A reunião anual dos países do G7 começa esta sexta-feira no Quebeque, numa altura em que a tensão entre os seus diferentes intervenientes sobe em flecha. À saída da Casa Branca, a caminho do encontro, o Presidente dos EUA afirmou que a Rússia deveria voltar a fazer parte do grupo. Recorde-se que Moscovo foi suspenso do grupo, em 2014, após a anexação da Crimeia.

“A Rússia devia estar nesta reunião”, disse Donald Trump, citado pela CNN. “Deviam deixar a Rússia regressar, porque devíamos ter a Rússia na mesa de negociações.”

Na antecipação desta cimeira, alguns líderes mundiais fizeram saber que vão confrontar Trump com a recente decisão de aumentar tarifas a países europeus e ao Canadá, o anfitrião da reunião do G7.

No final de maio, Donald Trump anunciou que os EUA vão impor uma tarifa a importações de aço e alumínio provenientes do Canadá, México e da União Europeia. No caso do aço, as tarifas são de 25% e no alumínio ficam-se pelos 10%. Uma das justificações referidas por Donald Trump para implementar esta medida foi que a “segurança nacional” dos EUA estaria em causa.

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O G7 reúne-se uma vez por ano, sendo composto pelos EUA, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Itália e Japão. Além disso, também a União Europeia estará representada naquela cimeira.

Numa conferência de imprensa conjunta em Ottawa entre o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, ficou bem patente que a dinâmica da cimeira que começa esta sexta-feira será de confronto com os EUA. Na sua intervenção, Emmanuel Macron colocou abertamente a possibilidade de os EUA serem colocados de lado, referindo até que Donald Trump parte para esta reunião “isolado”.

“Talvez tanto faça ao Presidente americano que esteja isolado, mas talvez para nós [os restantes seis países do G7] também seja indiferente, porque estes seis representam valores e um mercado económico que tem uma história forte e uma verdadeira força a nível internacional”, disse o Presidente francês. Emmanuel Macron disse ainda que terão de ser tomadas medidas “dentro do quadro internacional” por parte da União Europeia para reagir às novas tarifas aplicadas pelos EUA. “Temos de proteger as nossas indústrias, os nossos trabalhadores, as nossas economias, porque é isso que os nossos povos esperam de nós”, disse.

Mais tarde, Emmanuel Macron colocaria no Twitter a seguinte frase: “É preciso não esquecer que, sem os EUA, os 6 países do G7 representam um mercado maior do que o mercado americano”.

“O Presidente americano pode não se importar de estar isolado, mas nós também não nos importamos de assinar um acordo de seis países, caso seja necessário. Porque estes seis países representam valores, representam um mercado económico que têm um peso da história por trás e que é agora uma verdadeira força internacional”, disse ainda Macron.

Na mesma conferência de imprensa, Justin Trudeau reagiu à afirmação de Donald Trump que alegou questões de “segurança nacional” para aumentar as tarifas agora aplicadas ao aço e alumínio. “É risível sugerir que o Canadá, a França ou os europeus possam representar uma ameaça para a segurança nacional dos EUA, porque nós somos os melhores aliados que os EUA têm há muito tempo”, disse o primeiro-ministro do Canadá.

Em reação às afirmações dos dois líderes, Donald Trump acudiu ao Twitter para escrever: “Por favor, digam ao primeiro-ministro Trudeau e ao Presidente Macron que eles estão a cobrar aos EUA tarifas enormes e a criar barreiras não-monetárias. O excedente comercial da União Europeia com os EUA é de 151 mil milhões de dólares [128 mil milhões de euros] e o Canadá mantém os nossos agricultores, e não só, de fora. Aguardo encontrar-me com eles amanhã”.

O presidente norte-americano acusou ainda o primeiro-ministro de estar a ser “tão indigno” ao mencionar as relações entre Estados Unidos e Canadá, mas não mencionar o facto de estarem a cobrar “300% nos lacticínios”, algo que está a “matar” a agricultura dos Estados Unidos.

“Por que não estão a União Europeia e o Canadá a informar o público de que, durante anos, usaram tarifas comerciais e barreiras não-monetárias contra os Estados Unidos. Totalmente injusto para os nossos agricultores, trabalhadores e empresas. Acabem com as vossas tarifas e barreiras ou iremos mais do que igualar-vos.”

Esta semana, o vice-presidente da Comissão Europeia Maros Sefcovic referiu que a União Europeia vai retaliar com novas tarifas às importações norte-americanas a partir de julho, referindo que será uma “resposta ponderada e proporcional à decisão unilateral e ilegal tomada pelos EUA”. Entre os produtos contemplados por essas novas tarifas, estarão o aço, bens agrícolas, uísque do tipo “bourbon”, manteiga de amendoim, arandos e sumo de laranja.

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Do lado do Canadá, tal como por parte do México, houve logo no final de maio a resposta de impor aos EUA as mesmas tarifas aplicadas por parte de Washington D.C. aos produtos canadianos. Os três países fazem parte do acordo comercial NAFTA, em vigor desde 1994 e amplamente criticado por Donald Trump.

Outro tema quente desta cimeira do G7 deve ser o Acordo Nuclear com o Irão, do qual os EUA se retiraram no início de maio após decisão de Donald Trump. Entre os países do G7, há vários participantes daquele acordo, que desde então têm criticado o gesto dos EUA. Trata-se do Reino Unido, da França e da Alemanha.

Por parte da Alemanha, a chanceler Angela Merkel também já fez declarações onde antecipava uma cimeira difícil, mas sem entrar em pormenores ou em explicações mais alongadas, ao contrário dos seus homólogos francês e canadiano. “Toda a gente sabe que se esperam discussões difíceis”, disse no Parlamento Europeu esta quarta-feira. E no dia anterior, no parlamento alemão, disse: “É visível que temos aqui sérios problemas com acordos multilaterais, por isso vamos ter discussões contenciosas”.

Theresa May modera o tom contra Trump, mas não consegue reunião com ele

Quem teve ainda mais reservas foi a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May. Com a saída da União Europeia agendada para março de 2019, a líder britânica tem procurado manter boas relações com o seu homólogo norte-americano na esperança de ali garantir trocas comerciais que possam compensar uma eventual queda com o restante mercado europeu pós-Brexit. Theresa May referiu-se ao G7 de 2017, o primeiro de Donald Trump, para assegurar a boa-fé do Presidente norte-americano. “Foi importante ter a América sentada à mesa para chegar a acordo connosco. Como consequência, conseguimos chegar a acordo e agir junto de empresas na América”, disse.

Sobre a resposta da União Europeia às tarifas dos EUA, Theresa May não se comprometeu com nenhum dos lados mas falou a favor do “mercado livre”, por oposição ao protecionismo de Donald Trump. “Obviamente, a União Europeia vai responder. Vamos garantir que trabalhamos com outros na União Europeia para assegurar que a resposta é proporcional e dentro das regras a Organização Mundial do Comércio”, disse Theresa May, que depois acrescentou: “Queremos ser grandes defensores do comércio livre em todo o mundo e é isso que vamos continuar a fazer”.

A tentativa de aproximação de Theresa May aos EUA de Donald Trump não valeu, ainda assim, uma reunião privada entre os dois líderes. De acordo com o The Independent, a primeira-ministra pediu uma reunião privada com o Presidente dos EUA — convite que este terá recusado. De acordo com o The Telegraph, que cita um antigo funcionário da Casa Branca que esteve presente em reuniões passadas entre os dois líderes, Donald Trump não apreciará o tom de Theresa May em privado. “Sem ofensa, mas ela é basicamente uma professora da escola. Não me parece que haja alguém que se dê bem com ela”, disse essa fonte.

Apesar de ser o centro de quase todas as atenções deste G7, Donald Trump, que participa pela segunda vez numa cimeira deste género, vai sair antes do final. De acordo com a assessora de imprensa da Casa Branca, o Presidente dos EUA vai sair mais cedo, no sábado às 10h30 locais (15h30 de Lisboa) para se deslocar para Singapura, onde vai decorrer a cimeira entre Donald Trump e Kim Jong-un, da Coreia do Norte.

Desta forma, Donald Trump não estará presente na fotografia de família nem na habitual conferência de imprensa conjunta no final da reunião do G7.