Dez anos depois, os papéis inverteram-se. Alessandro Del Piero, ainda se lembra dele? O Príncipe foi um dos melhores avançados italianos de sempre, cumprindo um trajeto de quase duas décadas na Juventus e na seleção antes de terminar a carreira entre a Austrália (Sydney FC) e a Índia (DelhiDynamos) com dezenas de títulos entre os quais um Campeonato do Mundo de seleções em 2006 (em 2000 foi à final do Europeu mas perdeu com a França), uma Liga dos Campeões (1996), uma Supertaça Europeia, uma Taça Intercontinental e seis campeonatos. E teve o Santiago Bernabéu rendido aos seus pés com uma ovação de pé dos adversários quando foi substituído.

Do voo à vénia: o monumental golo de Ronaldo em 15 fotos

Estávamos em novembro de 2008, na quarta jornada da fase de grupos da Champions, quando a Vecchia Signora treinada por Claudio Ranieri se deslocou a Madrid para um encontro importante para definir quem terminava em primeiro lugar da classificação (Zenit e BATE Borisov tinham poucas ou nenhumas possibilidades de passagem). Del Piero, que até começou a carreira como guarda-redes para poder jogar mais minutos, já tinha 33 anos mas era uma máquina de futebol e abriu o livro frente ao Real, com um golo de fora da área e outro de livre direto. Quando foi substituído, o Bernabéu rendeu-lhe uma justa homenagem que nem o próprio queria acreditar.

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Não são muitos os casos de jogadores que conseguem, por um ou outro motivo, colocarem um estádio adversário com os adeptos de pé a aplaudir. Hoje, muito se fala dessa reação dos transalpinos depois da obra prima do jogador português em Turim, mas existe um aspeto importante em termos de contexto para reforçar a dimensão do ato: 15 minutos antes, quando teve nos pés a oportunidade de fazer o seu segundo golo mas atirou ao lado, os mesmos fãs da Juve insultaram-no e fizeram gestos como quem diz “Aqui mandamos nós”; depois, renderam-se a Cristiano Ronaldo, naquela que foi uma espécie de inversão de papéis com Alessandro Del Piero.

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Garrincha, o Mané que também era conhecido como Anjo das Pernas Tortas ou Alegria do Povo, foi um dos mais fabulosos jogadores brasileiros de sempre, tendo feito quase toda a carreira no Botafogo antes de curtas passagens no final por Corinthians e Flamengo, entre outros. Como seria de esperar, cada jogo que tivesse o bicampeão mundial (1958 e 1962) era notícia, de forma inevitável. E entre jogos inesquecíveis (pelas vitórias coletivas ou por outras curiosidades, como quando colocou 100.000 pessoas num estágio do México a gritar “olé” por cada finta que fazia num particular com o River Plate), há um que terminou com os adeptos adversários de pé: a vitória do Botafogo com o Stade Reims em Paris, numa digressão do conjunto brasileiro pela Europa: com uma margem confortável no resultado, houve indicações para guardar a bola para poupar energias a cinco minutos do final. Garrincha levou a ideia à letra e, durante esse tempo, andou a fintar adversários de um lado para o outro sem passar nem perder a bola. Quando acabou o jogo, todos os espetadores se levantaram para aplaudir o que tinha acabado de acontecer.

Depois temos Diego Maradona, o génio argentino que conseguiu colocar todos os estádios italianos onde passava com o Nápoles em alvoroço, incluindo o dos principais rivais, e motivou a ida de Sousa Cintra, então presidente do Sporting, ao próprio autocarro da equipa transalpina quando veio jogar a Alvalade para a Taça UEFA em 1989. Antes de tudo isso, houve um momento em Espanha que ninguém esquece: num encontro a contar para a Taça com o Real, o canhoto teve uma arrancada fulgurante, ultrapassou guarda-redes, deixou ainda mais um defesa dos merengues no chão e encostou para o segundo golo dos catalães (o jogo terminaria com um empate a dois). Choveram alguns objetos para o relvado, mas grande parte do Santiago Bernabéu levantou-se a aplaudir o momento de magia.

Mas houve mais jogadores blaugrana a deixar marca em Madrid. Como Messi, de forma inevitável. Mas até pela rivalidade que existe com Cristiano Ronaldo, nunca se assistiu ao Santiago Bernabéu rendido ao argentino como aconteceu, por exemplo, com Ronaldinho: na goleada do Barça frente ao Real por 3-0 em 2005, o  brasileiro fez o que quis da defesa dos blancos, marcou dois golos e teve uma noite de sonho que ficou perpetuada pelas câmaras com a imagem de um pai e um filho dos visitados a bater palmas aos momentos de magia que espalhou em campo (mas houve mais manifestações do género nesse encontro, onde Dinho esteve endiabrado).

Mas não se pense que Messi nunca teve a “sua” noite. E não foi apenas uma. Mas, como o jornal Marca recupera esta quarta-feira, há uma que ficou gravada: depois de ter feito um hat-trick que praticamente sentenciou uma eliminatória da Taça de Espanha (1-3 na primeira volta), Pep Guardiola decidiu substituir a Pulga e o Vicente Calderón levantou-se em peso numa ovação que não passou ao lado do astro argentino. 

De uma forma ou outra, os maiores entre os maiores acabam sempre por receber o reconhecimento alheio após uma noite mais inspirada. E existem muitos exemplos disso mesmo. Iniesta, Cruyff ou Xavi são alguns desses casos, no plano interno ou nas provas internacionais. Depois há Ronaldo, o Fenómeno, num célebre encontro em Old Trafford: depois do triunfo por 3-1 na primeira mão em Madrid, o Manchester United de Van Nistelrooy, Beckham e companhia fez uma grande exibição, venceu (4-3) mas teve pela frente a melhor versão do avançado brasileiro, que fez um jogo de sonho e apontou três golos. Quando foi substituído, os red devils ovacionaram-no.