O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho anunciou este sábado, num artigo de opinião publicado no Observador, que é contra a despenalização da eutanásia. Um dia depois de um outro antigo líder do PSD, Cavaco Silva, se ter manifestado também contra a alteração legislativa que vai a votos no Parlamento, Passos tornou pública a sua posição sobre o assunto, acrescentando que discorda da realização de um referendo.

Passos deixa uma crítica a Rui Rio ao defender que um partido como o PSD — mesmo que deva salvaguardar a liberdade de cada um votar com a sua consciência — “nega a sua razão de ser” se se alhear de emitir opinião sobre um assunto como este.

Mais do que uma questão de consciência

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No artigo de opinião que escreveu no Observador, Passos rejeita a ideia de que o debate sobre este assunto seja uma “surpresa” ou uma “iniciativa pouco ponderada”, mas defende que, “dada a particular sensibilidade e melindre da matéria, os deputados devem prevenir-se com um amplo debate aberto e não precipitado, que será certamente intenso, mas que também deverá ser envolvente, de modo a transcender as paredes parlamentares antes que uma decisão final seja tomada”.

Apesar de defender que o debate transcende o Parlamento, Passos ressalva que não é “um particular defensor da realização de referendos sobre este tipo de assuntos”, pois prefere que “sejam os deputados no âmbito do seu mandato representativo a decidir sobre este assunto do que ver remeter a decisão para um processo referendário.”

Passos, que em 2016 dizia estar a “refletir” sobre o assunto, diz agora que nunca conseguiu “extrair uma conclusão que permitisse uma concordância nem sequer qualquer simpatia com a alteração que é proposta.”

No artigo publicado no Observador, o antigo líder do PSD escreve que “parece evidente que não se perde a dignidade, que é intrínseca à pessoa, por não se poder morrer a pedido, nem a sociedade passa a ser menos compassiva por não se dar à permissão de matar a pedido”.

Além disso, defende Passos, “o recurso à eutanásia pode representar uma demissão e uma desresponsabilização da sociedade na forma de ajudar os que sofrem, empurrando as pessoas em condição particularmente vulnerável para a decisão extrema de pedirem para pôr termo à sua vida”.

Em alternativa a essa potencial desresponsabilização, Passos diz que “talvez seja altura para decidir investir sem delongas na expansão da rede de cuidados paliativos, mesmo que isso implique escolhas alternativas em termos de despesa pública que tenham de ser encaradas”.

O antigo líder do PSD admite até que, em “situações limite”, por respeito pela escolha individual de quem sofre, uma situação de morte assistida podia “implicar o consentimento legal”. No entanto, essa situação teria de ser “uma espécie de exceção teórica” que, no seu entender, “não é manifestamente a que move a alteração legislativa: a lei não está pensada nem única, nem preferencialmente para atender a esta situação muito especial, mas antes para uma espécie de ‘normalização’ que institucionaliza uma possibilidade de fim de vida.” Ora, por tudo isto, conclui Passos, “o melhor, na dúvida, é não fazer a alteração.”

Críticas a Rio

O seu sucessor no PSD, Rui Rio, tem defendido que cada um no partido deve ter a sua posição sobre este assunto e que o PSD não deve tomar decisão. Passos concorda que cada um deve ter a liberdade de ter a sua posição no partido, mas defende que o próprio partido deve ter uma posição: “Os partidos enquanto tal não se podem furtar a este debate e à opinião, deixando a decisão à consciência de cada qual. Se um partido, em matéria de visão de sociedade e do mundo, se alheia de emitir opinião neste particular, então nega a sua razão de ser e coloca sobre os seus representantes uma responsabilidade desproporcionada”.

Passos admite que esta não é uma decisão estrutural ou importante que permita “aferir todas as escolhas futuras” do partido, mas “será uma questão demasiado importante para não ser tomada como mais uma questão”.

Nos últimos dias têm sido várias as figuras, à esquerda e à direita, a revelar a sua posição pública sobre a eutanásia. Na sexta-feira, em declarações à Rádio Renascença, Cavaco Silva afirmou que, “estando em causa a defesa do primado da vida humana”, entendeu que devia fazer uso das “duas armas” que lhe restam como cidadão: a sua voz, “não ficando calado”, e o seu “direito de voto na escolha dos deputados nas próximas eleições legislativas”. Cavaco Silva antecipou ainda que, nas eleições legislativas de 2019, não irá “votar nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia.”

Cavaco Silva apela ao voto contra a eutanásia. Votará CDS em 2019?

Já o líder do partido, Rui Rio, é favorável à despenalização da eutanásia e criticou mesmo os defensores do “não”, queixando-se que pressionam os que concordam com o “sim” à eutanásia: “Aquilo que tenho notado um pouco na sociedade portuguesa, em particular por parte de quem defende o ‘não’, é que há uma excessiva pressão sobre outros que possam estar no ‘sim’ ou que possam estar com dúvidas no sentido de tentar trazê-los para a sua posição. E isso, sinceramente, choca com a minha maneira de ser.”

O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, também este sábado, em declarações à Rádio Renascença, defendeu o direito à eutanásia, afirmando que “é preciso ter a possibilidade pessoal de decidir o nosso fim” e que apesar de este ser um problema cientifico, pessoal, humano, familiar, “é a pessoa que está em causa, e é ela que deve ter o poder de decidir como é que quer passar para o outro lado”. Embora tenha esta posição, o antigo líder do PS é a favor de “aprofundar o mais possível [a discussão da eutanásia] e que não haja nenhuma dúvida do ponto de vista cientifico.”

O primeiro-ministro António Costa também assumiu, logo na abertura do Congresso do PS, que é a favor da despenalização da eutanásia.