Não precisamos de ir aos largos milhões de euros que o futebol movimenta para percebermos o porquê de ser o desporto-rei. Há pouco que consiga motivar tantas paixões, e o ténis não preenche certamente estes requisitos. Nos videojogos existe este paralelismo com o mundo “real”. Os jogos de futebol vendem milhões de unidades, com os dois grandes competidores (FIFA e PES) a ficarem com uma grande fatia do bolo, coexistindo com muitos títulos de pequeno e médio orçamento que tentam comer as migalhas que ficam no prato. No panorama dos simuladores de ténis, o cenário é menos compacto.
Com a saía de cena dos dois pesos-pesados (Top Spin e Virtua Tennis), no início da década, o mercado ficou ainda mais vazio, abrindo espaço a pequenas produções. Depois de anos sem grande turbulência para os lados dos jogos de ténis, é curioso que sejam lançados no mesmo mês dois jogos que criaram alguma tração mediática: AO International Tennis e o muito aguardado Tennis World Tour, este último criado pelos Breakpoint Studios.
As expectativas em torno do Tennis World Tour eram altas, muito graças ao facto de que alguns dos membros dos Breakpoint Studios terem sido responsáveis pelo desenvolvimento da última iteração de Top Spin, que ainda hoje traz boas memórias. Estavam lá quase todos os ingredientes eara fazer deste título um verdadeiro ás mas, depois de largas horas a jogá-lo, percebemos que o número de duplas faltas cometidas é tão grande que rapidamente atiramos a raquete ao chão, qual John McEnroe em fúria.
E por falar no histórico tenista, um dos pontos fracos deste Tennis World Tour tem a ver com ele. McEnroe foi convidado para servir de comentador das partidas e a sua presença acabou por ser um dos selling points do jogo. O problema é que o mercado das grandes produções desportivas de videojogos já avançou tanto que estamos habituados a ter uma grande solidez e complexidade de comentários. Títulos como FIFA ou NBA estabeleceram como standard linhas de comentários naturais, que surgem de forma orgânica no meio das jogadas. No caso de Tennis World Tour, não é isso que acontece. As intervenções de McEnroe não só são limitadas, como são repetidas. Parecem vir de um acervo de uma dúzia de frases genéricos proferidas pelo tenista.
O número de atletas disponível é bastante aceitável: 26 tenistas masculinos e cinco femininas, contando ainda na Legends Edition com a presença de Andre Agassi e John McEnroe. A verosimilhança entre os modelos e os atletas reais foi bem conseguida, mas isso acabou por embater noutro ponto fraco deste título: a fraca personalização das nossas personagens. Outro standard dos jogos de desporto é o modo Carreira, onde é possível criar uma personagem e colocá-la a competir num modo de “história”. O sucesso destes modos passa invariavelmente por diversos fatores, sendo que um deles é a nossa satisfação em conseguir personalizar a nossa personagem como quisermos. Mas em Tennis World Tour as possibilidades são tão limitadas que ficamos apenas com uma mão-cheia de presets disponíveis. É estranho que um título desta dimensão não tenha ferramentas de criação de personagem mais complexas, um elemento tão corriqueiro que até jogos independentes de baixo orçamento conseguem criar.
Há, porém, boas ideias a retirar do modo de carreira deste jogo. A equipa de desenvolvimento deste jogou trabalhou com o treinador Boris Vallejo para compreender o que poderiam introduzido de diferente. Decidiram-se então por uma abordagem mais pragmática entre a vida real e o jogo. Por exemplo, se um tenista não consegue competir em todas as provas por não estar em forma, não ter dinheiro ou tempo, então no jogo também temos de fazer essas opções e saber em que competições apostar. Esta ideia já tinha sido apresentada noutros jogos, como o UFC, mas aqui torna a simulação mais fidedigna.
A outra boa ideia é a de os jogadores terem uma série de “habilidades” que se ativam em determinados momentos. Por exemplo podemos “equipar” o nosso tenista com um bónus de “agilidade” sempre que está a defender o serviço ou com um bónus de “resistência” quando está a servir. A forma como gerimos estas habilidades fazem parte da estratégia que podemos imprimir dentro do court.
Mas depois de dezenas de partidas o que transparece é que Tennis World Tour é um objeto apressado e lançado antes do tempo. A ausência de componentes online (prometidas para um update vindouro), a estranheza da movimentação dos tenistas e os pequenos bugs de colisão entre a raquete e a bola, tornam a coisa ainda mais evidente. Visto que temos vários golpes de raquete, cuja intensidade depende da pressão que colocamos nos botões dos comandos, é percetível a má-leitura que o jogo faz das nossas escolhas. Além disso, a resposta do nosso tenista nem sempre corresponde com exatidão ao tipo de jogada que queríamos fazer. De um modo geral, existem falhas mecânicas e de programação que já tinham sido solucionadas na década anterior e que aperecem aqui sem grande justificação.
Dada a experiência da equipa que o desenvolveu, é quase certo que, com mais uns meses de desenvolvimento, teríamos aqui o grande simulador de ténis desta geração. Aos fãs deste desporto, resta-lhes esperar pelo final deste mês pelo regresso de Mario aos courts em Mario Tennis Aces. Este não terá o realismo que Tennis World Tour prometia, mas será certamente um videojogo de ténis muito melhor executado.
O Tennis World Tour está disponível nas lojas por 59,99 euros para PS4, Xbox One, PC e Nintendo Switch
Ricardo Correia, Rubber Chicken