre uma estrada já de si sinuosa e que todos os dias é utilizada por milhares de carros. Não é uma previsão. Já aconteceu desde que o fogo passou pela região, em outubro – as árvores queimadas tombaram para o alcatrão, foram cortadas “na zona que estorva” e o que resta dos troncos continua à espera de ser recolhido. A Infraestruturas de Portugal garante ao Observador que não tem informação de que haja perigo para as populações. “É outra tragédia à espera de acontecer”, garante Manuela Furtado ao Observador.

Há 12 anos que o dia começa e acaba da mesma maneira: Manuela Furtado, conservadora em Santa Comba Dão, sai de Coimbra rumo ao local de trabalho e, ao cair da noite, faz o mesmo trajeto de volta. Não é raro ser obrigada a perder mais tempo que o necessário nesse percurso devido aos trabalhos de remoção de uma árvore que caiu sobre o asfalto, antes mesmo de as chamas deixarem o terreno daquela região de Oliveira do Mondego ainda mais debilitado. “Tanto pior será quando vier chuva e os ventos fortes, aquilo vai cair, não é preciso ser-se técnico para perceber que aquilo vai cair”, antevê.

Ao Observador, o comandante dos bombeiros de Penacova, por onde o IP3 passa a caminho de Viseu, confirma que a corporação já foi chamada a intervir para limpar alguns troços da região. “Há muitas árvores ao longo da estrada” e os bombeiros têm sido chamados “quando cai uma árvore, quando há uma árvore para cortar ou quando é preciso desimpedir a via”, diz António Simões.

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Mas, sublinha aquele responsável, “o que está por cima” — as outras árvores equilibradas nos penhascos — , “continua ali” e representa um perigo para quem passa pelas zonas por onde o fogo andou há cerca de um mês. Ao ponto de pôr em risco quem por ali passa? “Pode acontecer [um acidente], é verdade”, admite o comandante.

Pedro Coimbra é presidente da Assembleia Municipal de Penacova. Desde os incêndios, tem percorrido semanalmente toda aquela região e, um mês depois de o fogo ter passado por ali, diz que “ainda há muita intervenção por fazer” e que “há, naturalmente, riscos associados a esse problema” das árvores debilitadas à beira das principais estradas. “As autarquias têm alertado entidades competentes e é essencial que haja uma intervenção”, sublinha ao Observador.

O risco não está circunscrito ao IP3. As informações recolhidas pelo Observador apontam para que, a menos de 20 quilómetros dali, na estrada nacional que liga o IC6 a Oliveira do Hospital (e por onde o fogo também deixou um cenário cinzento), também há árvores que ameaçam cair a qualquer momento sem que a intervenção se faça sentir.

“Não há informações de perigo”, diz Infraestruturas de Portugal

A gestão destas estradas cabe à Infraestruturas de Portugal (IP), sob tutela dos Ministérios do Planeamento e das Infraestruturas e das Finanças. Questionada sobre eventuais riscos para a população associados a árvores em risco de queda, Fernanda Silva, do gabinete de imprensa, diz não ter chegado ao organismo qualquer informação nesse sentido.

Num esclarecimento ao Observador prestado por telefone, Fernanda Silva refere que a IP “tem equipas no terreno que fiscalizam e monitorizam” as áreas sob sua jurisdição e que, “ao ter conhecimento de árvores caídas”, atuam e cortam-nas. “Temos um plano de intervenções previsto para essa zona” e que já está a ser concretizado, acrescenta esta responsável, sem conseguir esclarecer que tipo de trabalho preventivo está a ser feito ou se há, sequer, algum trabalho a ser desenvolvido nesse sentido.

O comandante dos bombeiros de Penacova considera que “devia haver um trabalho persistente” na contenção dos riscos que ficam depois da passagem do fogo. A este respeito, António Simões lembra o caso da Galiza, onde, num dia, arderam 50 mil hectares e agora se depara com um outro risco: o de deslize de grandes porções de terras. Na região, as autoridades espanholas estão a “espalhar palha” lançada a partir de helicópteros, uma tarefa com que se pretende conter eventuais deslizamentos expectáveis com a chegada as primeiras chuvas mais fortes.

Esse perigo também existe em Portugal. António Simões aponta para as encostas de Oliveira do Mondego, delimitada a sul pelo rio Alva e com o rio Mondego pelo meio, onde identifica um “risco grave do erosão”. Quando a chuva chegar, tudo o que ardeu em outubro vem pelas encostas abaixo.

A 15 de outubro, o “pior dia do ano” em matéria de incêndios florestais, de acordo com a Proteção Civil, as chamas que percorreram a zona centro e norte do país fizeram 45 mortes e deixaram 70 pessoas feridas. Cerca de 800 casas de habitação permanente foram total ou parcialmente destruídas e 190.090 hectares de floresta arderam (um valor que corresponde a quase metade da área ardida este ano).