O dia 28 de maio de 2018 já começou agitado para Patrícia Mendes e Tatiana Gaspar, funcionárias do posto de gasolina da Galp da Avenida Gago Coutinho, em Lisboa. Era uma segunda-feira e o movimento começou bem cedo: havia pessoas para abastecer o carro, para tomar o pequeno-almoço e para comprar tabaco. “Tivemos um movimento daqueles que não estávamos a contar logo de manhã. Estava muita gente, naquele dia toda a gente se levantou cedo para vir trabalhar e vir às bombas abastecer e comer“, recorda Patrícia, de 38 anos, ao Observador.

“Estava tudo normal quando entra um senhor dentro da loja a dizer: ‘Por favor, ajudem-me que a minha mulher está a entrar em trabalho de parto'”, conta Tatiana de 23 anos. Quando Nasser Camará, segurança e personal trainer de 40 anos, entrou esbaforido dentro da loja, Tatiana estava a atender clientes no balcão e Patrícia estava junto à entrada — tinha saído por breves minutos para o marido lhe entregar umas chaves.

“Quando venho a entrar, ela [Tatiana] diz-me: ‘Uma ambulância’. Eu olhei para a rodovia e não vi nenhuma ambulância. Já não é a primeira vez que uma ambulância sai daqui em marcha de urgência e não paga, mas depois vêm pagar. ‘Ah, não te preocupes’, respondi. Conforme venho andando [em direção ao balcão], ela diz-me: ‘A senhora está em trabalho de parto no carro e o senhor não consegue ligar para o 112‘”.

Teve de ser Patrícia a ligar para os serviços de emergência. “Ele estava extremamente nervoso. Até tinha o telemóvel mas não conseguia ligar. Fui buscar o meu, dei uma corridinha até lá fora e fui a ligar. Quando cheguei lá, a senhora estava em trabalho de parto”.

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O carro, que entrou no posto às 8h40 da manhã, estava parado na bomba 15. Lá dentro, sentada no lugar do pendura, estava Samira Semedo, operadora de caixa do Lidl, grávida de 39 semanas e três dias. Olhando para trás, a jovem de 30 anos recorda que tudo começou cerca de quatro horas antes.

Eu acordei às 4h da manhã com um bocadinho de dores, mas não liguei e voltei a dormir. Acordei às 8h05, não tinha dores e depois às 8h20 foi quando começaram as dores. Foi de repente”, explica.

Com contrações de “minuto a minuto”, o casal, que mora no Bairro do Armador com o filho de 10 anos, pôs-se a caminho da Maternidade Alfredo da Costa, onde Samira era seguida. “Eu costumo ir sempre pelas Olaias. Cheguei ali junto à bomba das Olaias — a nossa casa fica um pouco mais acima –, olhei e vi que estava trânsito e que não ia conseguir ir por ali. Então vim por aqui para apanhar a [Avenida] Estados Unidos da América.” Quando chegaram junto ao posto de gasolina da Galp, Samira percebeu que não iriam chegar a tempo e disse a Nasser para parar no posto e pedir ajuda.

Nasser e Samira junto à bomba 15, no posto de gasolina da Galp, onde nasceu Nyah

Quando Patrícia chegou junto de Samira, ainda estava a falar ao telefone com o 112, à espera que lhe transferissem a chamada para um “médico ou um enfermeiro”. “A porta estava aberta. Ela estava deitada, com o banco quase todo para baixo no lado do pendura. Tinha as pernas cruzadas, estava descalça e trazia roupa, mas estava completamente despida da cintura para baixo. Não sei se era uma camisa de dormir, se era um camisolão grande.”

Como a chamada nunca mais era transferida, a funcionária acabou por passar o telefone a um colega que se tinha dirigido ao carro para ajudar. “Ele aproximou-se e o esposo da senhora disse que não queria que ele se aproximasse mais, então disse-lhe: ‘Olha, leva-me o telemóvel para dentro’. Não cheguei a falar com nenhum médico. “Hão-de ligar e tu atendes”, disse [para o colega].”

Samira continuava com contrações fortes e começou a entrar em pânico. Patrícia e Nasser estavam ao seu lado, junto à porta do lado do pendura, e tentavam por tudo acalmá-la. “Ela fechava as pernas e dizia: ‘A minha bebé vai nascer no chão, a minha bebé vai nascer no chão'”, conta Patrícia. “[A mãe] não tinha nem onde se apoiar para fazer força, ela agarrava-se ao cinto e eu disse: ‘Pega aqui na minha mão, mete aqui no pé’. Ela meteu o pé na minha perna. ‘Agora quando tiveres dores, faz força’, ela fez e saiu um grande bocado de bolsa. Ela ficou muito nervosa e eu disse: ‘Independentemente do que eu te vou dizer, tu pensas o que quiseres, mas ninguém te vai tirar daqui. O teu bebé vai nascer aqui, por isso vamos adiantar.'”

A funcionária diz que falou ao telefone com o INEM e disseram-lhe que era preciso rebentar a bolsa amniótica. “Eu e a minha colega pensámos em tudo. Palito, colheres do galão,…”, diz Tatiana. Acabou por não ser preciso nada: “Na inocência, fui tocar [na bolsa] para ver a textura e com as unhas, furei aquilo. O marido levou um banho e a cabeça começou logo a sair”, diz Patrícia.

Nessa altura, a funcionária lembrou-se das histórias que a avó e a sogra lhe tinham contado dos trabalhos de parto. É que apesar de já ter uma filha de nove anos, o seu parto foi de cesariana, portanto não sabia bem o que esperar.

Quando a bolsa rompeu, perguntei-lhe se tinha vontade de fazer cocó e ela disse que tinha muita. ‘Então faz força que é o teu bebé’ e saiu a cabeça.”

A grande preocupação de Nasser era o cordão umbilical: “Na ecografia vimos que a menina tinha o cordão umbilical à volta do pescoço, então era isso que me estava a preocupar. Não dava para pensar em mais nada, foi tudo em segundos. Quando saiu a cabeça, não vi o cordão umbilical, mas fiquei à espera. Depois saiu o ombro e ela saiu disparada. Começou logo a chorar e o meu pensamento foi: ‘muda já não é'”.

“Eu ia à maternidade por tudo e por nada e naquele dia não deu sequer tempo de chegar”, conta Samira.

O casal com as funcionárias da Galp junto à loja da bomba de gasolina

Nyah foi o primeiro bebé a nascer num posto da Galp. O parto em si não demorou mais de sete minutos, mas para Patrícia pareceu uma eternidade. “Pensei que estivéssemos lá estado uma hora. Foi muito intenso mesmo. O nascer da bebé já foi o fim, tudo o que aconteceu antes é que foi difícil. Foi alegria, foi medo, foi tudo. Pensei que pudesse acontecer o pior. Pensei que ela ia mesmo ficar ali, ela e a bebé…

Tatiana, que durante o processo tinha voltado à loja para ir buscar água e papel, estava ao telefone com o INEM e foi dando indicações a Patrícia sobre como proteger a bebé, batizada de Nyah. “A senhora disse-me: ‘Com um bocadinho de papel, limpe-lhe o narizinho e a boca para a menina respirar melhor’.” E assim o fizeram: “Limpei-lhe o nariz, limpei-lhe a boca. Pus o dedo como eles disseram para ver se ela mamava e ela mamou. E chorou outra vez, não gostou que eu lhe limpasse o nariz”, recorda Patrícia. E ainda cobriram a bebé com uma toalha que o casal tinha no carro.

Pouco depois chegou um carro de bombeiros. Um cliente que estava a tomar o pequeno-almoço na loja do posto de gasolina apercebeu-se do que se estava a passar e ao ver um carro de bombeiros do outro lado da estrada, decidiu ir chamá-los. Nessa altura, já a bebé tinha nascido e, poucos minutos depois, apareceu o INEM. “Quando chegou o INEM levantei-me, consegui pôr-me na maca, levaram-me para dentro da ambulância e cortaram o cordão umbilical”, conta Samira.

Com a chegada dos serviços de emergência, perto das nove da manhã, as funcionárias regressaram ao trabalho. Enquanto Patrícia e Tatiana atendiam os clientes na loja, o INEM esteve durante uma hora a cuidar de Samira e Nyah. Patrícia ainda conseguiu ver mãe e filha antes de a ambulância seguir para a Maternidade Alfredo da Costa (MAC). “Fiquei no degrau da ambulância, na porta lateral, e ela disse: ‘Já está a mamar’. Vi que elas estavam bem, vi que a Samira estava aliviada e a sorrir. Agradeceu e eu disse: ‘Não não, depois vens cá pagar o cafézinho.’ [risos]”

Patrícia (à esquerda) e Tatiana (à direita) com Nyah

Enquanto Samira e Nyah seguiam para a maternidade, Nasser ficou para trás a limpar o carro com a ajuda de Patrícia. Trocaram poucas palavras, mas ficou a promessa de que regressariam para mostrar a bebé. Já na MAC, Samira conta que lhe retiraram “a placenta” e teve de “ser cosida”, mas nem ela nem a bebé apresentavam cuidados de maior. “Foram dois dias e depois na quarta-feira fomos para casa”, explica. A única ‘mazela’ da aventura foi uma constipação que a bebé apanhou “por causa do tempo”, diz a mãe.

O resto do dia de Patrícia e Tatiana foi passado a trabalhar, mas nenhuma conseguia deixar de falar ou pensar noutra coisa sem ser no que se tinha passado naquela manhã. “Chorámos muito. Tivemos o dia todo a pensar: ‘Nós não fizemos isto, não foi verdade’“, relata Tatiana, acrescentando que ligaram logo à família e amigos a contar a proeza. Até partilharam com alguns clientes que foram atendendo ao longo do dia: “Alguns não acreditavam, outros diziam: ‘A sério?'”, recorda a funcionária.

Tal como prometido, no dia 5 de junho, o casal levou Nyah ao local onde tinha nascido para Patrícia e Tatiana a verem — já o tinham tentado fazer dois dias antes, mas nenhuma das duas estava a trabalhar. As funcionárias ofereceram uma mala com alguns bens ao casal, mas não foi o único presente que receberam. A Galp ofereceu, esta terça-feira, dois anos de eletricidade e ainda mil euros em combustível a Samira e Nasser. Patrícia e Tatiana receberam também 250 euros para gastarem em combustível.

Ela agora é nossa sobrinha emprestada, mesmo que não queira. Os pais também nos puseram à vontade, disseram que podemos acompanhar o crescimento e que hão-de vir sempre aqui”, diz Patrícia.