Quando chegou à presidência da Sonangol, em novembro do ano passado, Carlos Saturnino foi recebido por “uma manifestação de trabalhadores que não recebiam salários”. A acusação foi feita pelo próprio presidente durante a conferência de imprensa anual da petrolífera angolana, esta quarta-feira, na sede da baixa de Luanda.
Segundo Saturnino, entre novembro de 2016 e novembro de 2017, período em que Isabel dos Santos esteve à frente da empresa, a Sonangol gastou 135 milhões de dólares (110 milhões de euros) em consultorias. Quando tomou posse como presidente, Carlos Saturnino ainda encontrou “um número elevado de conflitos judiciais e arbitrais”, citou o Novo Jornal.
O executivo angolano, que nunca tinha criticado tão abertamente sua antecessora na liderança da petrolífera e filha do antigo presidente de Angola, revelou ainda esta quarta-feira que a dívida atual da petrolífera angolana é de 4,9 mil milhões de dólares (4 mil milhões de euros), valor que é substancialmente mais baixo do que o anunciado por Isabel dos Santos quando esta deixou a empresa, refere o Novo Jornal.
O presidente adiantou ainda que o Estado angolano disponibilizou 10 milhões de dólares (8 milhões de euros) para ajudar a equilibrar as finanças da empresa. Metade dessa verba, cinco milhões de dólares (4 milhões de euros), foi destinada ao pagamento antecipado de dívida e a restante canalizada para investimentos.
Sonangol vai manter participações na Galp e no Millennium BCP
Durante o mesmo encontro com os jornalistas em Luanda, Carlos Saturnino anunciou que a Sonangol vai manter as participações que tem no capital social da Galp e no Millennium BCP por serem “investimentos estratégicos” e por darem bons resultados.
“O investimento na Galp é um bom investimento”, defende Carlos Saturnino. A empresa “está envolvida em concessões petrolíferas e outras atividades não só em Portugal, na Península Ibérica, tem investimentos em Angola, em vários blocos, tem investimentos muito interessantes e sonantes a nível do Brasil, de maneira que é um investimento estratégico e que tem dado bons resultados.”
Relativamente ao Millennium BCP, o presidente do Conselho de Administração da petrolífera angolana salientou que o banco “melhorou substancialmente, tem produzido dinheiro, tem produzido resultados, não tem distribuído grandes montantes, mas é um banco que tem adicionado valores através da sua atividade”. “Ou seja, por cada euro investido, o banco hoje gera valor adicionado, para a organização que o banco continua a reinvestir, ainda não deu o salto no sentido de gerar valor para distribuir aos acionistas, mas são conhecidos os seus resultados”, acrescentou.
Questionado sobre o reforço da participação que a Sonangol mantém no Millennium BCP, Carlos Saturnino disse ser prematuro avançar dados, anunciando que a petrolífera tem estado a desenvolver negociações com o grupo chinês Fosun, o maior acionista no BCP quanto ao futuro do banco.
“Essas negociações são normais e são feitas pelos dois maiores acionistas, a Fosun e a Sonangol. A administração do BCP terminou o mandato em dezembro de 2017 e normalmente é no fim do ano e no início do ano seguinte, quando o mandato acaba, que os dois acionistas fazem concertações sobre qual deve ser o modelo de governo e de negócio do banco, qual deve ser a equipa que deverá assumir o comando dos órgãos sociais”, afirmou.
“Nós temos estado a fazê-lo nas últimas semanas, com muito mais afinco, naturalmente há discussões também diretas com o presidente do Conselho de Administração do Banco Millennium, com o presidente da comissão executiva do Banco Millennium, tem estado em discussão um novo modelo de governo para o Banco Millennium e tudo isto é uma preparação para a informação que tínhamos de fazer chegar durante o mês de fevereiro à supervisão bancária, ao Banco de Portugal e ao Banco Central Europeu, em Frankfurt, esse trabalho está praticamente concluído e é a preparação para a assembleia geral que haverá em maio deste ano”, acrescentou.
Sobre o futuro dos investimentos no BCP, adiantou que tudo depende da estratégia que vier a ser acordada dentro do banco. “Para dar um exemplo, a Sonangol propôs à gestão do banco e também ao parceiro Fosun, reativar um Conselho Superior de Estratégia, que o banco sempre teve, mas que não estava muito ativo, que nós achamos muito importante para termos assento com os nossos representantes, pessoas da administração da Sonangol, da administração do banco, da Fosun e de outros acionistas e discutir qual vai ser a estratégia do banco consoante as diferentes regiões, ou seja, geoestratégia para África, para a Europa, etc.”, frisou.
Carlos Saturnino recordou que futuros investimentos no banco não são uma decisão somente da administração da Sonangol, é do seu dono, com um parecer da direção da petrolífera. “Ou seja, nós não estamos a dizer que não vamos investir em Portugal”, destacou.
A respeito de futuros investimentos, Carlos Saturnino não afastou a hipótese, não particularizando apenas Portugal. De acordo com o presidente do Conselho de Administração da petrolífera angolana, a Sonangol é uma empresa que tem presentemente uma exposição internacional, razão pela qual devem ser analisados quais os resultados que novos investimentos podem trazer.
“Dizer que não investiremos em Portugal, não podemos dizer. Pode ser que haja investimentos a fazer. Nós não particularizamos o caso de Portugal. Hoje a Sonangol tem investimentos em Portugal, em empresas que têm atividade no Brasil, em Cuba, na Venezuela, através de participadas tem investimentos na Indonésia, Singapura, Wall Street, Nova Iorque”, enumerou.
Gestão anterior transferiu 38 milhões de dólares, acusa Saturnino
O Presidente do Conselho de Administração da Sonangol denunciou ainda uma transferência de 38 milhões de dólares (31,1 milhões de euros), pela administração cessante, após a sua exoneração. Carlos Saturnino enumerou outras constatações sobre o grupo Sonangol, que encontrou após a exoneração da anterior administração, liderada por Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
“Tomámos posse no dia 16 de novembro de 2017 e nesse dia, à noite, apercebemos que o administrador que cuidava das finanças na Sonangol, embora tivesse sido exonerado no dia 15, ordenou uma transferência no valor de 38 milhões de dólares para a Matter Business Solution, com sede no Dubai”, acusou.
Segundo Carlos Saturnino, a referida transferência foi realizada através do banco BIC, “que passou a ser um dos bancos preferenciais a nível da Sonangol”. “Acho que isso dispensa comentários. Não foi o único caso. No dia 17 de novembro, houve o pagamento de mais quatro faturas também. Ou seja, como é que pessoas que tinham sido exoneradas pelo Governo ainda faziam transferências. Não pode ser um ato de boa fé de certeza absoluta”, observou Carlos Saturnino.
Sonangol está doente mas não moribunda
Carlos Saturino disse que a empresa está “doente, com alguma gravidade”, mas não “está moribunda”.
“A Sonangol não vai desaparecer, vai melhorar e vai voltar a ser esse motor de suporte e desenvolvimento da economia angolana. Isso garantimos a 100%. A Sonangol está doente, tem desafios, não gostamos da palavra dificuldade, mas naturalmente está a tentar tratar-se, ganhar músculo outra vez e daqui a algum tempo voltar a fazer uns ‘sprints’ já mais acelerados”, disse o Presidente do Conselho de Administração.
O responsável recordou que a Sonangol não pagava impostos, nem em kwanzas nem em divisas, e neste momento já o faz com regularidade.
“Não são os montantes que recebiam (Ministério das Finanças e Banco Nacional de Angola), mas está a receber, estamos a fazer um esforço muito grande de cumprir com as nossas obrigações, satisfazer também o acionista, portanto, os angolanos podem estar confiados de que a Sonangol vem a caminho”, disse. Reforçou que “é questão de tempo”, que a empresa está com “muitas dificuldades”, mas o “impossível não existe na Sonangol”.
Relativamente às situações que a nova administração da empresa encontrou quando assumiu a direção, a partir de 16 de novembro de 2017, Carlos Saturnino enumerou anúncios de paralisações por parte de prestadores de serviço, por falta de pagamentos, nomeadamente sete meses de atraso a uma subcontratada da Sonangol Shipping e Refinaria de Luanda, assunto que foi resolvido de imediato.
Citou ainda “riscos alarmantes” por falta de manutenção em vários edifícios da Sonangol, nomeadamente em elevadores, geradores, ar condicionado, resultante de dívidas aos prestadores de serviços, desde parte de 2015, 2016 e 2017. Outra constatação também citada foi a substituição de empresas prestadoras de serviços entre junho e julho de 2017, por outras, contratadas em outubro de 2017, que o presidente do Conselho de Administração da Sonangol considerou ter elevado os custos comparativamente ao anterior período homólogo.
A nível dos recursos humanos, Carlos Saturnino disse ter encontrado “uma situação caricata”: uma diretora dos Recursos Humanos e outras duas diretoras executivas para a mesma área e “com enquadramentos arbitrários na parte profissional e na parte salarial”.
“Por exemplo, o enquadramento salarial para essas pessoas, como diretoras executivas, é superior a qualquer membro da comissão executiva das subsidiárias da Sonangol e é superior ao Conselho de Administração da Sonangol EP”, frisou.
De acordo com Carlos Saturnino, a Sonangol tem biliões de kwanzas de multas e juros, que a Administração Geral Tributária atribuiu à empresa, por falta de pagamento de direitos aduaneiros, os impostos e afins, em grande parte do ano 2017, garantindo que estão a ser resolvidos de forma parcelar.