Uma entrevista com um avançado de um clube de meio da tabela da Serie B de Itália tem tudo, na teoria, para passar ao lado do público em geral. Mas esta entrevista, com um avançado de um clube de meio da tabela da Serie B de Itália, era um dos programas mais aguardados do ano. O que mudava? O convidado, Han Kwang-Song, um miúdo de 19 anos que se estreou no Perugia por empréstimo do Cagliari com um hat-trick no primeiro jogo. Que entrevista foi esta? A entrevista que nunca chegou a acontecer, no final de setembro, por causa de um telefonema.

Pouco antes da hora marcada, a RAI recebeu uma chamada de alguém próximo de Kim Jong-un a proibir o jogador de conceder a entrevista que estava marcada em direto e com a promessa de que não tocaria em temáticas políticas. Até tinha esse problema, de ser em direto e sem possibilidade de cortar ou voltar atrás. Nem uma nem outra, não aconteceu mesmo. “Recebi uma chamada de alguém próximo de um minitério do país e bloquearam tudo. Foi impossível negociar com a Coreia do Norte porque só queriam falar com o jogador. A situação com o seu governo é muito rígida e proíbiram-no de aparecer na TV. Se não obedecer, é repatriado e tem medo por isso”, explicou depois Massimiliano Santopadre, presidente do Perugia, ao jornal La Stampa, citado pelo As.

Não era a primeira vez que apareceria na TV, mas era a primeira vez que dava uma entrevista sem ser naquelas flashes após os jogos. Nas outras raras e curtíssimas intervenções, só utilizava uma palavra em italiano: “Grazie”. Mas utilizava agradecendo de forma fixa a todos aqueles que o ajudaram para ali chegar, entre clube, presidente, treinador e representante, como destacava o El Mundo em novembro. Agora, dois meses depois, volta a ser notícia pelo interesse da Juventus na sua contratação. Que, por si só, pode gerar outras notícias…

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Em 2013, a Coreia do Norte criou a Pyongyan International Football School, uma academia com o objetivo de formar jovens talentos e dinamizar o futebol do país, e foi a partir daí que Han, que jogara no Chobyong Sports Club, chegou a Barcelona, através da Fundación Marcet. Em 2015, chegou a Itália via ISM Academy, em Perugia. E convenceu. Mas havia um outro problema para contornar: a FIFA só admite transferências de jovens com menos de 18 anos para outros países caso as famílias também o acompanhem, por exemplo. Além de uma viagem à Coreia do Norte de uma delegação de deputados italianos liderada por Antonio Razzi, do Forza Italia, para discutir as condições do protocolo, pouco mais se sabe até se ter estreado pelo Cagliari na Serie A, em abril de 2017. Ou melhor, sabe-se mais dois ou três pontos: toda a gente o adora nas suas equipas, é tímido e não recebe mais do que 1.500 euros por mês… que, em parte revertem para o regime, tal como acontece com todos os norte-coreanos no exterior.

Depois da se tornar o primeiro norte-coreano a jogar numa das cinco principais ligas europeias, foi emprestado ao Perugia, onde leva um total de sete golos em 17 jogos na Serie B. E, mais do que todo o mediatismo à sua volta, destaca-se no campo, com a bola nos pés. Ao ponto de, depois da Fiorentina, ter despertado a atenção da Juventus, que vê no avançado um jogador com margem de progressão. O problema é o resto.

Por causa dessa obrigatoriedade de ceder parte (ou grande parte) do salário ao regime norte-coreano, o Cagliari esteve prestes a desistir do negócio, algo que também se coloca nesta altura com a Vecchia Signora caso avance mesmo para a contratação de Han: a Itália está de relações cortadas com a Coreia do Norte, país que deixou inclusive de ter embaixador em território transalpino após 1 de outubro, depois da decisão de Angelino Alfano, ministro do Exterior, no seguimento dos testes com mísseis do país asiático. Para “pressionar” ainda mais, fala-se agora no interesse do Tottenham em garantir o dianteiro. No meio disto, Han Kwang-song, que está proibido de falar de questões políticas desde que veio para a Europa, quer apenas jogar futebol…